A passageira parisiense que, na estação de Biarritz, veio
sentar-se no lugar ao meu lado, primeiro assustou-me devido à enormidade da mala
que trazia. Para avançar no corredor central e único do comboio
de grande velocidade, a senhora puxava a mala com visível esforço. Por sugestão sua, para que melhor nos encaixássemos ambas, eu deslizei com a minha tralha já em ação
desde há três estações atrás, computador e os afins do costume incluindo uma
garrafa de água, para o lugar à janela, o seu, e ela senta-se no meu, mais acessível
para manter a sua grande mala debaixo de olho, que tal? Por mim, está
excelente, digo. Fico portanto a ver a França passar a grande velocidade mais
perto dos olhos. Mas, após o susto inicial e pronto a ser ignorado, um atraso que
nasceu pequenito foi crescendo a cada paragem, cedo começando a ameaçar a
tranquilidade da viagem e aí oferecendo um susto maiorzinho. Isto porque no meu caso
não adoro perder o próximo comboio e ficar entregue ao natural fluir do encadeamento
da vida, por vezes recheado de injustiças prontas a saltar para fora da caixa
delas (agora usa-se muito isto da caixa, especialmente do lado de fora). Eu
seguia concentrada no meu trabalho, mas ainda assim pude reparar na quantidade desabitual
de passageiros extra a entrar no comboio. Eles provêm de uma longa espera visto
que, informou-me a nossa passageira (passa a nossa), os dois comboios anteriores haviam sido cancelados devido a certa
greve. Mau. Eu a pensar que tinha tido sorte por ter escapado à greve o meu
comboio (meu, mas não muito muito) e que portanto ia fazer a viagem lindamente. Começaram,
então, a acumular-se passageiros no corredor, metidos com as malas,
passageiros, outros, sentados nos degraus das escadas entre os dois pisos do material
circulante (ou podemos repetir comboio), e no chão, em frente à casa de banho, já toda inacessível, sentavam-se outros passageiros nos interstícios
deixados pelas bagagens. No altifalante, o chefe de cabine ia pedindo milhares
de desculpas, às mil de cada vez, pelas condições e pelo atraso, ok. A dada altura
percebi que ia perder a ligação seguinte, a margem de que dispunha estava já
consumida até ao limite. E foi aí que a passageira parisiense ao meu lado me tentou
ajudar (eu tinha-lhe contado da minha possível perda iminente). Mostrei-lhe, na app, as minhas intenções de apanhar o percurso de metro recomendado por ela, app, para chegar à estação seguinte, a bela Gare du Nord, e aí um novo comboio (uma
espécie de complicação). Ora esta senhora, certificada e validada pela sua condição de residente em
Paris, instruiu-me noutra route, uma que, não parecendo, seria menos morosa,
mais minha amiga nesta hora da escassez dos minutos. Experimente, ela disse. Pensei aquilo do perdido
por cem perdido por mil, talvez esta nossa senhora tenha razão e, após saltar do comboio a rebentar pelas costuras o mais cedo que consegui, corri, furei o mar de gente
naquela estação de Montparnassetambém ela recheada demais, contornei as obras de uns melhoramentos, bem precisados esses melhoramentos, ó senhores!, a ver se já agora pelo caminho limpam a estação, pensei, desci
escadas quase a voar e fui. Tomei a nova route sugerida pela nossa senhora e à revelia da app.
E agora toma (vai buscar): não perdi o comboio por dez minutos, perdi-o por cinco. Um-zero para a nossa passageira, que ganhou à app!
(A greve deveu-se ao seguinte, para quem estiver
interessado: há dias, um comboio local, algures em França, uma composição com
duas carruagens, teve um acidente. O maquinista, único membro da tripulação na
composição – em comboios tão pequenos é a regra – ficou ferido no acidente e,
ferido, ajudou outros passageiros, também feridos. Os colegas, em todo o país, já
desde longa data contra atribuir a comboios pequenos apenas um trabalhador, que é
o maquinista, fizeram esta greve, querem mais tripulação nas composições.)
Adorei a 'nossa senhora', bem como a expressão propriamente dita, e a greve é (ou foi) bem demandada.
ResponderEliminar:-)
A greve foi bem demandada sim. E foi também agradável ver que todos aqueles passageiros que sofreram muito mais as consequências da greve do que eu, não reclamavam. Viajaram 5 horas em condições mesmo mázinhas.
EliminarBoa quarta-feira, Gina. :-)