a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

21/04/2015

Um gigante soco nas ventas

Independentemente de ter o meu cabelo, hoje de manhã, ao pequeno almoço, mergulhado uma ponta suavemente no café com leite, estava um sol radioso. Frescura luminosa suspensa, uma espécie de poesia em éter atravessado apenas pelo canto dos melros que habitam perto e, em termos visuais, temos a luxúria das flores das árvores em rosa velho ou branco nata-batida contra o celeste do céu, numa combinação extraordinária e de propósito especial. (penso que se nota bastante a influência de Dostoievski na minha escrita, embora já tenha terminado o livro, mas aquilo cola-se e depois fica)

Vou a conduzir alegremente pela avenida do bairro residencial acima, já quase a chegar à escola, e nisto levo a mão esquerda com suspeitas razoáveis, ao cabelo. A ponta está dura. De forma que fico ligeiramente atrapalhada porque não sei que volta dar a isto, se o lavo, se ando assim o dia todo, sou capaz de andar assim o dia todo.

Precisamente agora mesmo, sou arrancada de forma bárbara aos meus pensamentos duvidosos por uma carrinha preta audi A4, nova, que praticamente me limpa o espelho retrovisor do lado esquerdo a uma velocidade chegada à da luz, e eu, olha-me este anormal. Repito que estamos num bairro residencial (não repito aquilo das flores e do céu e dos pássaros para não maçar).

O animal que leva aquele carro nas mãos cola-se ao da frente, que já está a travar para ceder passagem, na passadeira dos peões, a um jovem com ar de quem vai para a mesma escola da minha filha lindíssima (as minhas filhas são lindíssimas, nasceram já assim) sentada ao meu lado. Mas a travagem do estafermo é tão arrancada à velocidade estelar que o carro faz uma espécie de zig zag rápido ali em dez centímetros e desvia-se do da frente, posicionando-se ao seu lado esquerdo, ocupando metade da faixa contrária, isto para não imprimir o focinho meio metro dentro do volkswagen golf , era um volkswagen golf. Eu aproximo-me com uma indignação muito maior do que a Grande Lisboa e olho para dentro do veículo, para ver o focinho do animal e preparar o meu punho mentalmente, que vontade de lhe enfiar um soco na tromba. Uma vez ia enfiando um soco na tromba de uma miúda do tipo vaca que se meteu com a minha irmã Ana que é do tipo fofinha e mais nova, mas isso foi há milénios. Seguraram-me a tempo.

- Ó mãe não faças nada, é um miúdo lá da escola, tem dezanove anos e anda com esse carro.
- O quê?!
- Sim, o carro é dele, os pais deram-lhe o carro, têm muito dinheiro.

Portanto os pais deste parvalhão de dezanove anos têm muito dinheiro e até talvez um visto gold, dado que o condutor a quem eu enfiava um gigante soco nas ventas, repetir alivia, tem cara e nome de chinês.

Quando o tornar a apanhar decoro-lhe a matrícula num instantinho - que para decorar matrículas nunca encontrei ninguém melhor que eu - e vou direita à polícia.

Mas por hoje fica aqui o aviso.

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