a voz à solta
13/08/2014
Vaca fria
Estava capaz de não dizer nada, encolhia os ombros e sentava-me a fingir que lia o meu livro que se desfaz um bocado de cada vez que lhe pego, punha-me a contemplar a vista como se fosse uma guru em economia, que boa é a ideia, ou continuava a esfregar com toda a força a grelha do peixe que abandonei ontem por já me doer o braço, o que pensando bem seria de tudo o mais útil.
(esta introdução foi inspirada nas apresentações das pessoas ou das empresas que começam por dizer o que não são e o que não fazem e só depois de a gente suspirar muito é que arrancam para a verdade)
Mas há coisas que tem que ser e por isso cá vai. Comer os flocos fornecidos nesta caixa cheia de indicações salutares ou folhas A4 de papel de impressora, gramagem oitenta por metro quadrado, salvo erro, que bem passadas na destruidora lá do escritório ficam em pedacinhos, tenho a certeza absoluta que sabe ao mesmo, que é nada.
Dito isto até parece que uma pessoa compra flocons d'avoine para dar sabor à vida. É que não é. (a inspiração revelada acima entre parênteses continua, portanto, presente)
Uma pessoa ou compra flocons d'avoine com etiquetas verdes e breves alusões a pontos importantes da tabela periódica dos elementos, ferro, magnésio, coisinhas fofas destas, para se manter assim que não se pode de bem que está, ou uma pessoa faz semelhante compra para matar uma saudadezita ou outra que possa trazer da fotocopiadora do escritório, que está agora tão longe. E isto é que foi preciso dizer.
Mas voltemos à vaca fria.
Para dar sabor à vida, que é o que verdadeiramente interessa, qual ferro qual magnésio qual quê, compra-se uma grade de cervejas como se fossemos vinte e cinco à mesa, um litro de gelado de chocolate para comer directamente da embalagem com os pés em cima do varandim, cinquenta quilos de bacalhau para levar para França mas isso não somos nós, nós é encher a barriga de peixe grelhado todos os dias, mesmo que isso cubra a grelha de porcaria que eu me esmero tanto a esfregar.
E é só terminar este ponto final, esta vírgula e vou já já sentar-me contigo no terraço a beber a tal cerveja muito fresca e a ouvir-te pôr essas tuas ideias em cima da mesa, vá lá, que é para eu as beber também, que essas sim dão-me tanto sabor à vida.
E depois, olha, depois é que não sei que havemos de fazer, amor.
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