a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

04/05/2015

Post atrasado do dia da mãe

Hoje o post não é meu. Ou melhor, é. Deu-mo a minha filha mais velha.


"Estou eu sentada no sofá, a passear pelo feed de notícias da minha conta de facebook. Hoje tenho uma quantidade assustadora de senhoras anafadas e sorridentes com os seus filhos no meu feed, é dia da mãe.
 Os rebentos, que neste caso fazem parte dos 427 amigos que compõem o meu facebook, elaboram descrições para os tais retratos, competindo entre eles e descrevendo as demais qualidades da progenitora em questão. Clico em “gosto” numa foto em que reconheço a senhora anafada.
Continuo o scroll e deparo-me com um tipo diferente de post- um rapaz que se revoltou com a quantidade de afeto demonstrado no seu feed; talvez as mães dos seus amigos não sejam só anafadas, talvez tenham também verrugas e bigodinho. Escreve ele – “Dia da mãe? Não vai ser com fotos no facebook que lhe dão o devido valor lol. Eu cá acordei às 17h fui ter com a minha mãe e pedi-lhe para me fazer o almoço, depois dei-lhe um beijinho e disse “quem tem mãe, tem almoço”".
Eu cá concordo com ele, também não vou postar uma fotografia da minha mãe. E porquê? Primeiro, porque me recuso a partilhá-la com os 427 facebokianos que têm acesso ao meu perfil e segundo, porque, tendo eu uma mãe de extrema elegância para exibir, poderia ferir susceptibilidades.
Mas, o problema com que me deparo, é que nunca peço, principalmente às cinco da tarde, para me prepararem o almoço. E, mesmo na hipotética possibilidade de tal acontecer, a minha mãe será a última pessoa à qual irei recorrer com tal pedido - à minha irmã talvez, ao meu pai até, se estiver bem disposto, mas nunca!, nunca à minha mãe. E se não estiver mais ninguém em casa? E se nem tiveres restos para comer? Perguntariam os meus amigos, ou mesmo o já referido facebokiano. Nesse caso, meus caros, quando a preguiça é tanta e não há restos, mais vale voltar para a cama e fingir que a fome não existe. O almoço foi à uma.
Embora não me prepare refeições fora de horas, eu gosto muito da minha mãe e gosto especialmente de lhe dar prendas. Não quer dizer que ela goste muito de as receber, mas eu gosto de as dar. E, apesar de o fazer com gosto, admito que quando era mais pequena, dar prendas do dia da mãe era extremamente fácil e absurdamente mais económico. Passo a explicar: até aos 10 anos todas as crianças são privilegiadas com o fornecimento de ideias e até de material, para a produção em massa das prendas para o dia da mãe: ora um colar de papel colorido, ora uma moldura com conchas, ora um marcador de livro. Tudo isto com a atenta supervisão dos professores, não vá o menino sujar-se! Em caso de verdadeiras dificuldades na realização dos trabalhos manuais, o meu portanto, os professores também intervêm, perguntando só as cores que a mãe do menino prefere.
Eu quando tinha 6 anos tentei diversificar: fiz-lhe uma salada, acordei cedo e, para o pequeno almoço a minha querida mãe teria uma salada, uma salada, porque ela gosta mesmo de salada! Achei que iria gostar. Aprendi então, que as saladas não fazem parte do pequeno almoço, de acordo com a nossa dieta mediterrânea e que tinha que descascar as cenouras antes de as ralar para a saladeira e de lavar a alface e de cortar os tomates em pedacinhos... Depois dessa manhã decidi que as prendas feitas na escola eram perfeitas e que a minha mãe as iria receber, todas!
Mas, um filho cresce e fica sem professores dispostos a ajudar, sim!, que eu bem que perguntei à minha de biologia, mas ela deu uma forte gargalhada na minha cara e nem me respondeu! Fiquei portanto sem saber o que dar à mãe e, já há alguns anos que ela diz que não quer prendas, que já tem tudo. E agora?! O que dá uma filha quase maior e sem dinheiro a uma mãe que diz que não quer prendas e que já tem tudo?! Beijinhos e muitos miminhos? Isso já lhe dei eu a minha vida toda! Torna-se um pouco repetitivo...

Decidi, então, arrumar o armário da casa de banho, lavar a loiça e fazer a cama, deixando o meu quarto no exacto limiar de desarrumação que ambas definimos. Pode ser que ela goste."

8 comentários:

  1. E aposto que a Mãe Rodrigues gostou, sim senhora! Porque as filhas e os filhos sabem arrumar; nem sempre o fazem quando nós queremos, contudo...
    O meu filhote tb não me deu nada comprado ou feito por ele, mas como é habitual, deu-me beijinhos e arranjou paciência extra para ajudar a curar uma constipação absurda. :)

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    1. Olá Homónima :-)

      Esta mãe gostou por acaso muito, pois gostou!

      O que não gosto é que a minha homónima esteja constipada. Por isso lhe desejo as melhoras e que o rebento desse lado continue a nutrir calor filial que de facto ajuda muito, pois ajuda. :-)

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  2. Não sei quantos anos tem a tua filha, mas sai a ti na escrita! Escreve bem, a miúda!

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    1. Tem quase dezoito.

      Muito obrigada, Rainha. Vou-lhe dizer. :-)

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  3. Temos escritora! Oh, se temos!
    (imagina que a prof. de Biologia a mandava dar-te uma rã dissecada)

    Beijos, Susana. :)

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    1. Só foi pena ela ter-se esquecido de mencionar que na tal salada também pôs leite e fiambre, talvez ingredientes mais orientados para o pequeno-almoço. :-)
      (xiiii.... nem quero pensar)

      Beijos, Maria, obrigada. :-)

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  4. Comentário mais que atrasado :) (mas dias de mãe são todos os dias, certo?)
    Há uns tempos, quando ouvi falar dos livros de uma senhora chamada Alice Munro, decidi comprar um, para experimentar. Comprei em inglês (é canadiana). São histórias familiares, sobretudo, em linguagem coloquial, informal, com um humor subtil. Quando descobri este blog, comecei a frequentá-lo pelos mesmos motivos porque gostei de ler Alice Munro: pela vida que aqui se encontra, e a forma como é escrita. Tornei-me leitor assíduo. Quando os júris do Nobel atribuiram o prémio a Munro, fiquei muito contente -- achei justo, de valor. Aqui, não há Nobel, nem prémios, sequer, para quem escreve (tirando a satisfação de escrever -- e essa é magnífica). Mas para os leitores, há um prémio invejável: ler estes textos, e neles captar a ambiência, os risos, as gargalhadas. A vida. Muitos parabéns -- está belíssimo.

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    1. Bons olhos o vejam, caríssimo Xilre, que uma pessoa habitua-se e depois bate uma coisa chamada saudade (por causa disso encherei a minha filha de beijos).
      Depois desta introdução impulsiva, embarga-se-me a voz, compreende. Muito obrigada. Por mim e por ela, que ficou toda satisfeita.
      E tem razão, escrever traz um prémio imediato. Mas ter leitores tão ilustres que vêm cá deixar flores assim, traz um prémio maior.

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