a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

01/03/2015

Entrou que nem ginjas, caraças

Fazer a aproximação a Lisboa pela A1 é uma experiência que me agudiza, me excita aos píncaros o desejo, até ao momento secreto, de me tornar ministra da cultura, parece-me a cultura ser o pelouro mais adequado, se é que há pelouro para isto.

O efeito do mau gosto holístico de que padecemos como povo está patente em quase todo o lado, como se sabe. Está certo que a pala do pavilhão de Portugal ali à beirinha do rio Tejo é coisa única, um orgulho, o edifício do Tomás Taveira erguido na avenida de Berna a invocar a guitarra portuguesa também, uma pena ter deixado de dar jeito falar no Tomás Taveira. Ah! E temos a ponte 25 de Abril. Não sei se me estou a esquecer de alguma coisa, a Gulbenkian também conta, evidentemente, mas tirando os monumentos manuelinos, barrocos e afins, acho que está tudo. Isto no que respeita a Lisboa, claro.

Mas se de repente alguém ai não, não pode ser verdade, um povo tão acolhedor, que simpático, afável, boa comida, sol e mar e tudo, mau gosto não combina, se alguém assim, todo boa fé na gente, quisesse num ápice ver como é, eu digo que é por aqui se faz favor. Por um ramal de acesso da A1, direcção cidade branca, avançamos com muita atenção, podemos até levar a boa fé no colo, seguimos com cautela pela faixa da direita apesar de não haver por ali berma mas isso perdoa-se, pronto, e depois preparemo-nos; a páginas tantas, o rodado segue ligeiro, ou pesado, para o efeito tanto faz, a páginas tantas, vamos lá, pimba na população infernal de cartazes publicitários do tipo gigantones pernetas, cada um a querer ser mais alto que o outro, nem consigo interromper este parágrafo tão lançada vou, cena patética a saltar-nos para cima implorando que lá se ponha um anúncio, aqui! aqui!, alguns descorados pelo sol, os que vêem sol, já estou a tentar travar, os números de telefone que ostentam em font Arial tamanho (a partir de) um milhão quatro mil oitocentos e trinta e cinco, eh pá não se aguenta. E o pimba nem precisei de o meter ali a martelo, entrou que nem ginjas, caraças.

Mas há a internet, não há? há muitos sítios bons para publicitar, p-u-b-l-i-c-i-t-a-r. O Youtube, por exemplo. Abrimos um Beethovanzinho, um Chopinzinho, e pimba com uma coisa do Pingo Doce, segunda feira é o robalo, abrimos o sítio do banco para pagar as contas e pimba com ideias para créditos ao consumo, vamos ao dicionário ver uma palavra e levamos com os ténis Adidas, abrimos o jornal para ler como vai o mundo e nem se consegue ver nada com as frutas do Continente em promoção, mexem tanto que põem uma pessoa tonta enquanto dura a procura da cruzinha rápido rápido para fechar aquilo. Mas isto pronto, uma pessoa ainda vá.

Agora Lisboa tratada assim… receber-nos com uma floresta patética de publicidade falhada, uns atrás dos outros, o mau gosto a reinar, pois dói. Dói e repito, excita-me aos píncaros o desejo de vir a ser a ministra certa.

Resta-me, portanto, começar a recolher assinaturas.


E depois?! Depois, já em casa, refiz-me. Arregacei as mangas e fui fazer um jantar magnífico. Courgettes salteadas com maçã reineta não parece pois não? Mas foi.

(só em itálicos, este post custou uma fortuna)

9 comentários:

  1. E a mim fez-me sorrir, ler o post, de tal forma visualizava à medida que [d]escrevias.
    Como neste momento não me apetece reter as coisas que me incomodam - preciso de ir tranquila para o vale dos lençóis - detive-me nas courgettes salteadas com maçã reineta. Devem ser uma delícia!

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    1. Gosto de saber que sorriste, Maria. :-)
      E sim, as courgettes com maçã, inventadas de repente, sairam mesmo bem.

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    1. Eu sabia, Cuca, eu sabia que podia contar contigo! (vice-ministra e limpamos aquilo tudo?)

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  3. Acabei a rir com a parte final do texto. Deve ser por isto que se diz que o povo é sereno...lá vamos nós a irritar-nos com determinada situação e cresce aquele sentimento do temos que fazer qualquer coisa, temos de mudar isto...e depois, uma pessoa chega a casa, é preciso fazer o jantar, inventa qualquer coisa que afinal resulta e é bom e nos sabe tão bem e se calhar os cartazes não são assim tão maus :)).

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    1. Bem captado, Cláudia. O que são quilómetros quadrados de poluição visual vertical se podemos chegar a casa e encontrar conforto ao fogão? :-)

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  4. Acabei a rir com a parte final do texto. Deve ser por isto que se diz que o povo é sereno...lá vamos nós a irritar-nos com determinada situação e cresce aquele sentimento do temos que fazer qualquer coisa, temos de mudar isto...e depois, uma pessoa chega a casa, é preciso fazer o jantar, inventa qualquer coisa que afinal resulta e é bom e nos sabe tão bem e se calhar os cartazes não são assim tão maus :)).

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    1. Desculpa o eco Susana, mas a primeira vez, apareceu a informação que tinha dado erro.

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    2. Mas isso tem uma boa explicação, Cláudia: os teus comentários valem por dois. Ou mais.
      Volta sempre. Com ou sem eco.

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