a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

12/08/2014

Javalis

A praia estava óptima. Quer dizer. Só provei a areia. O vento trouxe-ma às rajadas à boca e ao cabelo e a tudo, fez-me um depósito completo, ai o que é que isto me faz lembrar, tendo-me sido também dado verificar que mantém a sua dureza habitual, a areia, difícil de trincar, se não impossível, não obstante repartida pelos pedacinhos coloridos de que se compõe, valha-nos isso, comer rochas inteiras à dentada é que não lembra ao diabo.

(claro que é contigo, ah e não sei quê, que a minha praia é que é gira, não é? pensavas que eu não vi?)

Meti-me, a páginas tantas do livro de má encadernação que ando a ler, em que as primeiras trinta folhas, para aí, estão sempre a cair, meti-me, dizia eu (pensas que me distrais mas não distrais, ouviste?), a cortar o vento com muita bravura, caminhar descendente até às ondas, cá vou eu remover estes depósitos areníticos antes que me confundam com um fóssil, que eu para amonite não tenho jeito nenhum, o que me sai sempre bem é o arrozinho de tamboril, mas nesta ventania nem o molho de coentros a uns minutos do fim da cozedura se havia de safar.

(ai o arroz de garoupa é que é? o que tu queres sei eu)

Portanto as ondas; daqui a pouco estamos todos a dormir se eu não me despacho com isto, que as pessoas têm mais que fazer, vá lá: das ondas restava a espuma que ficava coladinha na areia onde me sentei e, depois, em pazadas orientadas a mim vinha ornamentar-me o cabelo, onda após onda, coisa tão rica, digo mim e não nós, porque só eu é que ali estava à intempérie marítima, as gaivotas não contam, portanto a água não provei. Nem ela me provou a mim, toma lá que não esperavas tanta lucidez.

Ainda tentei, ao menos, dar guarida aquática aos meus pés descalços durante um bocadinho, ficam tão giros assim, mas fui chamada à acção, dois chapéus de sol desenfiaram-se da areia e pernas para que vos quero, foi correr atrás deles que, por muita sorte, nas voltas giratórias não se espetaram nas costas de ninguém, apesar de não haver muitas costas por ali havia algumas, um alívio dos grandes e por acaso só com isto ganhei o dia.

A praia estava óptima. Quer dizer. Só provei a areia.

(eu sei, é de propósito que me repito, e não, não me consegues distrair)

Mas muito melhor do que a praia está o luar, agorinha mesmo, e esta é que é a cereja no topo do bolo (lembro que não optei pelo arroz de tamboril, é bolo a escolha acertada) debaixo do qual, estamos ao luar, pude ouvir os javalis fazer ronc ronc, que hoje, finalmente, haja céu e haja estrelas, das que caem e das que não, hoje, que alegria!, hoje, caramba!, hoje não chove.


(sim, javalis, a praia vamos lá ver, mas aqui o local é exótico, gostaste?)

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