Saiu da reunião a
meio de dois mil e quinze com o computador nos braços e um buraco negro no
estômago com apetite para engolir o esófago, a traqueia e a voz também, depois
os pulmões etc e no fim havia de deixar as pernas para que estas pudessem continuar a transportar o
espaço que a alma deixou vazio.
Fundo, na
garganta, ainda se agarrava uma bola de lágrimas velhas e secas de tanto serem
choradas sem fluxo e sem fim, uma parvoíce destas, que chorar é tão bom. Pensou que as seguraria até ao infinito do tempo
que lhe resta, pelo menos até as poder afogar no porto seguro de um momento de
solidão.
Ao chegar à
secretária, estava, ao contrário do que esperava, tudo no lugar. Tal como se não houvesse entrado um buraco negro a comer-lhe o corpo aos pedaços, a
arrancar-lhe a fome e a ameaçar o resto, primeiro as cores e os sons,
depois tudo. Mas por enquanto, na secretária, as coisas no lugar: a garrafa de
plástico com água para beber nesse dia igual; o calendário aberto na página do mês certo
como se o tempo soubesse onde está; a chávena almoçadeira a imitar o antigo, guardadora do ramo das flores mortas, duras, que são os lápis e as canetas com pó; o
pacote de bolachas maria, encetado, a primeira da pilha a tornar-se mole
devagar; o monte de papéis do lado esquerdo, em silêncio, apesar de carregar
muitas palavras fixas e bem alinhadas em duas ou três línguas diferentes numa
estática de perfeição fria; o ruído que vive na sala, um bzzzz contínuo
que não se sabe de onde veio para ficar; o cheiro familiar de um local sem querer seu e a orquídea branca que lembra os dias de sol lá fora, a beira de um rio a
brilhar enquanto uma gaivota o sobrevoa à procura de peixe, parece que se ouve o grasnar ou será a saudade a morder.
Pousou o
computador com cuidado para não o assentar em cima do fio do rato, que também
se tinha mantido no lugar onde o deixara antes da reunião. Tirou o último lenço da caixa e tentou assoar-se a ver se podia. Depois levou a mão ao
bolso das calças de tecido vincado com o ferro de engomar e retirou o papel dobrado que lá houvera metido nessa manhã vai dois mil e quinze a meio. Leu.
(não fosse o chocolate e este post era triste)
Há listas premonitórias. Essa foi uma espécie de consolo.
ResponderEliminar(acrescento um abraço e um beijo à lista, posso?)
Maria, os teus abraços e beijos são sempre bem vindos. (vou arrecadá-los eu, já está)
EliminarE devolvo dos meus na volta do correio. Um bom resto de semana. :-)
Querida Susana,
ResponderEliminarO texto é muito bom, com um primeiro parágrafo belíssimo. Mas, apesar chocolate não é doce. Espero que apenas o texto esteja triste. (Não consigo comer salmão.)
Um beijo,
Outro Ente.
Querido Outro Ente, muito obrigada pelo cumprimento ao texto (mesmo com a falta de vírgulas e tudo?!)
EliminarSalmão tem de ser poucas vezes. E muito tostado. Agora chocolate... muitas muitas.
Outro beijo.
Essa bola de lágrimas tem de ser cuspida, qual bola de pêlos.
ResponderEliminar(:
Talvez com uma palmadona nas costas. :-)
Eliminar(isso disse-lhe eu)
Percebe-se muito bem quando as pessoas sentem prazer a escrever. Passa para o lado de cá. E depois existe todo um mundo de pormenores no texto, que só quem está muito atento à vida que o rodeia, é que consegue captar, transportar, e atirar sem magoar para as pessoas que vão ter o privilégio de o apanhar. Eu acho que apanhei. Obrigada pro ter atirado tão bem, Susana,
ResponderEliminarBeijinho para esse lado :)
Querida Maria, este comentário é imenso, muito obrigada! Sim, eu gosto muito de escrever, mas como sabe com certeza, ter quem nos leia é que d+a sentido a esta magia toda. Principalmente quem nos leia assim, a "apanhar" tudinho.
EliminarUm beijinho de volta para esse lado aí. :-)
"d+a" = "dá mais", obviamente :-)
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