a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

12/08/2013

Cadeiras siamesas

Tenho de vos contar esta. Ainda da semana no barco, o Erik e eu.

Parámos no parque de campismo de Stroobos, plantado numa ilhota no meio de um canal que atravessa esta cidade frísia.

Para abastecer de água potável, para deitar o lixo, para aceder a uma ligação wireless, comunicar com o mundo e outras coisas mundanas de que os seres humanos nos dias de hoje precisam ou pensam que precisam. É o meu caso.

O relvado com os bungalows dispostos em diagonal a fazerem-se à água do canal, agradou-me. Em madeira, design moderno, janelas muito generosas.

Dois homens de calções, camisa de fora e chinelos andavam atarefados a mudar mesas, cadeiras, vasos com flores por todo o lado, ferramentas a denunciar trabalho-pesado-em-curso espalhadas pelo chão. Haveria festa? Dei-lhes os bons dias e comentei que aquele era trabalho pesado, hã?
O mais velho respondeu-me que estava de férias, por isso aquilo não era trabalho, sorria e suava em bica. Estava calor nessa manhã, estava.

A meio do espaço com os arranjos que eles andavam a montar, a convidar os passantes a sentarem-se a admirar as águas do canal, estão estas quatro cadeiras siamesas, nascidas na mesma árvore. E arranjadas para a festa, cada qual com a sua cor, deve ser moda, ora vejam isto.


Gostei delas, meti as cadeiras no bolso, codificadas em bits que a máquina fotográfica  registou. Não percebo mesmo nada de moda, mas que cores são estas?

Os holandeses são um povo sensível às cores, isso já eu sei, rodeiam-se das que mais gostam ou de todas, orientam a luz a seu bel-prazer. É tal qual como um dia ouvi a uma portuguesa que neste país vive: os holandeses são um povo de pintores, assim como os portugueses são um povo de escritores. Nem mais.

O dia foi escorregando pelas horas tépidas que nos acompanharam no itinerário aquático. Admirámos a fauna e a flora que abundam por estas paragens, ouvimos Bach ou Bruckner, os dois estiveram lá, tomámos café à farta, saboreámos enfim o ar. Que hoje parecia abraçar-nos.

Quando parámos no local escolhido para pernoitar, o sol ainda ia alto.

Erik lançou-se à pesca, eu deitei pão aos patos que se chegaram a nós e que lutaram como bárbaros para abocanhar o mais possível. Felizmente o pão acabou-se a tempo e com ele a chapinhada colossal que me distraía.

Mantive os olhos colados à água até as ondas se transformarem em espelho. Ouviam-se os gansos ao longe.

E depois olhei para cima. E vi a mensagem que o dia tinha para mim. Esta.


Não só meti no bolso a mensagem codificada, como não mais me sairá da memória.

O céu, com o girar do planeta, a ajuda das nuvens e o ardor do sol poente, desvendou o código de cores das cadeiras siamesas.

Da esquerda para a direita, elas vestiram-se de ar, terra, água e fogo. Os quatro elementos.

Fui ver. Era o tema da festa no parque de campismo, que bem me quis avisar. Mas eu, tolinha, só agora percebi.

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