a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

28/05/2015

Rotas de colisão comigo

De cada vez que oiço o troar demolidor da minha paz quotidiana vindo de um alarme de automóvel estacionado na rua, incremento de vários pontos a ideia já de si positiva que tenho de mim mesma por nunca ter escolhido alarmes para os meus carros. Isto dá-me a certeza de que o carro em apuros não é o meu e dá-me ainda a garantia da retoma da tal paz logo a seguir àquilo. De qualquer forma, gostaria de poder trocar esses troares agudos e ondulantes por sinfonias já isentas de direitos de autor. Beethoven fez muito por nós, mas para alarmes de viaturas vítimas de ataques, creio ser esta a composição adequada, em repeat e até à salvação. Quem encontrar melhor, diga lá.

Ainda no mesmo contexto de paz conquistada no consumo mínimo, levo a manhã de trabalho com vontade de comer a hora de almoço. Isto não parece lógico, mas é logo nas primeiras horas do dia que o meu cérebro se esquece de ir às reservas mais próximas tão entretido está com o jorrar de ideias, e pede mais. Fica a nota para o caso de dúvidas.

Mas foi – era aqui que eu queria chegar – ao som de um alarme desses estridentes que ontem à noite fui para a varanda estender roupa a uma hora de sossego cerebral. A perturbação sonora não estava sozinha, tinha companhia condizente com os meus desejos musicais expressos dois parágrafos atrás - isto anda tudo ligado - ou seja, havia por lá um insecto castanho de grandes dimensões que esvoaçava em meu redor e da roupa, munido de intenções de avançar para rotas de colisão comigo, disto estou certa, levando portanto o resto do bem estar que eu trazia da máquina de lavar (assim como há quem goste do cheiro da terra molhada, gosto eu do ciclo da roupa no lar). Removi o meu corpo estremecido dali para fora a uma velocidade extraordinária e chamei a minha filha. Veterana de acampamentos de verão e guitarradas em redor das lareiras com histórias de arrepiar cabelos muito jovens, abandonou o estudo do português por mim e veio salvar as duas - a bichana voadora e eu - com um jeito que deve ter ido buscar ao pai, admito. E devolveu uma de nós à doçura da noite lisboeta.

O alarme depois calou-se e a roupa estendi-a toda a pensar nisto.

13 comentários:

  1. Não vais sentir a minha falta porque eu vou continuar a ler-te. Obrigada pelo carinho.

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    1. Já estou a sentir, Tim tim. E não tens nada de que agradecer. Quem me deu sempre carinho foste tu.
      (olha, se eu puder ajudar, tens ali um email para escrever, também sou mãe)

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  2. Fez mal! Quem devia ter ido para a noite lisboeta eras tu! :p Eheheh.

    Beijos, Susaninha. :)

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    1. Era eu era, mas com esta idade que já me pesa mais que a roupa molhada, ia estatelar-me no chão, que eu voar, enfim, não tenho muito jeito. :-)
      (tu tens sempre comentários giros aí no bolso prontos a atacar, não é?...)
      Beijos, Maria. :-)

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  3. Eu, para isso do alarmes voto na Sétima: ou então na Quinta: também pode ser a Terceira. Qualquer uma das ímpares, portanto. Como convém a um alarme ímpar -- pois claro. Acho que era capaz de haver freguesia (até eu, que não gosto disso dos alarmes, também, pensaria uma vez -- para continuarmos nos números ímpares).

    Boa noite, cara Susana :)

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    1. Obrigada, muito obrigada. Cá por mim até podiam ser essas todas menos a Nona (das ímpares). A Nona não se aguenta porque eu cantava-a muito na carrinha do colégio, com as outras meninas, todas nós tristes e murchas a comer pães de leite com manteiga, ai o que eu odiava aquilo (a canção, não o pão de leite). Bem, a Quinta é a minha preferida, se é que nos mantemos no Beethoven. Mas continuo a achar o Rimsky-Korsakov muito adequado para alarmar as massas.

      Boa noite, querido Xilre :-)

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    2. Bem, aqui fica uma sugestão adicional, desse grande alarmador de massas que deu pelo nome de Biber (e que poria em sentido qualquer larápio incauto) :)

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    3. Uma bela sugestão adicional, como não podia deixar de ser. :-) provavelmente muito eficaz contra os melhores larápios.

      Bom sábado, Xilre!

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  4. Pois eu acho que esse teu fim de merecia o Für Elise. Não que não aceite a sugestão do caro Xilre da sétima para os alarmes, é claro.

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    1. Für Elise fica bem em qualquer lado, eu também comprava esse, se comprasse alarmes, claro. :-)

      E o cheiro a terra molhada? Esteve quase para ter link para o teu blogue, mas depois achei desnecssário, visto ser óbvio a quem se referia a referência. :-)

      Bom sábado, JM!

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  6. Esta atividade, a de estender roupa, dá sempre azo a grandes aventuras. Comigo também é assim. Ora com osgas ( agora que começou o tempo quente...), ora com sombras ( também costumo estender a roupa à noite), e até com pássaros... :)

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    1. E quando estava a estender a roupa, lembrei-me da tua sessão com os pássaros, muito mais .... digamos, glamorosa, que a minha. :-)

      Eu já meti a mão dentro de uma meia para a dobrar e encontrei uma abelha cheia de vontade de me picar. :-)

      Bom sábado, querida Luísa.

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