a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

22/01/2016

Quedas de dois mil e dezasseis, segunda e última parte por enquanto

No sábado passado já tinha dito que jantei em casa da minha irmã e que ela tem três filhos digo agora. Para além do marido e de um cão. O filho mais novo vai nos três anos e tem larga experiência de jogo de bola, chuta tudo o que apanha, mete sempre golos e até tentou agarrar a lua cheia no verão para meter mais um. No entanto, de comer não gosta. À hora do jantar, esconde-se debaixo de uma cadeira ou aninha-se entre o aparador e a parede, que o seu tamanho está de acordo com o fraco garfo que é. Dado talvez a pesadelos próprios para a idade, o meu sobrinho por vezes sonha que bebeu vários biberons de leite. Ao acordar, pela manhã, quando lhe põem à frente o biberon com leite morno - bebe, Rodrigo - protesta e diz eu já bebi cinco leites! Vá lá, bebe então só um golinho desse leite, ele cede e vai um golinho, já 'tá. E agora só mais um, bebe, Rodrigo. Ele bebe mais um e depois mais outro, sempre a pedido, até que, distraído, bebe o biberon inteiro e no fim, indignado: Olha p'a isto! bebi tudo! agora vai doer a barriga!

Mas a barriga que no sábado doeu não foi esta.

Quando saímos, já tarde, de casa da minha irmã, estava escuro no caminho que dá acesso ao portão e eu ia com frio por causa daquele vento agreste de janeiro à noite. Caminhava virada para trás a dizer adeus adeus, obrigada pelo jantar, a acenar aos meus sobrinhos, de maneira que não vi um concentrado de dor de barriga de cão que tinha sido depositado ali no meio do caminho às escuras, ela ainda disse cuidado!, a minha irmã, mas o meu pé assentou-lhe bem em cima deslizando logo de seguida obediente às leis do costume, era uma dor de barriga recente, o movimento levou-me uma parte importante do equilíbrio, o outro pé veio acudir ao susto, tentar devolver verticalidade ao corpo, mas não, espera, vai lá mais três passos em dança acrobática improvisada, a ver se a coisa se compõe, não se compôs. O chão acabou por me abraçar firme, com a força de um chão duro me acolheu, especialmente num joelho. Reergui-me de um salto e num instante devolvi-me as pernas ao sítio, sacudi o casaco e sosseguei todos que tinham vindo ver de perto, não foi nada.

Ficou só a faltar dar um pontinho nos collants que o chão rasgou; dar um pontinho dizia a minha avó que, se fosse viva e me lesse o blogue, havia de acrescentar assim: abre lá isso dos comentários, filha, anda.


(as palavras que recebi desde há dois posts a propósito de ter fechado os comentários, fizeram-me mudar de ideias; parece que afinal este blogue não é só meu, tornou-se nosso)

22 comentários:

  1. Escorregamos e caímos algumas vezes. Mas o que importa é que nos levantamos e damos sempre o tal pontinho na alma. Este saíu-te um bordado.
    Fico tão contente por saber que não fechaste o ouvido do coração :)

    Um grande abraço, querida Susana

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    1. Conheço uma pessoa que diz que não interessa quantas vezes caímos, importa sim a velocidade com que nos levantamos. Penso que ele está a citar alguém, mas isso também não interessa. De cada vez que caio lembro-me destas palavras e normalmente levanto-me tão depressa que quase o faço antes de cair. O problema é quando caímos muitas vezes seguidas.
      Minha querida Miss Smile, esse abraço é retribuído com o coração. Tu és daquelas pessoas que fazem bem aos outros, por isso és tão necessária. Sabias?

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  2. (olha a Miss aí em cima.....beijinho a ela :) )

    a melhor descrição de uma grande malho (diriam os filhos), que eu já li....fiquei à espera do esborrachamento final...

    beijinho Susana, e à tua avó... sábias avós as nossas, pelos vistos :)

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    1. Ou mesmo de um grande tralho, como disseram as minhas doces filhas :-) mas como ainda tenho as pétalas suficientemente borrifadas, não me esborrifei, digo, esborrachei lá muito.

      As avós deixam saudades das que mais doem. Ela terá recebido o teu beijinho e eu também recebo o meu, e retribuo, querida ana.

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  3. Faz de conta que foi um encontro amoroso com o chão. Um daqueles rápidos e apaixonados que até rompem meias.

    Beijos, Susana. :)

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    1. Acho que um esforçozinho consigo fazer de conta que foi mesmo isso, Maria. Nunca se sabe o que nos está reservado e assim vou-me treinando.

      Beijos de volta :-)

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  4. Tombaste-me nos braços Susana. Era só o que faltava, amordaçares os meus lindos comentários. :)
    Já te disse que gosto de ti em Janeiro de 2016? Vá, dá cá o joelho que eu ponho mercúrio no dói-dói, diria o Rodrigo, um cromo da bola, e pronto, roubei o cromo ao mercúrio.

    Um beijo, Susana querida.

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    1. Teresa, lá me pões tu às gargalhadas. Eu imagino-te a ter bezerros, potros e lobos da alsácia a tombarem-te nos braços, por isso rio-me valentemente ao tombar eu, esta.... hum.... não sei que te diga... gata?..., a tombar-te nesses braços sábios. :-)
      O dói-dói está quase bom, o mercúrio é que anda louco à procura do seu cromo...
      Teresa querida, outro, ainda a rir.

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  5. Concentrado de dor de barriga de cão? Que espirituosa está a minha amiga Susana. Olá miúda. Então, fechaste a porta mas a janela ficou aberta. E eu vi-te à janela, a acenar. Olá miúda!

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    1. Querida Uva, tinha saudades de ti.
      Como é que num blogue onde não se fala de porcarias assim à doida se nomeia o excremento do cão sem enojar os queridos leitores? Tu terias arranjado uma saída para isto, eu tive de ir buscar a ajuda do meu sobrinho adorável.
      Olá miúda! Esta porta está sempre aberta, pronto.

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  6. Susana Homónima, o teu blog não é o mesmo se fechares a caixa de comentários. É o que eu sinto, mesmo quando não comento. Gosto, contudo, de ler outros comentários e acima de tudo as tuas respostas a estes. O que escreves, o teu estilo - e tu tens consciência disto - faz qualquer um/uma de nós sentirmo-nos próximas de ti e dará sempre origem a palavras pensadas e que queremos partilhar contigo. Aqui nunca haverá quezílias e guerrinhas. E é também por isto que o teu cantinho é tão acolhedor, tão familiar, tão confortável.
    Não feches as portas, nunca. Só de vez em quando, assim muito raramente, naqueles dias cinzentos, é que podes. :)

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    1. Minha querida Homónima, como se responde a um comentário que apetece imprimir e emoldurar e pendurar na parede para esses dias cinzentos o reler e nele colher o aconchego que me estás a oferecer no coração? Tens razão, aqui não há quezílias nem guerrilhas, os leitores que têm paciência para ler estes posts longos não a têm para deitar o seu tempo fora com menoridades.
      Gosto muito de ti e nunca te disse. Digo agora. Acolhedor é receber palavras assim, muito obrigada. :-)
      (ainda bem que este blogue tem comentários abertos para eu poder dizer-te estas coisas aqui, assim, em público e tudo)

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  7. Sou tão mazinha mas tão mazinha que não resisti a rir com o 'concentrado de dor de barriga de cão' e atentar imaginar a tua figura e demais acrobacias. ;)
    (uma delícia!)

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    1. Querida Ava, um dos meus sobrinhos que assistiu à cena pediu-me desculpa por se ter rido tanto, disse que não conseguiu evitar mas que não queria que eu me zangasse. O que ele não sabia é que seria preciso muito muito mais para eu me zangar. Mas eu disse-lhe.
      E a ti digo que se isso é ser mazinha, então mostra lá o que é ser mázona :-)
      (obrigada :-))

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  8. Escorregar, escorregar... Não me acontece muitas vezes... Mas tropeçar e cair... Isso já é diferente... Enfim.
    Pelo menos desde que comecei a ir ao ginásio não voltou a acontecer...
    Beijinhos Susana

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    1. Mafy!! Tu dás-me sempre uma alegria quando apareces! Feliz Ano Novo! (ainda dá, não dá?)
      Espero que o teu ginásio não escorregue como o meu. :-)
      Beijinhos de volta, querida Mafy.

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  9. divirto-me muito com as quedas dos outros e de vez em quando até com as minhas... ainda bem que abriste os comentários, de outro modo como ias saber que me fartei de rir? :D

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    1. Uma das coisas de que mais gosto, Manel, é fazer as pessoas rir. :-)
      Obrigada por mo dizeres.

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  10. Ai Susana... ver ( ou imaginar ) uma queda assim dá mesmo vontade de rir. Mas sem maldade. E sem maldade mesmo, ( só pelo riso)espero que apenas o pé ( e já não é pouco) tenha assentado sobre o concentrado do dor de barriga de cão. :)

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    1. Ainda bem que te dá vontade de rir, Luísa. Não és a única. :-)
      E sim, foi só o pé, dancei para fora dali a tempo e fui cair mais à frente, onde nada havia sido depositado no chão. Uma sorte. :-)

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  11. Diria a minha tia Adelaide que dá sorte e trás dinheiro, ela que era pródiga em quedas e em se esborrachar de encontro ao vidro das paragens dos autocarros, quando em tentativa de corrida, lhe falhava a memória e paf!, lá ficava ela, qual osga viscosa a escorregar vidro abaixo. Posso confidenciar que presenciei, e fiquei sem acção nem presença de espírito para lhe acudir, só de riso tomada, qual espírito maligno que me tolhia de acudir a velhinhas desamparadas. É tão idiota e tão humano rir da desventura alheia ... e se eu tenho queda para me rir de quedas, senhores...se me ri, Susaninha... Beijinho

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    1. Oh, pobre tia Adelaide... Mas... "qual osga viscosa a escorregar vidro abaixo"... fez-me rir agora a mim...
      Ah, querida MD, se não nos rirmos destas coisas vamos rir-nos de quê? A vida é tão curta.
      Um beijinho de volta, que bom vê-la.

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