a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

25/11/2014

Males que vêm por bem ou a borboleta castanha?

A minha colega que apanhou Legionella regressou hoje ao trabalho. Diz que não tem fumado desde então, sempre foram duas semanas, sorria e estava, pareceu-me, mais brilhante o seu sorriso. A minha avó, se ali estivesse, teria dito àquela hora há males que vêm por bem.

E eu estou muito de acordo com ela.

Hoje ao final da tarde, quando o trânsito saiu à rua a marcar o ritmo dos dias que caem invariavelmente nos braços das noites, eu encontrava-me dentro do carro, a minha filha ao meu lado, o consultório do dentista a ficar para trás, devagar. 

Isto não seria interessante notar, se não fosse ter reparado que está uma roda pouco gigante dentro do recinto onde antes pulsava de farturas e música fanhosa, de luzes coloridas e cheiro a frango assado, de algodão doce colado ao meu nariz e a esperança de mais uma volta na montanha russa, vá lá, mãe, por favor!, a Feira Popular.

Distraiu-me aquela roda pouco gigante, ou fui eu que cresci?, e agora distraem-me os gritos da miúda no quarto, porque está aqui uma borboleta enorme!, das castanhas! e não pára de voar!, ó mãeeeeee!

Difícil não é ter um blogue, difícil é rasgar o tempo sem doer nada a ninguém e meter-lhe dentro um post, no tempo, fazer uma espécie de sanduíche de torresmos, assunto que não discuto porque nunca semelhante coisa me cruzou os dentes, mas há quem aprecie.

Os males que vêm por bem. Há-de ser aqui que chegamos.

Aproveitando o vagar com que rodavam os pneus atrás dos outros, enquanto a Feira Popular se afasta de nós e eu esqueço o cheiro do frango assado, lembro-me da velha professora de ginástica do colégio. Ela não morria de amores por mim, acho que nem sabia o meu nome, comigo usava sempre o apelido. Ao segundo jogo de andebol do sétimo ano, não esqueci, quando viu que eu não metia golo mesmo nenhum, aliás a bola escolhia muitas mãos, isso era, mas não vinha amiúde aconchegar-se nas minhas, pôs-me o apito pendurado ao pescoço e declarou que a partir dali eu era o árbitro, tu não jogas nada.

O jogo recomeçou e eu sem ideia certa das regras, esqueci-me de estudar aquilo, foi ao calhas. Deixei passar uns minutos e de repente apitei com força.

Porque apitei?!... Ai não era?... Tu vê lá se atinas, que não foi falta! Vou tentar, prometi.

Mais um bocadinho e vejo uma colega muito rápida, parece que troca as mãos, com certeza aquilo é a tramar alguma, cá vai disto e apito outra vez. Pelo sim pelo não faço-o com menos força, não vá ser inoportuno apitar naquele momento e isso aborrecer alguém, com sorte ninguém ouvia, poupava uma maçada a toda a gente, ouviram. Então?!? Outra vez?!?

A professora apontou os passos largos e o corpo possante para mim, arrancou-me o apito, tu nem para isto serves, e mandou-me para a baliza, vê lá se agora defendes.

Não foi estratégia brilhante e isso viu ela daí a poucochinho quando alguém se lembrou de querer meter um golo e o meu instinto não quis colaborar, mandou-me fugir da bola em vez de me manter à frente dela, aquilo parecia que vinha cá com uma força, portanto o golo entrou muito bem, aliás viu-se ao longo do jogo que veio mesmo com a família toda, à vez, que o instinto é coisa forte, dificilmente se vira ao contrário e o meu não foi excepção.

Aspirei a borboleta castanha enorme que não parava de voar, com o cano do aspirador apontado ao tecto e a miúda sossegou, já está tudo a dormir. 

Tudo menos eu, que não sei como fazer este mal que sou no andebol, vir por bem.

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