Caminho apressada debaixo da chuva miudinha que cai sem ruído. Chego ao edifício, é este o número.
A porta envidraçada está entreaberta, parece sussurrar-me. É aqui, entra.
Entro. Dentro, o ar é outro, está suspenso. O silêncio tem uma consistência musical e eu com a mão ainda na porta, devolvo-a à posição em que a encontrei.
A energia que paira neste lugar abraça-me imediatamente a existência ou estarei a sonhar? Aqui fala-se uma língua de sons mudos e cheia de significados que vêm de todos os quadrantes e que eu ainda não entendo. Falam todos ao mesmo tempo. Em silêncio.
- Em que posso ajudá-la?
A empregada da loja é uma mulher sem idade porque não traz a pressa vestida. Exibe um sorriso da cor da paz e a sua voz soa a violino, amacia-me os sentidos. Devo ter feito uma cara desajustada, desenterrada à rua e à chuva, acabada de perder a pressa, estou amputada e estou tão bem, ela continua a sorrir e eu sim, devo estar a sonhar.
- A porta. Estava entreaberta - disse por fim - vai já fechar?
- Não, não vou fechar.
As paredes estão revestidas de prateleiras com livros até ao tecto. O chão em meu redor e em todo o lado está povoado de caixas cheias, uns são novos outros velhos. Eu deito-lhes o olho, encho a vista nos mais que posso, vejo-lhes as cores das lombadas, as espessuras, os comprimentos, os títulos, que falam ao mesmo tempo, estão-me a sorrir, eu também estou, quase lhes toco, esperem, eu hei-de voltar.
Torno a encarar a elfa que habita esta floresta de silêncio e de histórias, e eu não quero acordar.
- Venho buscar um livro, deve estar aí um livro para mim.
Estavam dois. Meti-os na mala onde tinha trazido a pressa.
- Obrigada, muito obrigada.
Quando me voltei para sair, a porta continuava entreaberta. Tentei escutar-lhe um sussurro, mas passou um autocarro na rua que me atirou com os travões à cara. Saí e tornei a deixar a porta na posição.
Um dia voltarei aqui. E ficarei a ouvir as histórias todas que os livros contam, uma de cada vez.
Depois, começo a contar a minha. Ainda antes de acordar.
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