a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

12/03/2013

Dama dos anos 20

Tinha três anos, a Ritinha. Já andava na escola, a aprender os conceitos que a idade lhe permitia, a crescer em direcção ao céu, que era o limite da sua imaginação.

Nesse seu mundo imaginário, as Barbies e as princesas eram perfeitas projecções dela própria, tal como se via quando fosse grande.

Naquele Carnaval, quis mascarar-se de princesa. Um vestido cor-de-rosa, farfalhudo, com roda e comprido, uma tiara de brilhantes e, para compor, luvas brancas até ao cotovelo. 

A mãe, que tinha de cumprir orçamento apertado e havia mais filhos para mascarar, não comprou o vestido, nem a tiara, nem as luvas brancas. Carnaval é coisa que não merece investimentos dispendiosos, a imaginação de mãe tinha de servir o intento. Por isso, deitou mãos à obra nas gavetas e caixas lá de casa. E encontrou qualquer coisa.

Na noite que precedeu o dia das máscaras na escola, a Ritinha dormiu agitada.O sono trouxe-lhe imagens das histórias que ela conhecia tão bem: a Barbie Rapunzel e a sua condição de princesa, as Bratz que salvavam o mundo com os seus poderes, a Dama e o Vagabundo que viveram uma linda história de amor... de cães.

Pela manhã, havia um vestido cor-de-rosa, pronto, à espera de a transportar para o seu mundo mágico. Tinha franjas e lantejoulas da mesma cor, brilhava e mexia muito. Não era comprido nem podia ser rodado, o corte seguia a direito e parava a meio caminho para dar lugar às franjas irrequietas. Um colar de pérolas que dava duas grandes voltas e a mala pequena de alça longa com as mesmas franjas, feita do tecido do vestido, compunham o quadro e faziam-lhe a máscara.

Deixou-se vestir, desconfiada.

- O que é isto, mãe? Esta máscara é de quê? – pergunta a Ritinha.

- Esta máscara é de “Dama dos anos 20” – a mãe na esperança de a convencer de que estavam perante um traje a rigor e até a imaginou a dançar o Charleston.

Dama dos anos 20?! Está bem... - concordou, ainda assim satisfeita com a máscara. Já lhe tinha dado um lugar no seu imaginário. Não era princesa, mas era Dama. E dos anos 20, o que soava a coisa muito importante! Pena era não haver um Vagabundo para completar...

No final do dia de escola, a mãe foi buscá-la. A máscara ainda a exibia, orgulhosa, sobrevivente das actividades do dia.

- Ó mãe – perguntou a auxiliar de serviço na entrega das crianças, visivelmente divertida e ao mesmo tempo curiosa – a que está a Ritinha mascarada? É que – continuou – de cada vez que lhe perguntei, ela respondeu "Cadela dos anos 20"...

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