a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

29/10/2014

Corações de Portugal

Não sei onde eu estava com a cabeça quando aceitei o copo que me ofereceram há anos na estação de serviço da BP.

Beber água, leite ou mesmo cerveja num copo alto com o logótipo da BP não mata bem a sede, nem que haja um prato com tremoços por perto. Também tentei chá, vinho tinto e só falta sumo de dióspiro, mas não acredito. Beber por copos a invocar combustíveis para automóveis, motociclos ou carrinhas de caixa aberta não é boa ideia, isso qualquer pessoa vê.

Digo que não sei onde estava eu com a cabeça, porque geralmente não aceito ofertas do tipo quer-aproveitar-a-promoção-e-com-quarenta-litros-de-combustível-leva-uma-caixa-de-pastilhas-elásticas-que-lhe-dão-para-a-vida, claro que não. Cartões de pontos ou outras inutilidades que nas lojas se oferecem com entusiasmo, sacos de praia, chinelos cor de rosa, óculos muito feios e bolsas que não servem para nada. Detesto. Rejeito tudo.

Tirando isto costumo ser pessoa razoável. No entanto, como já tenho dito, há limites.

Continuo a não compreender a ideia que animou pessoas com a responsabilidade de tomar decisões sobre frutas, de se colarem etiquetas em forma de coração ou outras, mas a de coração é pior porque se rasga sempre, nas maçãs que nascem em Portugal e depois vendem aquilo assim, com chancela à laia de pedigree que não tem graça nenhuma. Havia de se poupar papel, tinta, o trabalho de colar aquelas porcarias, o trabalho de as descolar e ainda os efeitos secundários que a ingestão de cola terá na população que come maçãs com casca e que se irão reflectir após muita maçã; parece que já estou a ver a abertura do jornal das oito lá para dois mil e vinte e três, os jornalistas hão-de chamar-lhe um figo, apesar de terem sido maçãs.

Maçãs mas não só e é isto que me traz aqui hoje.

Ao fazer alegremente uma salada para o jantar, descubro que a ideia que animou as pessoas mencionadas acima já se espalhou por mais áreas de intervenção. Isto traduzido por miúdos e não para miúdos, ou vindo do todo para a parte, corrijo, partes, que não foi só um, é o mesmo que anunciar não sem indignação que também já se colam corações de Portugal nos tomates.

Coisa muito engraçada de se fazer, não digo que não, no caso de lhe reconhecermos préstimo. Os tomatinhos são lindos, doces e suculentos sem coraçõezinhos colados, como toda a gente sabe. Portanto eu agradecia imenso a quem puder informar, que me esclarecesse sobre esta matéria, não sendo incómodo de maior.

Eu cá, a seguir ao próximo ponto final levanto-me, vou ao armário, pego no copo da BP e ponho-o no contentor do vidro, acabou-se.

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