a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

29/11/2017

Em que pensas enquanto aspiras a casa?

O avião aterrou no aeroporto de Eindhoven, travou, rolou ainda pela pista fora até quase parar e depois sair normalmente para as vias secundárias que servem de ligação ao estacionamento. Uma senhora entradota na idade abriu o cinto mal pousámos no chão e já está de pé a tentar equilibrar-se por forma a conseguir quem sabe esticar o braço e quem sabe abrir a bagageira e quem sabe tirar a mala, mas o chefe de cabine agarrou no microfone e está a mandá-la sentar! sentar! sentar!, que só depois de pararmos é que se pode! A senhora não mostra ter captado a mensagem, continua de pé a procurar equilíbrio e o chefe de cabine retoma a ordem agora em tom mais alto Hello! Hello!, tudo isto acontecendo bem rápido (a escrever é lento). Como a senhora está a uma distância de braço e meio de mim, estico-me toda de dentro do meu cinto e agarro-lhe o casaco castanho de pelo macio dizendo em português a senhora tem de se sentar, dando até um puxãozinho para baixo ao casaco no sentido de ilustrar a minha mensagem, não fosse ela não entender português apesar de parecer. Aí entendeu e, deixando-se cair no assento com um ai, terá devolvido a paz ao chefe de cabine; o avião a rolar ainda por ali afora.
Vários dias depois, no voo de regresso a Lisboa lá estava a mesma senhora a embarcar com o seu casaco pelo braço, o mesmo pelo macio que eu puxara umas linhas acima para baixo, a senhora tem de se sentar e isto é uma senhora coincidência, ai é. De novo ficámos sentadas à distância de braço e meio, de modo que optei por tomar atenção aquando da aterragem, para verificar da eventual necessidade de me esticar de novo para ela, o resto seguirá como já sabemos. Porém não, desta vez manteve-se sentada, cumpridora até à imobilização do aparelho, tudo certo.

Sobre esta ocorrência, entretanto, passaram muitos dias e eu estava para esquecer completamente esta senhora. Contudo, caminhava hoje de tarde em passo apressado rumando à estação dos correios para ir levantar mais uma carta da autoridade tributária, mais uma, a ver se é desta que sossego na minha vida de contribuinte, etc, e cruzo-me com uma senhora entradota na idade. Isto é cara conhecida, penso eu, mas quem é, quem é, é conhecida mas parece que falta qualquer coisa nesta senhora, virá dos correios, do café ou da farmácia, e é então que se está mesmo a ver que me vai cair a ficha: o casaco! O casaco que trazia hoje é outro.

8 comentários:

  1. Bem, o título está soberbo. E induz-nos a resposta. Ou a pensar nela. Se aspirasse, eu gastaria o tempo a maldizer a vida e desejando o términus.
    Quanto à senhora entradota...é assim mesmo. O hábito não faz o monge, mas, nas pessoas que conhecemos mal, basta uma ou outra diferença para não as identificarmos. Suponho até que a Susana conseguiu identificá-la por não ter ainda passado muito tempo sobre a viagem onde a conheceu. Por outro lado, não há dúvida que a memória guarda pormenores muito interessantes do que vê.
    Um bom dia para si

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    1. E supõe bem, bea. Identifiquei-a porque não passou muito tempo e porque ela chamou bem a atenção com toda a sua atrapalhação e ansiedade no voo.
      Fiquei a pensar com quantas pessoas nos cruzaremos uma e outra e outra vez sem darmos conta.
      Bom feriado.

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  2. Essa senhora pertence ao grupo das pessoas "sôfregas", que na fila do supermercado, se colocam de lado e a olhar para o infinito e se vão chegando, como quem está distraído e não percebe que está a tentar passar à frente das outras pessoas... são tão irritantes! Nos dias bons ainda faço um sorriso e finjo que não vejo, mas há outros em faço questão de mostrar que já ali estava na fila... Xicas-espertas! :)

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    1. Tem razão, Dina. Na fila do embarque ela também se colava muito a quem estava à sua frente, ia muito ansiosa.
      Mas há quem faça de propósito, sim.
      Um bom feriado, Dina :-)

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  3. a partir de hoje, vou pensar em ti :)

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    1. oh... então espero que não penses muito, que é sinal que não terás de aspirar muito. É tarefa que dispensava de boa vontade, mas também não a faço muitas vezes.

      Bom feriado, ana :-)

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  4. (respondendo só ao título...)
    (enquanto aspiro não consigo pensar... tenho o meu filho de 2 anos atrás de mim com um mata moscas na mão a "varrer" o chão e a imitar-me)

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    1. (e eu respondendo ao comentário, porém tão tarde)

      Muito obrigada por tão doce mensagem com a imagem desse menino atrás do aspirador a limpar também o chão. :-) (conheço uma menina que já cresceu mas quando era pequenina fugia do aspirador, tinha medo do "alto", que era o barulho)
      Então boas limpezas, il. E um abraço.

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