a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

29/12/2018

Crème brûlée

Admirei-me de ver o cão entrar no TGV para Paris, tal qual a gente. E depois admirei-me, lá por alturas de Bordeaux, de ter obrigado a sua dona a apanhar com um plástico as coisinhas que depositou ele própio no chão alcatifado. Não sabia que se podia.
Mais tarde, já em Paris e ao jantar, também me admirei de ver outro cão entrar no restaurante cheio de confiança de cão, com seu dono, e a seguir enroscar-se aos pés deste assim todo todo. Porém neste caso não se registou aparentemente a situação de o dono apahar coisas do chão, o que foi muito bom para mim. Lá ficou pois de focinho entre as patas, deitado quieto, ouvindo, como nós, os Beatles, os Beach Boys e ainda alguns Jingle Bells especiais que enchiam o ar iluminado por luzinhas de Natal dispostas à vontade, umas piscando outras não. Penso que o cão não deu pelas baratas que apareceram, uma na parede, outra a correr pelo chão, à hora da sobremesa. Eu ajeitei-me no banco almofadado de modo a aumentar a distância entre mim e a que cirandava pela parede com as antenas a dar a dar, a meu lado. Estava no fim do melhor crème brûlée que alguma vez comi em toda a minha vida, ou seja, a barata que espere. Prossegui devagar porque foi imperativo fazer render aquela delícia toda ela irreal. E isto (rebobinemos a refeição) já na sequência de uma dourada grelhada proveniente do mercado do dia, diziam, apresentada sobre um arranjo de canas de aspeto natural, que eram para enfeitar, acho eu, uma vez que não tentei trincar nenhuma. A dourada secundada por um ratatouille que me fez duvidar se não estaria eu mas é cheia de fome, senão por que razão este ratatouille suplantaria largo todos os meus (ensaios de, mas empenhados) ratatouilles? e que só veio ficar um pouco mais esquecido na hora de meter a colher na lâmina superior do já referido insuportável crème brûlée, que estalou e se deixou misturar com o creme que lhe dava o sustento e que agora revela a minha ausência de possibilidades para descrever tal semelhante aquilo, de tão bom que era. Só me está a faltar mencionar o vinho. Um tinto de uma das castas que a gente ouve falar por aí e que eu desdramatizava cá para comigo (vinho é vinho, ora!) achando que por muito magrot não-sei-quê que seja, não se irá destacar de um qualquer Alentejano bem colhido, mas afinal tanto me enganei! Destacou-se bravo o tal vinho, uma suavidade, uma leveza, uma altitude.

De tanto esperar, a barata da parede escondeu-se atrás de uma fenda que acompanhava a tomada elétrica mais próxima, a do chão fugiu e eu esqueci-me logo imediatamente mas foi das duas.
 

28/12/2018

Qual pouca terra pouca terra (kadum kadum)

Então, pelo andar da carruagem, concluí que me estava seriamente a candidatar a finalmente cumprir aquilo que foi, pela sua ausência no meu currículo à data, objeto de gozação pelos meus colegas de faculdade: fazer uma direta. Ou seja, não dormir toda a noite e seguir em frente para o dia. Deitada perpendicular ao comprimento do comboio, o kadum kadum ininterrupto e todo ele tão sonoro, levou-me, a meio da noite, a colocar esperançosa as espuminhas nos ouvidos a ouvir que tal. Diz na caixa que reduzem em 36 decibéis o ruído exterior, o que não é nada de se deitar fora. E de facto, depois de se ajeitarem dentro dos ouvidos, expandindo-se, as espuminhas realmente fizeram um serviço: o ruído estrondoso passou a tipo cantar de rouxinol ao longe. Todavia, kadum kadum Espanha fora quer dizer que nem só o ruído esteve presente. Houve também o chocalhar constante do referido andar da carruagem que quase me virava na cama sem eu querer, em cada travagem. Nessa altura lembrei-me que talvez um bebé chorão se acalmasse naquelas condições agitantes. Aliás, posso dizer que há dias, numa paragem acidental em frente a uma montra de artigos para bebé num centro comercial de Lisboa, vi uma novidade muito estranha. A novidade consistia num dispositivo semelhante a um berço dependurado de um pé alto que subia, descia, dava um jeitinho à esquerda e outro à direita e tornava a subir e a descer e assim sucessivamente sempre igual, isto tudo com um bebé de plástico dentro para a gente perceber a ideia. Era uma embaladora de bebés, olha que engraçado. Bah!, disse eu cá para os meus botões. Os bebés vão perceber perfeitamente que este embalar mecânico nada tem de braços quentes de mãe, pai, avó, etc. Vão ainda berrar mais alto, estou em crer. Não comprei.
Dediquei-me então, voltando à noite passada perpendicularmente ao comboio, a escrever mentalmente este post e o anterior para agora, a estas horas, os dar pois à luz.

(mais tarde, o andar da carruagem amainou e eu consegui pregar olho já o sol raiava; ainda não foi desta a direta, é o que é)

Uma precisão

O vizinho inglês que se não-brexitou, tendo voltado até, com toda a família, a habitar a serra que houvera abandonado dois anos atrás, pintou, entretanto, a sua casa. Desta maneira, toda de branco para quem vê de fora, a casa quase se podia referir como casinha. Para acolher um melhor cenário, a designação casinha incluiria uma chaminé a fumegar e alguns vasos de sardinheiras de um vermelho vivo alindando o rodapé. Não é o caso, porém. A casa, isso sim, abandonou o ar de estou-aqui-estou-uma-ruína, tem dois pisos e nenhuma flor que se veja (ou cheire). As portadas das janelas parecem agora, verdade seja dita, muito mais à esquadria e, até, os vidros se apresentam lavados. Foi uma grande melhoria! Não avistei o vizinho para lhe dizer, vizinho que bonita ficou a casa (e não casinha). Nem sequer o vi passando, como da outra vez, com uma cabra pendurada por dois pés a berrar chateada que nem um perú, isto a propósito de Natal. Aliás, das cabras deste vizinho, que já sabemos serem quatro, nada se pôde ouvir, mesmo estando à coca. Contudo há esperança de se encontrarem estes caprinos de plena saúde, a avaliar pelos seus pequenos detritos sob a forma de bolinhas pretas muito bem feitinhas que pululam rua abaixo e das quais me dediquei a desviar respeitosamente os pés com uma precisão.

21/12/2018

Aos sete minutos

Passam sete minutos da meia-noite e eu gostaria de contar como, no caminho da mão para a boca, um dos dois minicomprimidos que tomo a esta altura para que a minha vida seja ainda mais fácil e maravilhosa do que seria sem eles, me salta para o soalho e primeiro tic tic. Depois drrdrrdrrdrr de forma continuada por um tempo interessante, o comprimidito redondo (lógico) rolou atravessando todo o campo chamado debaixo da cama e foi encontrar-se com algum obstáculo que o silenciou. Não o vi, eu. De joelhos e contorcida, varri todo o chão do tal campo chamado debaixo da cama e também arredores com o olhar, que já foi melhor, mais cheio de acuidade, e não o identifiquei. Devido a ter os comprimiditos (são mínimos, ok) contados, fui buscar um outro ao alvéolo plastificado próprio contrariada e tomei os dois quanto antes (glup). Também queria contar que logo a seguir, no momento em que ia para pendurar o cinto das minhas calças no seu cabide dentro do roupeiro, dei com certeza um pontapé no coisinho e de novo drrrdrrrdrrr o ouvi, ele retomando o rolanço. Agora é tarde (já passa da meia-noite). Pelo som, penso que se meteu debaixo do baú que veio dos meus avós e tem o interior todo forrado de uma flanela verde bastante macia.

18/12/2018

Toma que já almoçaste

Precisamente ao almoço, reparo que as gotas de chuva que escorrem no vidro da janela, pelo lado de fora (informação redundante, é verdade), escorrem a uma velocidade maior do que aquela a que gotas de chuva em geral escorrendo por vidros exteriores de janelas já me habituaram. Observei durante um momento suficiente para confirmar a minha suspeita: sim, a velocidade está nitidamente diferente, mais vivaça, as gotas colidem com o vidro, esborracham e não hesitam nada, zzzzzz por ali abaixo todas num instante.
- Devem ter posto nos vidros um produto que reduz o atrito da gota de água com a superfície vidrada, um abrilhantador ou isso– digo à minha filha Muzi, a mais velha das duas, sentada à minha frente.
As janelas pertencem ao estabelecimento onde estamos a almoçar ambas e são gigantes.
- Ó mãe, tu és mesmo nerd.
Nerd.
E não contente com isso, acrescenta.
- Se eu te tivesse conhecido nos tempos de faculdade, acho que não ia gostar de ti.
Não doeu muito. Aliás nem doeu nada. Primeiro, fiquei feliz por a minha Muzi ser livre de me dizer o que sente sem medo de me magoar, segundo, fiquei ainda mais feliz com o remate final.
- Eras nerd mas devias ser fofinha, mãe!
E, a rir, pôs a mão dela em cima da minha.

Nao pizar

Este post continua do anterior, para variar. 
Quando cheguei a casa, depois do dia de trabalho todo longo seguinte, e ainda antes de remover o casaco que descobri ser demasiado pesado para o promover a perfeito, ainda antes de o remover e aos sapatos, abro a porta da casa de banho (afinal casa de banho é sem tracinhos, felizmente) a ver a evolução dos trabalhos feitos por Vladimir. Logo junto à porta, do lado de dentro, no chão, colado com fita adesiva, está um bocado de cartão que antes houvera embrulhado os ladrilhos e que tem a inscrição “Nao pisar” com a inscrição “Nao pizar” sobreposta à primeira, sobreposição esta que resulta no facto de a letra Z estar desenhada com veemência e muito mais gorda que as outras, por sobre o S, não sei se me faço entender. Também se pode ver uma seta bem marcada a apontar para dentro da casa de banho (o trabalho que os tracinhos davam). Mas então, fico toda com os pés fora do local proibido por Vladimir, ou seja não me mexo dali do lado de fora da, se fosse no Brasil seria banheiro, mas aqui temos é casa de banho, e não me mexo para garantir a manutenção das condições que ele lá deixou, no seu chão. Nosso. Quer dizer, meu.

Na manhã seguinte, às oito e vinte e oito, é mesmo às oito e vinte e oito, não falha, está o fenómeno já sendo um caso de estudo cá em casa, Vladimir toca a campainha e eu abro, visto já me encontrar praticamente com a mão na maçaneta da porta àquela hora. Minuto. Àquele minuto.
- Bom dia, Sr. Vladimir! 
- Bom dia, bom dia. 
- Não pisámos o chão, vimos a sua mensagem.
Vladimir estaca, pensativo.
- Ah, sim. Obrigado... Mas eu penso depois que “pizar” não está bom, que pisar pode ser escreve com S. Minha cabeça, eu não sabia, mas penso com S, depois penso. Desculpa.
- Tem razão, pisar é com S. Mas nós percebemos, não se preocupe.

Mas não lhe disse que “Nao” leva til. Porém penso que devia, não devia?

13/12/2018

Ossos do elefante

Discutia com o gestor da obra a cor da massa a colocar entre os ladrilhos da casa-de-banho a refazer toda ela de novo após o desmantelamento global. Eu não houvera pensado de maneira nenhuma com antecedência na cor da massa para entre os ladrilhos, isto dito por forma a dar a ideia melhor.
- Quer branca, marfim ou mais acastanhada? – pergunta-me o gestor da obra.
Estou a processar as imagens que me correm na mente mostrando o efeito de cada uma das cores mencionadas, tentando apurar a vista da imaginação para detetar as diferenças, e o gestor da obra, com a sua experiência larga em detalhes semelhantes a este, vem em meu auxílio.
- Olhe que o marfim fica muito bem.
- Pode ser o marfim, então.
Vladimir, o trabalhador que vai colocar a referida massa, aguardava o resultado da conversa em silêncio, coberto de um pó muito branco que lhe descolora o já russo cabelo e pestanas também.
- Marfim – ele repete – essa é cor quê?
- Marfim, Vladimir, é uma espécie de branco. Branco sujo. – diz o gestor da obra apontando para a porta da casa-de-banho, presente, e em branco (sujo?...).
Vejo que para Vladimir o tal de marfim ainda não está claro (mas claro que deve ser do sujo).
Eu, que já simpatizo com este cidadão russo parcialmente aportuguesado devido ao tempo, por exemplo por chegar Vladimir dois minutos antes da hora combinada, impreterivelmente, e trabalhar dez horas seguidas se não contarmos com a interrupção para o caldo que come aquecido no micro-ondas e que ainda ninguém conseguiu ver portanto pensamos ser um caldo magro tal como é o seu comensal, ajudo.
- É a cor dos dentes dos elefantes. O material dos dentes dos elefantes é que é o marfim… - não posso garantir que não tenha aqui ilustrado com as mãos o desenho, no ar, dos dois dentes de elefante de que eu disporia se fosse um.
- Sim – o gestor da obra parece impressionado – é isso Vladimir, os dentes dos elefantes!
Vladimir está a observar o teto da casa-de-banho, pensativo. E de repente exclama.
- Ah! Então esse país o Marfim de Costa, já percebi!
- Costa do Marfim – diz o gestor da obra.
- Isso. Nós dizemos no russo Costa de Dentes do Elefante. Se você traduzir mesmo traduzir.
E, logo a seguir.
- Não. Não é dentes do elefante... Se traduzir mesmo traduzir é ossos do elefante. Em russo dizemos Costa do Ossos do Elefante. Já percebi!
Depois, parecendo animado, retomou o trabalho. O seu dispositivo eletrónico pendurado no parafuso sobrevivente do recente desmantelamento da já conhecida deste post casa-de-banho, segue emitindo, também ele debaixo de uma camada de pó, baixinho, uma música clássica.

Antes de sair, o gestor da obra, que é patrão de Vladimir, para um segundo à porta e diz-me em voz mais baixa, um nada solene, ele ouve música clássica.

16/11/2018

Guádadamêndoas

Se não tivesse vindo calhar ou-tra-vez na carruagem do silêncio, não o teria quebrado ao correr o fecho da mala do computador, rrrrrrr, para escrever este post que afinal ainda quis vir.
Mas quer dizer, é coincidências. É, singular, coincidências, plural. E aposto que assim está bem muito obrigada.
A carruagem do silêncio, para além de mim toda caladinha, traz um homem e um gelado Magnum, em que um vai comendo o outro, e traz também o casal metade tatuado que vinha no mesmo voo que eu, logo na linha da frente. A parte tatuada do casal, ele, fala português do Brasil e tem o olhar firme de um homem que sabe o que quer todo o tempo completamente. Ela fala português Europeu, parece que se diz assim, Europeu, que nós não vamos para Lusaexit nenhum, e que se veja ela não tatuou ainda nada. Falavam, no avião, acerca das tatuagens (dele). Apontando para os dedos, ele explicou que essas doeram. Nos dedos. Nas mãos e nos braços não tanto. Mal sobrava pedaço de braço dele, escrutinei, mas sobrava ainda o suficiente para ele esclarecer que ali mesmo, junto ao pulso, vai fazer um padrão, que ainda cabe um padrão e ele gosta muito de padrões. Ela ouvia, atenta. Para além das tatuagens e do olhar de quem não acomoda dúvida nenhuma, ele tem alargadores nas orelhas. Aquilo faz-me uma impressão muito grande olhar e quando sem querer olhei enquanto comia a sanduíche de avião, tive de esperar um bocado antes de continuar a comer. Mas depois lá foi a sanduíche, que em Português do Brasil é masculino, o sanduíche, por ali fora sem tanto problema. Estou a ficar mais ao jeito bom, é o que é. Mas então agora vêm na mesma carruagem do silêncio que eu, o casal metade tatuado. Só que eles na deles e sem fazerem o silêncio qual quê. Claro que ignoram que esta quasi-velhota com um casaco maior do que era preciso compreende muito bem os seus portugueses, o Europeu e o Americano, e lhes ouve a conversa sobre uma ida muito especial às Amoreiras e tal e tal.
Antes de fechar, anotamos que os caixotes do lixo em formato de gaveta metálica desta carruagem do silêncio fazem tanto barulhão a abrir e a fechar como os das outras carruagens. Quando o homem sentado à minha frente lá meteu, primeiro, o papel do Magnum de amêndoas que vinha a comer e, depois, o pau, é que eu reparei.

Para alindar este final que ficou um bocado esquisito sem querer, acrescentamos a doçura saudosa de a minha filha mais nova, em pequena, chamar “Guádadamendoas” ao mencionado gelado.

26/10/2018

Cascas da sopa às cabras

O ex-vizinho inglês, aliás, um dos ex-vizinhos ingleses da aldeia da serra, é de notar que sendo esta uma aldeia de Portugal, quando cá estou sou a muito única portuguesa se não contarmos com o padeiro mas só à hora do padeiro, óbvio, o ex-vizinho inglês, dizia eu, voltou. Tinha sido o último habitante permanente, logo depois da mulher checa sem dentes e com um cão louco que me metia cá um medo, portanto o último a abandonar a aldeia à intempérie, seja aos ventos seja ao sol, aos pássaros, às martas, sim, há martas, javalis, veados, pirilampos em junho e gafanhotos nesta altura do ano. Voltou e trouxe a família que, entretanto, aumentou. Mulher, filho que já começou a ir à escola e uma filha novinha. Tem um problema de bronquite a menina e os ares de Portugal são mais favoráveis a pulmões frágeis do que os daquela ilha que ou sai ou não sai da Europa, dá-me a mim ideia que no fundo no fundo não quer sair mas finge que quer, estes nativos de que falamos não saem, pronto, até voltaram para ela. Está mais gordo, o vizinho inglês. Nem o reconheci quando, há dias, o vejo passar na rua com uma cabra agarrada por dois pés, a cabra de cabeça para baixo chateada que eu sei lá, a avaliar pelos gritos que vinha dando rua abaixo. Parecia a aflição de um gato mas era a aflição de uma cabra (só que a dos gatos é mais conhecida). O vizinho é bastante forte de força, agora não digo forte de gordo, é de força que digo, porque erguia a cabra acima do seu ombro, que a bicha de pequena não tem nada, ou seja, para não vir a cabra a varrer a rua com o focinho, coitadinha. Mas fiquei na dúvida. Na altura recolhi a minha espreitadela para dentro e hoje é que soube que o vizinho é ele, o mesmo, o John, olá John, então de volta? E a cabra?
- Ah, as cabras estão finas, não são para comer nem nada, são de estimação.
- As cabras?!
- Sim, já temos quatro, ontem fui buscar mais duas.
O vizinho inglês faz portanto coleção de cabras e não vamos ficar por aqui.
- E cinco cães.
- Cinco?!
- Sim, mas são mínimos – John dispõe as suas mãozorras em prancha vertical, paralelas e próximas entre si – são Chihuahua.
- Ah.
Está, então, uma família bastante composta a repovoar esta aldeia quase sempre toda deserta.

Mais tarde, após a noite cair em cima das cabras e dos Chihuahua (fui ver como se escreve Chihuahua), fiz uma sopa e o jantar. Então veio de repente a mim uma ternura proveniente da coleção de cabras do vizinho e pus-me a guardar as cascas todas da sopa. Oh c’amoooor!, como diria a minha irmã Ana, que me faz sempre rir quando imita as suas alunas. Batata, cenoura, curgete, alho francês, o alho francês não tem cascas mas eu fiz por lhe arranjar uma espécie dalgumas, alface, idem relativamente a cascas, e ainda coentros, novamente idem. As cabras vão gostar. As da cebola reservei para o caixote do lixo, colam-se a tudo e esvoaçam, podem engasgar as cabras, de maneira que lixo. Depois fui e juntei as cascas da maçã que compôs a salada para o jantar, acho até que inclinei a cabeça com a ternura que me bateu. Oh c’amor!

10/10/2018

A bola

Ainda usufruindo da boa-disposição proveniente da boa disposição da corvina com batatas no forno do post anterior, é desculpar a insistência, fui hoje ao ginásio sofrer. Toma. É que devido à minha escassa comparência do tipo quê, do tipo uma ida por mês (o que é isso), quando vou, vou sofrer. Ora hoje a professora mandou-nos ir buscar as bolas. As bolas são uma para cada pessoa e grandes, de borracha. A gente deita-se, senta-se e rebola nas bolas. Não tem graça nenhuma. Também temos de nos equilibrar em cima delas. Devo acrescentar que uma pessoa não fica nada sexy em cima da bola. Pelo menos eu não fico, recuso-me. Ora uma bola tem forma de bola, daí o nome, tornando-se difícil equilibrar um corpo ainda para mais dorido e cada vez menos novo em cima dela. Nunca gosto das aulas com as bolas. Normalmente ou estou em posição errada ou doem-me os músculos praticamente todos ou, ainda, caio da bola abaixo e ela aproveita para fugir, rebolando. Porém hoje, a determinada altura dos exercícios, não senti dor nenhuma e primeiro ia ficando contente, mas depois caí na real e pensei que devia estar numa posição toda mal feita, porque as posições bem feitas doem realmente. Se bem pensei, melhor ouvi a professora dizer, Susana é mais para trás! Logo vi. Ajeitei-me mais para trás em cima da bola até a professora ficar satisfeita com a minha prestação e eu com as dores musculares que me eram devidas todas no sítio, evidentemente. Não caí logo, pelo menos foi isso uma evolução e até fiz os levantamentos à medida do solicitado. Pernas, braços, cabeça. Correu bem se descontarmos as dores até à parte em que era preciso descontrair as cervicais e eu descobri nesse momento que não me lembro onde estão as minhas cervicais. Nem as minhas nem as de ninguém. Então resolvi descontrair praticamente tudo o que encontrei, de modo a englobar as cervicais. Mas claro que uma decisão destas tem o seu preço e eu comecei a cair da bola porque ao descontrair-me assim toda fui-me esquecendo dela. Levantei-me num instante e tornei a postar-me em cima da bola antes que fugisse a rebolar como é costume das bolas em geral. Ganhei. Mas continuo sem me lembrar onde estão exatamente as cervicais.

Esguichadas

Eu não gosto da peixaria e só lá vou porque muitas vezes quero peixe. Peixe sem ser salmão nem perca, os quais, juntos, representam quase toda a oferta do lugar. Não sei porquê. No entanto, com olhares cirúrgicos, bem orientados, descobrem-se outros pescados mais especiais. Vi pois as corvinas e gostei logo delas. De uma em especial. Tirei então a senha de vez da máquina de senhas de vez. Tinha um número à minha frente, só-um-número-ena-pá, de modo que ganhei esperança, pus-me a aguardar e a olhar para os peixes. Mas a esperança foi cedo gorada devido a 1) o rapaz que estava a atender a freguesa antes de mim ser todo ele lentinho como sei lá o quê e 2) a sua única colega visível andar a dar mangueiradas no chão por baixo do balcão dos peixes em vez de se dispôr a dar-me a corvina. As mangueiradas foram tais que eu senti os esguichos nos meus pés deste lado. Não estando descalça estava a calçar uma espécie de sandálias, totalmente à verão. Eu disse, está a dar-me banho aos pés. E dei um passo atrás porque aquela água esguichada com aromas florais é que não vinha.
- Ah, desculpe, querida.
O moço que não devia nada à rapidez continuava a tratar de várias douradas ao mesmo tempo e por aquele andar quando eu pegasse na minha corvina, ou já seria Natal, e eu de sandálias, ou a corvina já se teria passado completamente. Isto é, resolvi agir.
- Olhe, se faz favor – disse para a senhora das mangueiradas que não parava com aquilo, só esguichos – por acaso não haverá aí mais ninguém para atender, não?!
Neste momento eu já contava com uma meia hora de espera e umas quantas esguichadas nos pés.
- Minha querida, já vai, é só acabar isto.
Podiam ter posto o menininho a dar as esguichadas e a senhora, que era mais valente, a tratar dos peixes, mas quem sou eu. Finalmente, quando ela se despachou e arrumou a mangueira cansadíssima, aposto, de tanto esguichar para ali, veio ter comigo, então querida o que vai ser?
Como nós já sabemos o que vai ser, vou saltar esta parte. Comi-a hoje. Corvina no forno com batatas às rodelas em redor. Às rodelas em redor é uma boa disposição. Tanto que eu, depois de a ter comido, (ainda) mais bem-disposta fiquei.

04/10/2018

Conjunto de cabeça

Na cafetaria junto ao terraço de ver aviões, no pequeno aeroporto de Eindhoven, escolhi uma mesa com vista para uma tomada elétrica ao alcance da minha mão, o que pode dar jeito. Vou poder trabalhar largo nas muitas horas de espera que tenho para embarcar de regresso a Lisboa. Na mesa atrás de mim está um homem que parece alemão e que está mesmo a falar alemão com alguém, algures, através do seu headset. Como se pode dizer headset em português? Conjunto de cabeça? Conjunto de cabeça. Aprovado (e não soa mesmo nada mal). Ora bem, então o rapaz – é um homem, mas novo, novo, tipo rapaz – fala o seu alemão do qual eu posso extrair uma ou outra palavra caso atente. Mas não é bonito ouvir as conversas dos outros, mesmo que só delas perceba uns 2%, penso. Então que faço eu? Deito a minha mala no chão, abro-a, e de lá retiro o computador, coloco-o em cima da mesa, volto à mala aberta no chão que jaz meio atrás de mim, digamos que às 17 horas atrás de mim, e o alemão que se senta às 18 horas mas mais longe do que a mala, ufa que ainda tenho esperança de um dia conseguir escrever conciso, de repente cala-se lá com os seus ich und não-sei-quê, levanta-se da cadeira de um salto e já sem o seu conjunto de cabeça posto, olha para mim e abre um grandessíssimo de um sorriso, sim, para mim. Quem sabe terei mostrado alguma surpresa, pois ele diz-me logo depressa, em inglês, acabei de ter uma entrevista de emprego (e aponta para o seu próprio computador) e, desculpe, mas tenho de dizer a alguém (parecia estar na iminência de se pôr aos saltos, de pé, ao lado da mesa, eu sentada, ainda torcida para as 17 horas da minha mala no chão), é que estou tão feliz porque este é o emprego que eu quero e acho que eles gostaram de mim! E continua, levantando uma perna, apontando para ela, e olhe como estou, estou assim! Para uma entrevista de emprego! (está em calções), mas eles só podiam ver daqui para cima (agora indica a camisa, um tanto amachucada) e correu tão bem! estou tão feliz!! Perguntei-lhe onde é o emprego, se é na Alemanha. Sim, é em Colónia. E depois explicou-me a função, o tipo de empresa, eles são mesmo bons e eu quero fazer parte do projeto, é uma empresa super! Ele não podia parar, desculpe, é que estou mesmo feliz!
Quando se acalmou e tornou a sentar-se, pude retirar-me da função de ouvinte, voltar-me para o meu trabalho que me espera em cima da mesa às 12 horas, e fazer as minhas até à do embarque, ao passo que ele lá continua nas 18 tornando a dar uso ao seu conjunto de cabeça pelo qual transmite um alemão feliz, fluente, e agora num tom mais baixo, do qual nada, nem 2%, eu ouvi.

Errata: onde se lê "17" deve ler-se "5" e onde se lê "18" deve ler-se "6".
(Graças a AFRODITE, a quem agradeço a correção)

27/09/2018

Post de oferta em andamento

O comboio está, parece-me, mais sujo. Que os comboios na Holanda são muito sujos, já sabemos. Mas hoje, este, está no top mais dos comboios sujos. Sento-me num banco único, sem lugar ao lado, para melhor gerir a minha pouca mas ainda assim bagagem em torno de mim não interferindo com espaço que pode vir a ser tomado por outra pessoa mais tarde ou mais cedo. Em princípio mais tarde. Surpreendentemente, o comboio vai quase vazio em termos de passageiros. Mas está um cheiro no ar. Um cheiro relacionado com casas de banho também no espectro do sujo. Mudo de lugar para um dos duplos uma vez que dos simples já não há, em busca de um cheiro melhor. Rearranjo a bagagem em torno de mim. Mas o cheiro continua. Deve estar a ser este emitido por qualquer coisa orgânica dentro da gaveta metálica sempre pronta a recolher o lixo dos passageiros, que há junto a cada fila de lugares. A gaveta mais próxima de mim vai um pouco aberta e deve levar uma fraldinha dentro. É uma boa hipótese, uma hipótese fácil de imaginar. Mudo de lugar pela segunda vez ainda na senda de um cheiro melhor e paramos em Amsterdam Zuid. A voz masculina no altifalante do comboio (será que ainda se pode atribuir sexo, perdão, género, a vozes que ouvimos em altifalantes dentro de comboios?), a voz masculina, arrisco lá então, anuncia a estação presente. E depois continua, conferindo certa urgência no seu troar, quase talvez cómica, uma urgência de professor avisando alunos distraídos, este não é o comboio pára-em-todas para Amersfoort, este é o comboio rápido para… e enuncia todas as estações do rápido em que estamos, eu e o cheiro a fraldinha (vamos assumir). No meu terceiro novo lugar a situação está, mesmo assim, mais otimista quanto ao cheiro e lá fora noto que faz sol. A nota do sol vem trazer um bocadinho de alívio ao contexto em que estamos de comboio sujo e mal-cheiroso, é uma cortesia da casa. O comboio, porém, ainda não arrancou todo-porco de Amsterdam Zuid. Está agora a ouvir a repetição da mensagem acima, nomeadamente com a urgência avisadora mais agudizada, oiçamos, este comboio não é o pára-em-todas para Amersfoort!, este comboio é o rápido para… e desfia de novo toda a estação vindoura, bem articulada a voz masculina (só mais esta vez), pausada, considerando que alunos aqui sentados, apesar de poucos, não estão suficientemente atentos. Eu penso que é então agora que vamos lá embora, já estou ansiando pelo duche que me espera, mas não. Agora vamos é ouvir a nova mensagem no altifalante que já está a sair, diz ela assim: “É a última vez que estou a avisar!”
Eu ri-me, esqueci-me da fraldinha na gaveta, do cheiro no ar, o comboio arrancou e ainda não parou.


Pára-em-todas leva acento em pára neste post. De oferta.

22/09/2018

Verstá

Fica este blogue tão lindo com o título do último post a benvindar quem cá entra, que eu tenho andado a deixá-lo estar, mas já chega de mimos. E por acaso pensava que a palavra "benvindar" não existia, porém ao escrevê-la agora não veio a sinusoidezinha vermelha sublinhando a falha. Ai ai.

A páginas tantas do meu Tchékov (ah sim, voltei para ele), fui à procura do significado da palavra "verstá" no dicionário e esbarrei com este artigo de Marco Neves, que li até ao fim. Uma pessoa na internet distrai-se muito. E eu distraí-me recordando - ao ler o Marco Neves - quem diz "colocar" no lugar de "pôr" porque "quem põe são as galinhas". Ou seja: "colocar a mesa" quando se refere a pôr os pratos, copos, talheres e outros básicos nos lugares da mesa para o jantar. Colocar o cinto de segurança, colocar a tampa na caneta. Depois eu quis lá comentar no artigo do referido tradutor e autor mas aquilo pedia o meu facebook e eu continuo sem ter um facebook. Isto, meus amigos, é uma baita de uma discriminação. Quem tem um facebook pode comentar o artigo, quem não tem ou não pode comentar o artigo (e se tiver blogue vem fazer queixinhas para o blogue) ou então que faça um facebook e é já imediatamente. Bar-da-merda. A trabalheira de fazer um facebook só para comentar o Marco Neves. Querias.

E entretanto almocei, pela terceira vez consecutiva, terceira vez, e isto sim, é tema, o almoço do revisor do livro mais lindo que li de Saramago. São todos lindos os que li, todos, mas este último transbordou-me as medidas de tal modo que o deixo influenciar-me o almoço e não é pouco. Almoço eu então o mesmo que o revisor e protagonista d' A História do Cerco de Lisboa. Vou mais longe: há uma eu antes d'A História (do Cerco de Lisboa) e outra eu depois dela. Ah é desta envergadura é! Portanto para quem ainda não leu o livro: leia. Poooor favoooooor.

Mas lá encontrei "verstá". Só que em contradição, ou melhor, em dois comprimentos: 1500 metros e 1067 metros. Não sei em que ficamos. Ou sei, ficamos já aqui.

17/09/2018

Rinoceronte

Há dias almocei na Mensagem. Ao primeiro embate, e o primeiro embate encontra-me sempre em modo automático, invoquei Fernando Pessoa ali para os fundos do subconsciente. Mensagem, Fernando Pessoa. Mantive-me assim enquanto escolhíamos a mesa e decidíamos sentar dentro e não fora, na esplanada. Éramos quatro (e ainda somos se nos tornarmos a juntar as mesmas). Depois, num continuar, é que vi o Rinoceronte. Aliás meio Rinoceronte, que o resto não cabia em lado nenhum. Nem no vidro à entrada da cafetaria - Mensagem é o nome de uma cafetaria que parece um restaurante - nem na capa do menu, nem no seu verso nem onde quer que fosse que ele aparecesse, o Rinoceronte era só a metade (da frente). Mas percebe-se. Uma coisa é uma gaivota, ou uma coisa é um gato, outra coisa é um Rinoceronte. E foi finalmente sentadas à mesa, as minhas amigas e eu, de menu na mão, que li o que havia lá para ler depois de ler o que havia lá para comer, acho que se percebe. Delícias à parte, eu queria saber mais da Mensagem. Um cérebro está a invocar o Fernando Pessoa e só vê em redor metades da frente de um Rinoceronte, assim não dá e leva tempo. Ainda por cima, vou ter mesmo de introduzir uma informação. Este era um menu não nojento. Era um menu aliás bastante raro que se deixa ficar nas mãos à vontade sem qualquer tipo de pressa querendo ser largado, deixa-me! Deixa-me em paz! Eu e as minhas bactérias, os meus germes! Não. Este é um menu recomendável e limpo, sublinho limpo, ainda que não grande o suficiente para caber o Rinoceronte inteiro, mas isso ok não tem problema. A metade da frente do Rinoceronte já é completamente espetacular. E leio então a Mensagem.

Era sobre D. Manuel. Não teria se calhar D. Manuel uma gaivotazinha a jeito ou um gato que fosse e que nos dias de hoje haveria de caber inteirinho na capa do menu. Opta o nosso D. Manuel por escolher um Rinoceronte para mandar para Roma. Sério. Para Roma no sentido de o oferecer ao Papa. No entender de D. Manuel havia de ser um Rinoceronte, pronto (é lá com ele). Um bicho de grande porte e maljeitoso para meter inteiro em capas de menus (mas naquele tempo não havia menus). Pelo caminho, o animal descansou algures em França num porto qualquer. O rei francês achou-o tão giro que não deu ordem de o bicho continuar a viagem logo a seguir a ter chegado porque ele estava a atrair muita gente curiosa e encantada ao porto, tipo espera aí um bocadinho. Ora eu, se tivesse sido uma francesa desse tempo, também teria corrido a ver o Rinoceronte ao porto, como é evidente. A história, contudo, acaba super bem. O Rinoceronte, que era não só uma Mensagem como era uma Mensagem de paz ele próprio, chegou são e salvo a Roma, apesar de com certeza cansado ou quem sabe um bocado enjoado. Quanto a nós as quatro, pelo contrário, comemos uma refeição supimpa, umas sobremesas soberbas de um design que desencadeava duelos entre os olhos e a barriga, e tanto foi que quando as quatro de lá saímos eram as quatro da tarde.

16/09/2018

Sem título

Quando terminei a leitura do conto “Enfermaria Nº 6” de Tchékhov ia no terceiro golo de café. Então fechei o livro para me dedicar exclusivamente à digestão do torcido no estômago, ainda que aconchegado nos três golos de café quente, mais quente. Não é cedo nem é tarde, é domingo. E esta é a forma boa, digo perfeita, de não entrar sozinha num dia estéril, vaporizado e dorido. Em cheio.


15/09/2018

Se me quiseres aborrecer de verdade

Fala-me de como é potente o teu carro e gaba-te de não cumprires nunca o limite de velocidade, conta-me como fizeste bom negócio a comprar e vender imobiliário e detém-te nos detalhes, usa roupa só de marca fazendo questão de o mostrar ainda que pareça que não, faz por denegrir a imagem dos outros aproveitando para te enalteceres mesmo que subtilmente, diz estrangeirismos a cada duas frases, pronuncia “ponhamos” com a acentuação na primeira sílaba e não te corrijas logo a seguir.

(com os devidos créditos a Pipoco Mais Salgado)

14/09/2018

Caldos de galinha

- Ó mãe, da próxima vez que vires o Sr. Valério podias comentar os ovos que ele nos deu. Dizias que já acabaram e depois fazias uma pausa. A seguir dizias que eram mesmo muuuuuuuito bons!... Pode ser que ele nos dê mais, ele tem muitos?
- As galinhas dele. Sim, diz que põem vinte e tal por dia.

A minha filha Saminhas está convertida à boa mesa ou à mesa boa, dependendo do ponto de vista. Quem a viu e quem a vê. Em pequena era um desassossego. Uma vez que cá em casa não havia oreos ou bolicaos, donuts ou iogurtes com açúcar adicionado, ela fazia investidas na despensa da minha irmã Ana, cujo recheio ia muito no sentido dos seus interesses: de chocolates para cima havia lá de tudo – quando desaparecia a minha filha mais nova em casa da tia, toda a gente sabia onde a encontrar. Porém saudável é hoje para ela a palavra de ordem, verde a cor. Na nossa cozinha, já habitam três vasos de manjericão na variedade viçoso e bem hidratado, isto nomeadamente. Muito embora divergindo do espetro do verde, os ovos do Sr. Valério, voltemos à vaca fria, ou das suas galinhas, foram muito bem acolhidos cá em casa. Ele apareceu-me lá na serra com “uma coisa para mim” que se materializava num saco cheio deles. “Tenha cuidado para não se partirem”, advertiu. “Ponha-os no meio da roupa quando for para Lisboa.” E ainda acrescentou, como se eu precisasse de um incentivo para tanto ovo ali tão bom “São uma maravilha, a gema não tem nada a ver, esta é muito mais amarelinha!”. Não os meti no meio da roupa, não fosse o diabo tecê-las, fiz de outra maneira que deu. Isto quer dizer que chegou a Lisboa - com muitos cuidados e caldos de galinha para nos mantermos no contexto - chegou então a Lisboa sã e salva a dúzia e meia de ovos contada por ele e confirmada por mim. E os primeiros exemplares claro que já cá cantam, daí o diálogo encimando o post. Confirma-se realmente o amarelo da gema a tender para o laranja (não tem nada a ver). De modo que optei por não esperar encontrar o Sr. Valério da próxima vez que for à serra. Tomei o telefone e escrevi-lhe comentando os ovos. Dei-lhe razão. A ver se ele me dá resposta. Resposta e... hum… quer dizer... isso.

12/09/2018

MAKE TODAY GREAT (pode ser um smoothie)

São tantos os projetos de post que vão ficando por aí em águas de bacalhau ou a ver navios, tanto faz, que mais tarde ou mais cedo algum haveria de vir à tona. Verificou-se. Ia eu lançada pelo caderno de tomar notas do trabalho quando dou de caras com um destes projetos na última folha. Oh, estás aí? Então diz lá! E ele diz! (As vantagens de escrever em caderno de papel. Gosto imenso.)

Tem dois meses o projeto. E passa-se na cafetaria de um hospital. Eu estou sentada aqui e ali está uma mulher com óculos de massa vermelha. É por causa dos óculos que eu estou a olhar para ela. Não consigo decidir se gosto mais de óculos de massa azuis ou vermelhos, acho lindos ambos. Ela tem vermelhos e usa uma camisola com letras. Aqui não costumo escrever T-shirt porque muita gente distraída vai e chama T-shirt a tudo o que for de usar na parte superior do corpo, à exceção talvez de soutien ao qual chamam soutien, mas de resto é T-shirt no geral mesmo que seja uma camisola de alças, que tem mais a forma de um saco de ir ao supermercado do que a de um T. E isto incluindo, valha-me deus, as lojas de roupa, T-shirts! tudo a 3 euros!, e vamos a ver e são as tais camisolas de alças, ali mesmo onde a malta devia saber da poda não sabe, mas estamo-nos a desviar. Portanto a mulher dos óculos vermelhos enverga uma camisola em forma de T, ou seja, com mangas curtas, e neste caso letras grandes. Afino a vista e leio: “MAKE TODAY GREAT”. É uma grande ideia, fico atenta. Vou bebendo o meu suavezinho de frutas cor-de-rosa que de certa forma está a fazer o meu dia grande, e de vez em quando olho na direção da utilizadora dos óculos vermelhos, a ver se de lá vem alguma indicação sobre o MAKE TODAY GREAT em sua opinião. De repente levanta-se, (é agora!), diz qualquer coisa à senhora com quem está e caminha numa direção que a leva para um campo de visão fora do meu (bolas). Mas MAKE TODAY GREAT viu-se maior quando ela passou por aqui. A ver no que dá.

Quando regressa ao meu campo de visão, ela traz um belo gelado na mão.


Já sei por que não promovi logo este projeto a post. É fraquinho. Um gelado na mão, mesmo sendo belo, é fraquinho (e com uma rima, fu!). A mulher havia de ter trazido outra coisa mais, sei lá, mais vantajosa, mais vibrante, mais tcharam! na mão. Aí tinha valido o post. Assim não.

07/09/2018

Nem um saltinho nem um aizinho

A barata que ontem caminhava pelo chão azul clarinho do meu cliente hoje não veio. Pelo menos que eu visse. Olhei bem em frente, à esquerda e à direita, foi varrimento ou varredura. Não estava. Bom dia, a barata está? Não, ela não está. Vem mais tarde? Nem isso, não vem mais tarde. A verdade é que não estamos a cair numa fábula, este diálogo não vai por aí, ok? Este diálogo é imaginário decorrente da situação e do meu medinho de hoje não me segurar como ontem me segurei na hora de a barata aparecer em casa do meu cliente. Eu estando ali a prestar serviço não havia de tomar tempo para reagir que nem uma barata tonta a outra bastante vivaça, segura de si, em modo de passeio. Porém não tirei os olhos dela. Uma pessoa tem de manter controlada a situação enquanto está toda profissional a fazer uma conversa. Mas o cliente vê a minha fixação na bicha: Faz-lhe diferença?... Não! – menti - desde que ela não venha cá ter comigo… Pois portei-me lindamente, é o que digo. Nem um saltinho nem um aizinho eu dei, nada. A barata seguiu na direção do gabinete do fundo, ciao. Eu optei pelo lado oposto que dá para a casa de banho. Anunciei já volto, na boa. E assim fiz: voltei. Aí, o chão azul clarinho já estava livre da barata. Uma grande barata que era, bem alimentada, as antenas no ar, todas mexendo. Não aprecio. Portanto hoje atravessei o chão azul clarinho quatro vezes e quatro vezes procedi ao varrimento ocular proximal, distal, bilateral supra indicado. Varrimento ou varredura, nunca sei. Mas não interessa, correu lindamente.

04/09/2018

Isto não é uma poesia na cidade

Abri a janela para ficar a ouvi-la. Ponho o corpo numa posição de repouso como se não fosse meu, antes pertence de um estar no completo passivo. Para variar. Dentro, o rádio toca um Bruckner, todo capaz de encantar até os espíritos distraídos ou mesmo jovens. Na rua, começaram já as obras no prédio em frente e a porta de um carro bateu. A voz de uma criança ao longe ou um cão ladrar. Em pano de fundo, passam carros, um que buzina. E motas. Às vezes um avião também (num pano de fundo mais elevado, pois).
Concentro-me nos sons. O que quero é isto. O mundo, lá fora, segue existindo, funcionando, vibrando. E é no revelar desta sua ordem que me exclui que posso, finalmente, descansar.

(mas só que então as obras entusiasmam-se e começam os ruídos a doer dentro da cabeça portanto acaba-se logo o descanso, e eu fazia melhor se tentasse inventar máquinas de cortar pedra e vidro ou lá o que é silenciosas e tão potentes como as outras, em vez de fazer postezinhos inúteis como este, não era?)

02/09/2018

Uma espécie de exercício (apetece-me)

Está, há vários dias, uma toalha caída no pátio traseiro do prédio. Ter-se-á soltado de algum estendal ao vento e obedecido sem hesitar à gravidade da sua situação. Não é cá das minhas. Se fosse, já ali não estaria desde o primeiro dia. A mola que prendia a toalha caiu junto com ela. É vermelha e ali deitada ficou, um pouco apartada, no esbranquiçado do chão. Terá sido obra da sua fraqueza de forças que, junto com o vento suposto, para ali a deitou. E à toalha. Ninguém as vai buscar. Hoje de manhã, ao dar os bons dias ao rio, notei a toalha menos aberta, ou seja, mais fechada. A mola não, a mola na mesma. 


(adoraria saber de que cor imaginaste a toalha)

24/08/2018

Histerese com notícias do papagaio

Quando saio de casa para ir ao supermercado comprar uma coisita ou duas meto, à saída do prédio, a chave de casa no bolso a título de a ter bem acessível quando, dentro de alguns minutos, regressar com sacos de compras invariavelmente mais pesados do que inicialmente previsto, evitando pois a mim própria a demorada busca com a mão feita livre à custa de a outra agarrar mais peso, uma busca (louca), dizia, dentro da minha mala de mão (e daí com certeza o nome). Digo louca por ser esta busca acompanhada de pensamentos tais como um-dia-destes-enquanto-lavo-as-costas-engendro-uma-forma-de-abrir-as-portas-todas-com-a-minha-voz-ou-o-meu-olhar raios partam as chaves. E só depois, quando já não aguento a posição de torta e carregada em busca da chave perdida nos fundos da mala (de mão, realmente) e pouso, vencida, os sacos no chão me lembro do bolso. A chave está no bolso! Para te facilitar a vida, não foi? Foi! E depois até costumo esquecer-me ato-contínuo do sucedido, perdoo-me a histerese, no máximo sai-me um suspiro. Só que é sempre assim. Por isso hoje, enquanto subia as escadas com os sacos nas mãos fintando o elevador para fazer o exercício, disse aos meus botões que ia contar isto ao blogue. Disse disse.

(já em casa, enquanto meto as uvas no frigorífico, oiço, pela janela aberta, as cigarras fazendo imenso barulho ao calor, tanto que se nota no papagaio, sobressaindo-lhes a custo com aquela conversa a que já nos habituou, uma certa rouquidão, coitadinho)

(mas vem isto exatamente porquê? porque a minha filha Muzi, quando esteve fora por vários meses, vinha cá ler o blogue para matar saudades, contou-me depois, e os posts de que mais gostava eram os que davam notícias do papagaio - eis porquê)

20/08/2018

All Star aqui também

Logo agora neste verão é que eu fui lá e comprei o meu primeiro par All Star da minha já nada curta vida. Desde aí que me mantenho admirada com isto devido a o par All Star que veio ser meu ser muito lindo todo ele, mesmo muito lindo, e me encantar sempre que me meto lá dentro. Admiro-me também de ninguém vir e dizer a toda a hora ai que sapato tão lindo esse aí!
Ontem estava cá em casa Talissa, amiga de minha filha Saminhas (já tenho dito que esta é a mais nova) e tinha ela, Talissa, também um par All Star em outra cor que não a minha calçado. Fui logo mostrar-lhe o meu par que estava a descansar no chamado closet e ela não reagiu assim muito muito como era de esperar perante beleza assim. Acho que prefere a cor que ela tem.
Entretanto, devido a ter andado a evitar cair da bicicleta metendo os pés na areia de repente sem cuidado nenhum – que eu não posso, nem que a vaca tussa, andar de bicicleta com areia no chão devido a não conseguir isso – o meu par All Star está sujo e eu com medo de o meter na máquina de lavar, medo de ele não gostar. Sacudi o que foi possível com uma esponja muito boa e suavezinha como se lhe fizesse umas festinhas, ao sapato (que é mesmo tão lindo, digo só mais esta vez).

(se este não for o post mais parvinho deste blogue, está um bom candidato - porém a culpa é de quem me inspirou para ele, evidentemente)

(ou também é de estar feliz, se calhar)

*************

Ena! Temos uma corrente:

* A doce Miss Smile (os meus são ainda mais lindos, mas esses não estão nada mal, não senhor...)

17/08/2018

Sai um cappuccino(zinho)

Creio que apenas uma vez, ou talvez duas, estive num café Starbucks e não por escolha própria, mas por sugestão alheia. Já sei que não me adequo a cadeias de produtos americanos, com muito plástico e papel, barulhentos e que aparecem nos filmes (julgo). Mas quando soube do atraso do meu voo, decidi tomar o tempo e enchê-lo com um cappuccino na cafetaria do primeiro andar do aeroporto já minha conhecida, sossegada, sempre com pouca atividade. Porém, ao assomar a esse tal primeiro andar, indo a subir linearmente na escada rolante agarrada à minha mala azul, vejo que a cafetaria pequena tinha sido substituída por duas enormes cadeiras de massagem que você-não-pode-perder ou lá o que é, das quais eu fujo de entrar não vá de repente a massagem ser mesmo boa de verdade e eu me catapultar para o espaço, perder o voo, por muito atrasado que esteja e tal e tal. E a seguir a este ponto final dizemos que por detrás desse lugar da desaparecida cafetaria toda jeitosinha, está um suntuoso espaço muito bem decorado a paredes pretas e sofás em castanhos vários e mesas próprias, umas redondas outras não, denominado Starbucks. Sim senhor. Hesitei primeiro, claro, mas logo pensei oh, vamos lá abrir a mente a um novo conceito de consumir plástico e papel num produto americano em ambiente barulhento, já que tenho de preencher o atraso do meu voo e já vejo que há tomadas elétricas junto às mesas próprias, podem dar jeito. Suntuoso soa tão fraquinho sem o “m” e o “p” removidos pelo chato do acordo ortográfico, mas por ora fica. Então entrei e pedi um cappuccino na caixa do pré-pagamento. Recebi logo em troca uma enxurrada de perguntas sobre as possíveis variedades do referido cappuccino, uma delas era o tamanho, a outra ainda estou para saber qual era, nem a repetição me esclareceu. Pedi normal e pequeno, ok, pode ser? Podia, mas foi preciso dizer o meu nome. O meu nome?! O meu nome! Disse-o devagar e bem articulado. Eles ali escrevem o nome das pessoas nos copos de papel para depois as chamarem em alta voz quando a bebida estiver pronta, como se aquilo demorasse séculos a preparar, a bebidinha de nada, é que não estamos a falar de uma costeleta de novilho bem passada, ou de um belo bacalhau espiritual, não estamos a falar de um linguado au meunier, não estamos, o que estamos é a falar de um cappuccinozinho pequeno e normal, ponto. Portanto é um marketing todo ali especial e suntuoso (preciso de me habituar a esta palavra). Argh. Odiei ouvir o meu nome desbravado assim à larga por cima de um espaço tão… grande. E mal escrito que ficou. A comunicação com o empregado não foi das boas. Eu fiquei Suzanna. Ele não sei. Não perguntei.

15/08/2018

O velhote, o sudoku e o café (há séculos que não havia post com café)

Na loja tipo supermercado das coisas baratas que vende tudo e que podia ser comparada a uma loja chinesa caso tivesse lá chineses, não tem, comprei uma nova lata para o café moído. É substancialmente preta com motivos de café mais ou menos giros e em baixo relevo e a palavra COFFEE na vertical, portanto especial para café. Havia lá outra lata da mesma família dizendo açúcar, ou melhor, SUGAR. Não comprei. Mas admirei-me que não dissesse, ao invés de SUGAR, TEA. Junto com o café as pessoas costumam arrumar o chá (normalmente).
Já na caixa de pagamento, eu, a lata para o café e um utensílio para limpar o chão melhor ainda do que faz o aspirador, surge por trás de mim, proveniente de um dos corredores da loja tipo supermercado das coisas baratas, um velhote com um livro de sudoku na mão trémula. O velhote dispõe porém de uma voz bastante potente, a qual destoa da tremura da sua mão. Fazendo uso daquela e erguendo esta acima da sua cabeça para que se veja bem o livro de sudoku, avisa a empregada que só há três na prateleira e todos do mesmo nível de dificuldade. E logo acrescenta que ele este nível de dificuldade já tem, precisava de outro nível de dificuldade do sudoku. Depois desaparece outra vez por um dos corredores, caminhando um pouco trôpego levando o livro da dificuldade errada já conhecido deste post. Quando a empregada da caixa despacha as minhas parcas compras, deseja-me um bom resto de dia, levanta-se da sua cadeira e, piscando-me o olho, anuncia que vai dar uma ajuda ao velhote com os livros de sudoku. Não havia clientes para atender a seguir a mim.
Quando cheguei a casa, a lata vinha ovalizada devido às pressões sofridas dentro da minha mala de compras enfiada na traseira da bicicleta. Endireitei-a devolvendo-lhe a circularidade na boa, lavei-a, sequei-a muito bem e deitei-lhe dentro, devagar, o café moído, podendo absorver todo o seu aroma.

13/08/2018

Desculpa, Tchaikovsky

No rádio passam música de Tchaikovsky desde que me sentei ao computador a matar saudades do trabalho. De repente apercebo-me de que já ouvi imensas vezes ser referida a mais que conhecida homossexualidade deste compositor e ei! Já chega! É que por um lado há este mecanismo meu que se desencadeia automaticamente na tendência natural de proteger –como se pudesse– as minorias alvo de injustiças, etc. Por outro, pergunto-me se será verdadeiramente da minha conta e da conta de quem ouve neste momento o canal holandês de rádio denominado Radio4, tal característica tão íntima de alguém.  Sinto-me, até, como se estivéssemos todos estes ouvintes a invadir a privacidade de Tchaikovsky. E que calha nos ter deixado tão grande e bela obra, enriquecendo-nos, melhorando-nos os dias. Mas ainda que não nos tivesse deixado nada, não fosse compositor: dá no mesmo. Temos verdadeiramente este direito? Como ouvi uma vez o Júlio Machado Vaz dizer ao entrevistador que tinha à frente num programa de televisão que calhou eu ver, a propósito do hábito que temos de referir alguém pela sua homossexualidade sempre que é esse o caso: você quando se apresenta a uma pessoa que acaba de conhecer e diz o seu nome, não acrescenta que é heterossexual, pois não?

Ach, que coisa chata. Deixemos Tchaikovsky em paz e ouçamos a sua música se quisermos. É esta a questão, não outra.

07/08/2018

Os chinelos

Fui, na bicicleta, à cidade comprar um par de chinelos. Do tipo havaianas mas sem ser. Os chinelos que eu tinha cederam sob o meu peso, por um lado, integrado em ordem ao tempo em que muito os usei, claro está e, por outro, sob o calor e as voltas a que as tarefas em que tenho andado metida nestas férias obrigam. Rompeu-se a borracha em sítios críticos tendo-se soltado a hastezinha de-enfiar-o-dedo, e tipo assim não dá. Então lá fui. A loja tinha a porta fechadíssima com um recado aos estimados clientes para a manterem assim, se faz favor, sendo muito bem-vindos, entrem, entrem, podem entrar, mas mantenham a portinha fechada devido ao calor fora e ar condicionado dentro, que isto está de ananases (a expressão era do meu avô e agora vem aqui refrescar-se na loja); e a gente assim procede. Digo a gente porque vinha a sair uma mulher com uma menininha de cabelo quase branco de tão loiro, e que segurou a porta para eu entrar com facilidade, dizendo algo simpático, o quê já não sei (ou então não percebi, que é o mais certo) e eu depois a fechei logo bem. Fui direita ao cantinho onde vendem uns poucos fatos de banho e toalhas de praia e lá vi os chinelos. Só há de duas cores e para o meu tamanho só há de uma que é todos pretos. Pode ser, não tem problema (eu preferia um bege nacarado com brilhos espantosos e giros, mas ok). Aumentaram estrondosamente de preço estes chinelos, estou agora a ver. Em vez dos dois euros que paguei pelos outros há uns quatro ou cinco anos nesta mesma cadeia de lojas (destas coisas lembro-me eu completamente, doutras não) passou o preço dos chinelos a quatro euros inteirinhos, ou seja, sofreram um senhor aumento de cem por cento, ah pois é. E agora aproveito que já aqui estamos para introduzir, é tomar nota, que o salário mínimo na Holanda é de mil e seiscentos euros, mil-e-seiscentos-euros, o iogurte e o pão são mais baratos que em Portugal, quanto aos chinelos já estamos a ver o filme e vamos lá continuar como segue. Dirijo-me à caixa para os pagar enquanto os miro de um lado e do outro, todinhos mesmo pretos, e noto de repente a mensagem na etiqueta abonatória quanto à borracha, que foi, sim senhor!, toda reforçada e agora está bem melhorzinha, promete não rebentar tão cedo (?!). Com certeza é mesmo isso.


(Justificado que está o estrondoso aumento de cem por cento no preço, justificação a confirmar a seu tempo, evidentemente, estou por ora bem servida.)

06/08/2018

Meia duzinha (daí talvez o post)

Ou as moscas se aquietaram agora há menos de nada ou tomaram por saída a entrada que optaram por fazer para dentro da mesma sala que eu: as janelas abertas à tarde do verão. (Mas eu foi toda pela porta, óbvio.) Portanto sem insetos zunzentos ficou um silêncio quente. O ar assim calado de leve não dá nada, antes pesa, encaixa ao colo, demora-se. Fui pois inventar uma água fresca como as que se veem nos jarros em revistas muito bonitas sobre decoração e que apetece é logo bebê-la. Tem limão em partes, um pau de canela jeitoso e meia duzinha de folhas de basílico fresco, grandes, cortadas em três por incentivo a darem mais suco. O jarro fica enfeitado de cores assim a deleitar os olhos e a distrair da tarde. O líquido turva-se destes aromas devagar e depois mata a sede. Muito bem. Então invoquei o estado de férias em que me encontro, recostei-me em almofadas do sofá e retomei a leitura de mais uma beldade deste verão. Com esta já são quatro, de seguida. Uma fartura, quer dizer.


(e gosto de escrever meia duzinha, gosto gosto)

01/08/2018

Quatro rodas

O homem que está a reparar o telhado da nova casa perguntou-me, na pausa (dele) para o café oferecido por mim (tomar nota por favor), se a minha bicicleta não tem por acaso quatro rodas. A pergunta ficou no ar ilustrada por um sorriso lateral todo ali, os olhos azuis semicerrados num divertimento, o cabelo em desalinho condizente com as roupas pingadas de tinta e/ou cal, suponho. Eu disse-lhe que a pergunta dele era bastante engraçada, mas que a minha bicicleta tem apenas duas rodas. Grandes. Porém ele achou-se ainda não satisfeito e, mantendo a olhada incisiva, indagou se eu já sabia andar de bicicleta ou aprendi aqui (na Holanda), acrescentando que segundo ele no meu país as pessoas não aprendem a andar de bicicleta. Foi então preciso esclarecer o Senhor Divertido que em Portugal toda a gente sabe andar de bicicleta desde cedo. E bem. E ia acrescentar que também sabemos todos nadar e fazer perguntas mais, digamos, adequadas. Mas depois... oh, para quê?, e deixei ficar assim.

(É capaz é o café da pausa de amanhã atrasar-se bastante. Ou vir muito forte. Ou frio. E é se vier.)

29/07/2018

Um aspirador nos degraus e frigoríficos são imensos

Não pegava no computador há muitos dias. A dor que hoje à tarde me chegou ao ombro direito não é daí, por conseguinte. Atribuí a sua chegada ao muito que aspirei ou que esfreguei. Sobre armários, dentro de armários, gavetas, frigorífico. Sou relativamente eficiente nas limpezas, mas custa-me começar (não é a tarefa que mais adoro). Adio: escrevo uma mensagem no grupo do Whatsapp que a minha mãe inventou e que partilho com as minhas irmãs também. Vou à casa-de-banho. A seguir olho pela janela, procuro um pássaro. Despeço-me do jardim da casa. E depois então começo a limpar. Uso luvas de borracha. As amarelas para a cozinha, as cor-de-rosa para as casas de banho. Erik, meu marido, foi para debaixo da casa reparar qualquer coisa no isolamento do chão. É um trabalho que tem de fazer a rastejar. A altura do espaço não permite mais. Quando de lá saiu vinha cansado e bastante sujo, disse que aquele não é o trabalho mais agradável que se pode fazer. Eu nem sequer conseguiria ali entrar, quanto mais fazer a reparação do chão, por baixo, e trazer as armadilhas para os ratos, por usar, felizmente (uma fechou-se com um estalo que me fez dar um salto). Mas ele quer vender a casa no melhor estado possível e faltava ir lá reparar o isolamento do chão. Aspirei os quatro pisos, dentro dos armários e os três lances de escadas. Não é fácil acomodar o aspirador nos degraus: ou aquele é demasiado largo ou são estes muito estreitos. Uma vez - a propósito - caí numa das escadas com o tabuleiro do café. Nenhuma chávena se partiu e eu fiquei inteira sei lá como. Creio que por a escada ser de madeira, acho mesmo que foi isso que nos salvou, a mim e às chávenas, que a desceram alegremente, inteirinhas até ao fim, logo seguidas pelo tabuleiro, este tendo perdido a corrida. Mas deitei fora, nesse mesmo dia, os sapatos que me fizeram escorregar num dos degraus. Resultou a medida: não voltei a cair. Nem sequer com o aspirador às costas, e o cano, e o tubo, tudo, como hoje.

Mas depois do jantar estendi-me no sofá a ler o meu livro. Comprei-o em Lisboa numa hora feliz na Feira deste ano. Hora feliz é a minha tradução para a happy hour que eles têm lá, uma hora com descontos valentes, porém não estou certa de que na Feira a designem assim. Que é uma hora feliz para mim, é.

Ora cá vai então, diretamente da página 81:
“Estamos, contudo, como povo, preocupados com a efemeridade; há imensos frigoríficos.”

Saul Bellow, “Na corda bamba”, Quetzal


Está a ir muito bem este meu primeiro livro de Saul Bellow. 

16/07/2018

Ensaio dum post da má-língua (férias precisam-se)

Mas afinal quantas são as Kardashians, quem são e o que fazem elas, se não fosse pedir muito? Sou amiúde abalroada por uma Kardashian ao fazer os caminhos no ecrã do computador, o qual trabalha quase tanto como eu e sem queixas, ou seja: oh c'amooor! como diria a minha irmã a imitar as suas alunas, mas dizia eu que vou e esbarro numa Kardashian, pum! Deve ser uma coleção extensa. Todas com visual extraordinário embora parecido. Extraordinário de tão artificial, claro. Mas parecido. Se calhar vamos a ver e é sempre a mesma Kardashian (nesse caso, pobrezinha dela).
No entanto, também temos a Carolina Patrocínio, é verdade. Uma pessoa vai a passar para ler as notícias, com licença, e esbarra também muito nela logo a seguir a ter fintado uma (ou a) Kardashian. Pelo menos a Carolina é nossa, ok. Tirando isso…. Desconheço, mas pode ser de não ver televisão, dou sempre essa hipótese. O que faz então a Carolina Patrocínio? Mistério. Tirando ter filhas, claro, que isso já percebi que ela faz. E é bom, aliás é excelente ter filhas, sei do que falo, mas será que é caso para andar todos os dias naquela canseira, ela e nós, constantemente em fotografias, no meio das notícias? Uma pessoa tem de estar sempre a desviar-se dela (e das chatas das Kardashians), pá! 

Bem, prefiro gatinhos. Ou - melhor dizendo - gatos. Prefiro gatos.

11/07/2018

A montanha a Maomé

No início do embarque (lá vou eu) em Lisboa anunciaram que quem quisesse expedir a bagagem de mão para o porão mas livre de encargos, podia. Eu optei por alinhar e tornar-me assim uma passageira mais leve, embora a minha mala azul com rodas nunca ande muito pesada, então se lhe remover o computador portátil de dentro, fica a mala quase mais leve que ele. O voo decorreu numa beleza de voo, livre de turbulência e com um lugar vazio ao lado - dois luxos bastante raros hoje em dia - uma soneca e umas valentes páginas lidas do livro e outras escritas do trabalho. Mas claro que após aterrar houve que aguardar pela entrega da bagagem junto ao tapete rolante, que também nos tempos presentes já costuma ser questão despachada em minutos, não muitos. Ora mal o tapete arranca a marcha para começar as entregas respetivas, eu aproximo-me do movimento que é circular com forma ovalada, o costume, e não passa muito tempo vejo do outro lado da oval a minha mala azul a vir ao meu encontro. Porém, antes do meu encontro tinha a mala ainda outro. Uma senhora que eu já em Lisboa tinha detetado ser portuguesa de gema, lançou-lhe a mão e apanhou a minha mala do tapete, ligeira. Mas não indo Maomé à montanha, vai a montanha ao Maomé, evidentemente, e Maomé está nas mãos desta senhora junto à qual já eu montanha estou, dizendo minha senhora essa mala é minha. Ela hesita em acreditar em mim e vira e revira a mala, deita a mão a um dos fechos, o da bolsa menor, e faz menção de o correr dizendo ao mesmo tempo vamos lá confirmar tirando uma coisa ou outra de dentro da mala.
- Mas nessa bolsa não tem nada - esclareço - mais vale abrir a outra, dê cá que eu ajudo.
Não ajudei, abri mesmo a bolsa maior minha tão bem conhecida e de lá tirei a minha própria agenda muito bonita, que exibi à senhora, vê como não é sua a mala?
- Ah... mas isso...
A senhora tem aqui o marido ao lado e ainda não falámos nele porque ele tem estado a sofrer com a situação, meio envergonhado, meio ansioso, eu noto estas coisas pelo canto do olho, e diz agora o marido, para cortar já o assunto e aliviar a tensãozinha.
- Essa mala não é tua, a tua vem ali, olha! As malas são iguais.

Esperei que a segunda mala azul chegasse a nós três e à primeira mala azul, a minha, e vendo-as ao lado uma da outra pude medir o tamanho do erro que a senhora cometeu.
- Iguais não são - digo - são parecidas. O tom de azul nem sequer é o mesmo.

O marido pediu mais desculpa do que a senhora, eu disse deixe lá não tem importância, e depois segui para as portas de vidro, deslizantes, que dão acesso ao exterior.

05/07/2018

Manuais, manuais

Quando lhe peço para incluir estores novos no orçamento que me vai dar para as obras, o senhor Simões pergunta-me se os quero elétricos ou os mantenho manuais. Digo imediatamente manuais, claro, até me admirei com a questão. Ele toma nota no seu caderno de apontamentos e, inclinando um pouco a cabeça, responde à pergunta que não fiz: os estores elétricos são mais caros. Claro que são mais caros! Com estores de carregar num botão, dar um comando de voz ou mesmo editar mentalmente uma ordem binária (eu gosto de pensar muito à-frente), vamos precisar bastante mais cedo de ir para o ginásio repor os musculozinhos dos braços no lugar. É os estores elétricos, é a máquina de espremer laranjas para sumo, é o aspirador automático que vai sozinho pela casa para não irmos mais longe. Isso é que era bom! (como se costuma dizer)

Mas quando contei à minha mãe, ela fez a cara de achar esquisito e de dizer Ó filha!
E aí eu esqueci-me de referir os vidros elétricos do meu carro, são quatro ao todo e são bons. Esses são muito bons todos elétricos. E mais, só fica a faltar o resto (do carro).

03/07/2018

nanopost ou não há fome que não dê em fartura

não é que eu tivesse muita, mas como eles estavam ali, insistindo num vermelho daqueles no meu campo de visão, comprei os morangos biológicos numa ação que se pode considerar um investimento ainda que a curto prazo e de baixo risco. ok. e agora posso dizer que são tão bons tão bons estes morangos no espetro do tal vermelho mesmo lindo, que me leva a desconfiar disto: não só gosto eu deles muito como também eles gostam de mim.

(a ausência de maiúsculas vem do caráter nano do post, é uma coerência)

Roubar tesouras em restaurantes é feio ou nojento?

Prefiro escrever sobre as belezas pequenas e grandes se for capaz. Prefiro não escrever sobre as porcarias que as pessoas fazem, ou seja, coisas feias ou nojentas. Mas hoje vai ser.

Sentámo-nos na esplanada porque apesar de estar um julho arraçado de novembro, vamos dar-lhe uma oportunidade. Afinal daqui estamos a ver os barcos a repousar na marina uma vez que o sol ainda não se pôs (por ser julho). Fazemos o pedido, escolhemos as mesmas refeições, temos dez dias de diferença de idade (mas isso não interessa muito para o caso, é só que eu tenho a mania dos números e dez dias não se nota nada), a Júlia e eu. Daí a pouco vem o empregado colocar-nos os pratos iguais à frente de cada uma, só que falta o azeite e o vinagre para temperar a salada, o empregado sabe disso e vai já buscar. Volta então com um copinho metálico pleno de pacotinhos na vertical metidos ali todos, pacotinhos contendo os acessórios alimentares que a gente já conhece, a maionese vem junto, o sal confinado aos mais pequeninos que são do tamanho de uma unha de polegar. Levei imenso tempo a descobrir que thumbnail também é unha de polegar, mas isto interessa ainda menos, ando a rodear devido ao assunto ser deste baixo calibre, ou feio ou nojento. Mas então o copinho metálico. Ele traz lá dentro, a fazer companhia aos pacotinhos, uma tesoura de orelhas de plástico. Uma tesoura?! Eu pergunto sempre tudo o que for preciso, não tem problema nenhum. Mas ao perguntar topei a resposta direto: é para cortar o gargalo dos pacotinhos de azeite, vinagre e companhia, porque já se sabe (de outros carnavais, por exemplo) que são dificílimos de abrir só com os dedos, escorregam imenso e até se pode espetar uma unha no dedo do lado, já me aconteceu isso.
- Mas essa tesoura não presta – o empregado é honesto e informa-nos logo.
A tesoura não presta.
- É do chinês… – alvitra a Júlia.
- É do chinês, sim. Antes tínhamos tesouras boas, mas desapareciam muitas, especialmente na altura do regresso às aulas... As pessoas levavam as tesouras, sabem como é… - ele está resignado, encolhe os ombros.
Não, não sabemos como é. Roubar tesouras em restaurantes não sabemos como é.

Quando nos levantámos, quatro horas depois de conversa tão boa quanto este post é feio ou nojento, já a lua tinha nascido e havia fogo de artifício na outra margem do rio em explosões de verde, vermelho e laranja.

23/06/2018

Se precisasse de alguma coisa

O pequeno carro vermelho tem riscos de um lado e do outro e uma amolgadela só de um lado. É o carro da família triste que vive no prédio. O condutor é invariavelmente o pai. O filho, já homem, nunca sorri. Tem a pele muito pálida, usa óculos e caminha devagar, um pouco curvado, como se um peso imenso lhe assentasse nos ombros. Quando o encontro no átrio ou no elevador, digo-lhe bom dia ou, conforme a hora, boa tarde, e ele olha-me através dos óculos, olhos muito abertos, como se me tentasse encaixar no seu mundo alheado, ao qual não pertenço, talvez ninguém pertença. A vizinha do terceiro disse-me uma vez que aquele rapaz tem um atraso. A mãe da família triste sorri constantemente. Vira a cabeça para um lado e para o outro, como se cumprimentasse o mundo em redor, mundo do qual já talvez não saiba que ainda faz parte, porém caminha desenvolta. Nunca anda sozinha e vai sempre de mão dada com o marido ou o filho, como se fosse uma menininha. Tanto ela como ele, o condutor do pequeno carro vermelho, têm o cabelo todo branco e, no caso dele, rareando. Tal como o filho, mas por razões diferentes, ele também pouco sorri. Fico sempre triste quando os vejo. Lembro-me de, há muitos anos, quando me mudei para o prédio, ter sido ela a primeira vizinha que conheci. Encontrei-a na entrada, no dia da mudança. Sorriu-me francamente e deu-me as boas-vindas. Disse-me, então, em que andar morava e que estaria lá se eu precisasse de alguma coisa, que não me esquecesse. E, antes de se afastar: se aquelas meninas pequenas eram minhas, que lindas meninas. Há dias, encontrei-os exatamente no mesmo lugar na entrada do prédio. Estavam os dois, ela sorrindo para o ar, ele segurando-lhe a mão. Perguntou ao marido quem sou, quando os cumprimentei. Respondi eu. E depois acrescentei, mesmo sabendo ser talvez inútil, um resumo do nosso encontro no dia da minha mudança, lembra-se, eram as minhas filhas pequenas. Ele avisou-me então, cordial, de que ela não se lembra de nada, que já cá não está. Mas lembro-me eu, respondi, lembro-me eu. 

16/06/2018

"Burgueses somos nós todos ou ainda menos"

Estamos na Feira do Livro. Estamos eu e um mar de gente. Entro num dos expositores de um grande espaço comum e oiço um menino mesmo junto de mim (estávamos todos juntos uns dos outros):
- Ó mãe, disseste que não vínhamos ver livros!!
Eh lá. Mas também se vem à Feira sem ser para ver livros?! penso cá comigo eu. O menino, sem obter resposta da mãe, também ela bem juntinha a mim, concentrada com um livro na mão, responde-me sem saber:
- Ó mãe, vá lá, disseste que vínhamos só comer!!

Saio do expositor e deixo-me ir levada para cima e depois para baixo, num embalar uno, esta massa de gente, enquanto aproveito o arrasto para decidir, vou ou não vou. Está, no espaço central a dar autógrafos, Mário de Carvalho. Não é pelo autógrafo, é, antes, para trocar uma ou duas palavras com ele, ver como é de perto um senhor cuja forma de escrever me tem encantado, a sua história de vida, a simplicidade que lhe brota de dentro tantas vezes em forma de candura, o sentido de humor, luminoso. Mas vou ou não vou? Não, não o incomodarei, ainda para mais já levei desta Feira, há dias, um livro dele que está em casa à espera de mim, não vou levar outro e... ou vou?... Desde que incomodei a Clara Ferreira Alves há duas Feiras atrás quando lá fui com o livro dela pedir o autógrafo que o placard dizia ela estar a dar, e no placard não esclarecia nada sobre ela estar a dar mas sem querer, sem querer aturar os leitores, xô leitores!, a andar!, afinal ela tem mais que fazer e está ocupadíssima a conversar com amigos, mudei. Nesse aspeto, mudei. Mas agora, olhando daqui ele não parece estar a despachar os leitores, ele sorri e conversa, talvez Mário de Carvalho esteja mesmo a dar autógrafos por querer. Vou. Tiro um livro da pilha, "Burgueses somos nós todos ou ainda menos", e ponho-me na fila.

- E Susana com Z ou com S?
- Com S, se faz favor.
Escreve com três dedos de um lado da caneta e o polegar do outro, já tenho visto quem escreva com dois dedos de um lado, mas com três nunca. Eu queria dizer-lhe que o admiro, que gosto do que escreve. E disse, devagarinho disse. Ele agradece, olha para mim, sorri. É uma pessoa doce, impossível não simpatizar com ele. Diz-me que espera que eu também goste de "Burgueses somos nós todos ou ainda menos". Levanto-me, dou-lhe dois beijinhos, agradeço, desejo-lhe felicidades e depois, ai, depois vem o inesperado.
- Se quiser escrever-me para o facebook, terei todo o gosto...
- Oh... mas eu não tenho facebook... - e desta vez custou um bocadinho.

Quanto ao livro autografado, vai quase no fim. Ele tinha razão e talvez eu lho diga na próxima Feira, se o lá encontrar. Que eu facebook é que não, isso ainda não.

15/06/2018

Enfim o post mínimo

Se chamamos à capa de um livro, capa de um livro, chamamos à capa da capa do telemóvel, capa da capa do telemóvel. Um esquisito português este, é certo, mas corretíssimo. E já a seguir usado para expor o seguinte (o post é mínimo). O meu cartão do cidadão mudou-se da minha carteira que pede adjetivos tais como velha, gorda, cheíssima, pesadíssima e também disforme se não bojuda, para uma bolsinha do verso da capa da capa do telemóvel. O meu cartão do cidadão beneficia agora de uma janela, mais arejamento, vai-se virando tanto a sul como a norte, exposto à luz natural ou eletrónica e percebe-se perfeitamente porquê. Mais: ouve as conversas. É um cartão do cidadão que prezo apesar de ostentar nele uma fotografia de mim própria incrivelmente horrenda que está de castigo virada para o lado de dentro da bolsinha do verso da capa da capa do telemóvel.

Também tenho uma coisa para contar da feira do livro, mas hoje não (este post é mínimo).

09/06/2018

#emboraAíchamarOVerão

Dizem as minhas filhas que para se conseguir ler estas coisas começadas no símbolo cardinal e caracterizadas pela ausência de espaços, tem de se pôr maiúsculas que ajuda e eu digo que acentos também.
Este post é de ontem mas ainda está bom. Quer dizer, ainda se aplica, que bom bom não é absolutamente o caso. Ora vejamos.

O junho, o presente junho, deve achar-se no outro hemisfério, não neste. Por exemplo olhai os jacarandás, eles veem-se em esforço de florir – veem-se e desejam-se – está na cara, tão fraco vai o evento. Já a feira do livro, por falar em evento, estava brava e agreste, ventosa e fria e isto foi na visita da semana passada quando ainda tínhamos restos de outono. Quanto ao papagaio também não é posto na rua, isto é, fora do quiosque das flores onde vive todo o ano; devido ao frio mantém-se dentro que ele é exótico ou tropical ou coisa assim, deve ter levado muitas vacinas, pelo menos verde ele é, se calhar também biológico, e com o papagaio dentro é um silêncio daqueles lados. E desconfio que a cadela que vive cá em cima anda a dar-lhe umas lições desde que cresceu, embora não tenha sido muito o crescimento que a deixou bem baixinha, mas vai que se põe a ladrar-lhe com força à janela quando ele bota o discurso, que é só um e o mesmo discurso, lá de ideias não muda o papagaio, para o bairro ouvir se quiser. De modo que também ela, a canídea, tem andado meio chocha, lá ladrar ladra, mas não é aquele vigor do estar à janela a indignar-se para o papagaio, isso não é. Eu entretanto voltei à tomada de chás para aquecer, também não escapei à intempérie. Não sei se já contei que eu gosto mesmo é de café, de chá não. Quer dizer, nem gosto nem desgosto, o chá não tem sabor, nem cor, nem ninguém diz ai que cheirinho tão bom a chá, ninguém. Tem, isso sim, mais calor que o café por ser mais crescido, deitar mais corpo. Até preferia gostar mais de chá caso em que teria o prazer prolongado, contudo não me calhou isso. Calhou-me sim querer o verão e não o ter, bem como nenhuma ideia melhor do que esta reclamação para fazer.

(atualização 10.06.2018, 21h00, na sequência do comentário da Cláudia Filipa a este post)


(dentro do nevoeiro está uma parte da serra que ardeu em junho do ano passado - que esta humidade extemporânea seja, agora, preventiva)

02/06/2018

As minhas filhas são parecidas uma com a outra (juro)

Tanto que os vizinhos mais recentes do prédio julgavam tratar-se de uma e a mesma pessoa até que um dia as viram juntas.
- Ah… vocês são duas?!...
- Somos!
- Mas então são gémeas….
- Não. Temos três anos de diferença.

Na verdade  não chega a três anos, mas elas não se incomodam de cometer esse erro de cerca de 16% com os vizinhos sendo que, contados em anos letivos, são de facto três.

Agora hoje. Estou a dirigir-me à cozinha para começar a fazer o jantar e vou a apertar o terceiro casaco que vesti em cima de outros dois (contas, estas, fáceis). Cruzo-me com a mais velha e digo-lhe, estou cheia de frio, estou farta deste frio. Ela abraça-me e, a rir, opina: ó mãe não está assim tanto frio! E depois

- Tu estás é a ficar velhinha! – continuando a rir.
- Estou mesmo, olha que hoje de manhã enganei-me e disse à tua irmã que vou fazer cem anos este ano…
- Mãe… não foi a ela que disseste, foi a mim!

A questão, depois de uma tarde de trabalho que não me correu bem, que me entristeceu, uma tarde de trabalho em que me senti nada inspirada, coloca-se por exemplo nestes termos:


Tendo eu feito um erro de 100% na minha idade, qual será a diferença, em meses, entre as idades das minhas filhas?

01/06/2018

Post da baleia ou do elefante (do grilo é que não)

Este blogue parece que está a morrer (dá-me pena se ele morrer), mas talvez se tenha metido em modo económico ou isso. O problema é o blogue não se escrever sozinho, nem ao cabo de mais de cinco anos de experiência ele aprendeu mesmo a inteligência artifical estando aí a dar cartas em todo o lado que eu vi muito bem, eu e mais cinquenta e nove mil pessoas ou lá o que foi aquilo do web summit no ano passado, é um facto, ponto. E eu, vírgula, o problema é eu, outra vírgula, que desempenho essa função nele, a de escrever, ser acometida de um embrião de post quando, ou vou a conduzir e não consigo fazer essas duas coisas ao mesmo tempo - conduzir e escrever um post (a sério, a sério!), ou estou já farta do computador devido a trabalhar muito nele.
Deu-me há dias para pensar se aquele túnel em que crirculava seria o do grilo ou seria outro. Oiço muito falar no túnel do grilo na rádio, é um túnel conhecido. Mas eu nunca sei nomes de ruas, com ou sem túneis, entre outros, etc, não posso ajudar. Tirando, ok, a avenida da liberdade e a da república em Lisboa, ah! e a Sidónio Pais, que é linda!. Bom, mas ia então pelo túnel afuera quando pensei será este o do grilo ou não. Lá escrito não está em lado nenhum, pelo menos que eu veja - e claro que devia estar para as pessoas saberem o nome do túnel. Mas não é que fui acometida de o embrião de um post bem lá nesse túnel?! Fui! E é por isso que estamos hoje aqui. Ainda para mais, atenção, o embrião deste post vem com opinião junta, a minha, portanto com licença. (há um barulho na rua que não está a ajudar - é um barulho de obras, faz lembrar o ruído que nos invade, brutal, quando nos enganamos e entramos numa loja de roupas para a camada jovem, mas não tão mau)
A minha tal opinião, iamos aqui, ninguém a pediu, evidentemente, só que eu vou dá-la devido a se usar muito atualmente dar opiniões sem ninguém pedir. Por exemplo nos jornais online: há lá imensas! As pessoas - só mais isto, é um momento - que dão opinião assim na boa (sem ninguém pedir) não raras vezes parece que estão zangadas, não se percebe bem com quem exatamente, mas zangadas, ponto. A minha opinião sobre o túnel do grilo, vírgula, seja esse aquele ali de cima ou outro, estou por descobrir, vou dá-la agora mesmo, é esta: o nome está mal atribuído! Do grilo! Onde já se viu? Um túnel tão grande! (qualquer túnel é grande!) Aliás mal, não, o nome está péssimo!!! O túnel devia era CHAMAR-SE TÚNEL DO RAIO QUE OS PARTA, ai não, tão zangada também não, DEVIA ERA CHAMAR-SE TÚNEL DA BALEIA OU ENTÂO DO ELEFANTE PARA QUEM NÃO SABE NADAR!!

Pronto, acho que resultou. Pareço realmente zangada e o blogue até se agitou para aqui todo, ai que maluco.

29/05/2018

Deslarguem

Creio que simpatizei bastante com o RGPD daqui em diante referido apenas como regulamento - aliás referido nada, que uma vez já bastou para aborrecer o leitor - logo à cabeça quando dele ouvi falar. Imaginei a minha vida mais toda limpinha, sossegada e livre, a caixa de email isentazinha do lixo que lá costuma cair em grandes quantidades todo o belo dia, o fim das sms’s sobre as promoções do borrego, pá de porco e abrilhantador para a máquina, também as dos eletrodomésticos linha branca sem iva quando lhes dá para esse lado, extinguidas as que vêm dos provedores de comunicações que não fazem jus nenhum a em casa de ferreiro espeto de pau, e – cereja no topo do bolo – nunca mais receber telefonemas enganadores provenientes de números não identificados, praga que mais se parece com perseguição tipo seita.

A quatro dias andados da entrada em vigor dele, não só os malditos correios eletrónicos e telefonemas não solicitados aumentaram em abundância, para aí exponencialmente, como até o meu pequeno e sossegado telefone fixo, o de casa, aparelho perto da idade da reforma, suponho, recomeçou a tocar com insistência.

E desconfio que este é um post que qualquer um de nós, cidadãos europeus, poderia - mais promoção menos promoção - escrever nesta data.

De modo que já des-simpatizei o que tinha simpatizado, evidentemente. Deslarguem bem podia entrar já no dicionário.

24/05/2018

As famílias normalmente querem viajar juntas

Aproveito estar em modo de espera para atualizar as comunicações, enviar as mensagens que têm de ser e as que quero que sejam. À minha frente já se enfileiraram muitos passageiros para o embarque e muitos passageiros para o embarque corresponde a muitas malas e maletas ou sacos. Eu também tenho a minha mala à qual só está a faltar um nome sem ser mala mas ainda não me inspirei propriamente para isso o que é estranho neste caso. Mas estou a meio de troca de mensagens com Muzi, a minha filha mais velha, quando uma voz feminina metálica mas não de robô, em princípio, anuncia nos altifalantes que vão dar início à verificação das malas e maletas ou sacos para aquilo que já sabemos que é ver se nenhum passageiro para o embarque leva mais do que deve ou pode. A funcionária do aeroporto de Lisboa, fardada lá do modo que é deles, vem andando com etiquetas cor-de-rosa que passa da mão para cada mala e maleta ou saco que cumpra os requisitos devidos. Chegando a mim, eu ainda estou numa tal mensagem, na fase de corrigir os erros, faço muitos, ela diz: É a Susana? Sou…
- Rodrigues?
- Rodrigues.
(eu não podia escrever este post se tivesse inventado um nome no blogue que não fosse o meu, pois não?)
- Ah, que bom! Estávamos à sua procura.
- Então encontraram-me. – momento no qual passo todas as hipóteses pela cabeça – por que raio andavam eles à minha procura?...
- Pagou um valor extra para o seu lugar no avião.
- Paguei. – porque não achei outra forma lá no sistema da companhia aérea de fazer o check-in: ou era obrigatório pagar um valor extra pelo lugar ou era obrigatório não fazer o check-in.
- Os lugares ao seu lado vão vazios e há uma família que quer viajar junta, mas para isso precisávamos que mudasse de lugar, importa-se?
- Não me importo. – as famílias normalmente querem viajar juntas, há imenso tempo que é assim.
- Então venha comigo.
Fui. Ultrapassei toda a fila de passageiros para o embarque e malas e maletas ou sacos correspondentes. Ao aproximarmo-nos do balcãozinho do dito embarque diz esta funcionária do aeroporto para os colegas, ela vivaça:
- Encontrei a Susana!
Claro que optei por lhe perguntar o que a levou a achar-me com cara de Susana numa fila de tantos passageiros para o embarque, mas ela só conseguiu explicar-me que eu tenho é cara de portuguesa. 
Depois, com a minha cara de portuguesa, e dedos e mãos e vá, tudo, acabei a conversa com Muzi, a minha filha mais velha.

03/05/2018

Engalfinhadas umas nas outras

Vai uma pastazinha de dentes?!
Não sendo oferta que se lesse em palavras como estas supra escritas, era que se adivinhasse. Eu gostaria de ser (não sei se já contei) linda, nova e poderosa (poderosa para dar uns apertos específicos em certa gente, nada fora de plena justiça), aliás gostaria?! Adoraria!! Mas claro que não sou. E para ajudar à festa, vamos a envelhecer tão depressa que - começa a acontecer - quando me encontro com o espelho, já solto um ai jesus quem é esta agora? E depois lá vejo que sou eu mesma, ali, completamente. Explicada ficou quase sem darmos por isso a razão pela qual me encontro hoje à tardinha ao balcão desta vez do dentista para pagar a conta da consulta de urgência de que acabei de usufruir, e fazer as próximas marcações. Foi um tempo bem passado, ao balcão, melhor do que na cadeira deitada-ondulada a levar marteladas num dente que estava a pedi-las, e para além de bem passado foi um tempo longo. Tanto que deu para reparar nos três frascos redondos, de boca larga, que estavam ali em cima, repletos de – olhei melhor, foquei os meus velhos olhos – não são rebuçados! O que eu vi foi pastazinhas de dentes todas engalfinhadas umas nas outras, muitas muitas. Como se dissessem (não dizem) tire uma, pague nada, é só levar!
Eu disse – oh! que engraçado!, em vez de rebuçados, temos pastazinhas de dentes! – com a carteira aberta na mão.
A rececionista disse – claro! nós aqui não oferecemos rebuçados! – com a mão estendida para receber o meu pagamento e um tudo-nada indignada-disfarçada.

Diálogo bastante exclamativo para compensar a falta da pergunta de oferta com que se abriu este post de pasta (zinha de dentes).

01/05/2018

Compassino

Saio do sol de Lisboa, entrando para tomar o café ao balcão. Quando preciso de café pode ser ao balcão, se é da pausa que careço, tem de ser à mesa. Hoje foi ao balcão. Estava muita gente, até me achei um pouco anestesiada aguardando a minha vez naquele contexto surdo de sons, loiça a tilintar e ordens lançadas de um lado para o outro. Pensei: gostava de ficar invisível por uns minutos enquanto apenas observo assim anestesiada pelo ruído (para descansar). Mas não esperei muito: a empregada do outro lado do balcão – olha aí - que tem uma fala que – atenção – atravessou o quê - vamos lá - atravessou o Equador!
- Á siôra qui desêja?
- É só um café, por favor – articulei bem café para ela me poder ler os lábios caso necessário dada a algazarra ambiente.
E mais ou menos ao mesmo tempo o homem que traz um saco com pacotes de tabaco diz uma bica se faz favor.
- Pódji sê um café, siô? – e em dizendo isto pisca-me o olho enquanto se vira para a máquina de café por trás dela e vai que sai mais um.
Coloca os cafés em cima do balcão, clanc o meu, clanc o do homem dos pacotes (de tabaco), ainda ele está a reagir à provocação e diz que sim que pode ser um café no lugar de bica, mas que giro isso.
- Maiz sábi que um djia um siô mi pedjiu um cimbalino, e eu não sábia o qui era um cimbalino, acredjita? Eu não sabia, não! – diz isto mais para mim que para o homem dos pacotes, visto ele ser menos aberto a conversas do que eu, suponho.
- E agora já sabe? – desta vez ergui mais a voz dado que as minhas palavras tinham pouco do óbvio que se pudesse adivinhar lendo nos lábios.
- Ágora já sei, sim siôra! – rindo, diz.
- Mas sabe porquê esse termo, cimbalino? – para mim a conversa ainda não acabou que eu sou a favor do rigor, evidentemente.
- Não sei, não….
Então, intercalando com as voltas que ela vai dando nas tiradas das próximas bicas - ao final do dia, se fosse eu, ficava tonta - digo-lhe o porquê do cimbalino, uma criação portuense!
- Jura?! – entre duas voltadas para a máquina, esta, que – eu leio – é da marca “Compass” (vê-se perfeitamente).
- Juro. Era como se aqui disséssemos “compassino”, uma vez que a marca da máquina que está aí atrás de si é “Compass”.
- Ah… então eliz lá no Porto juntam umaz letrinhaz no nomi dá máquina e fica cimbalino? Olha lá… eu acho umá graça!

E eu, por acaso, também.

21/04/2018

Fogo de deus

Eu já tinha visto - tenho andado a reparar que os posts que mais gosto de ler nos outros blogs usam muito pouco, ou nada, a palavra eu, ao contrário de eu - mas vamos lá, já tinha, então, visto o nome dele na lista de participantes. Por isso ontem, quando me sentei para a reunião da tarde, não me admirei de o ver entrar. Envelheceu muito. Era um senhor - ainda é - um senhor de porte direito, alto, voz grave e olhar tranquilo, sabedor. Era ele falando e todos os restantes, eu incluída, atenta, sentada na audiência, a ouvi-lo. Talvez até que se lembre vagamente da minha cara, de quando, há quantos anos, o interpelei no intervalo, lhe fiz perguntas, me apresentei. Vinha a entrar na sala, devagar, um nada curvado, procurando obter um lugar que ainda estivesse vago. Ajeitei a cadeira vazia ao meu lado e indiquei-lha interesseiramente: eu (quatro) queria usufruir da sua companhia nos trabalhos da tarde. Agradeceu e sentou-se. Puxou do seu pequeno computador, meteu-lhe uma drivezinha daquelas de apanhar internet e já parcialmente descontinuadas e começou a dedilhar as teclas. A sessão decorria aos arrancos, que os temas discutidos não estavam de pleno consenso. Aborrecida pelo pouco fluir dos trabalhos, olhei pelo canto do olho para o que ele fazia - dedilhava agora no smartphone que tinha na mão - eram mensagens para uma menina cuja foto eu (sete) podia ver. Quedei-me talvez tempo demais na observação - ele notou. Inclinou-se ligeiramente para mim e disse-me em voz baixa, quer ver a mensagem da minha neta mais nova?, quero, claro que quero. Era uma mensagem de amor que pude eu também ler intrametida nos trabalhos da tarde.
No fim, enquanto nos levantávamos, e a propósito da palavra pirómetro que tinha surgido e ainda pairava, fogosa, objeto de uma derradeira discussão, diz-me sem eu perguntar que "piro" quer dizer fogo e por conseguinte dióspiro é o fogo de deus, diós, deus, piro, fogo - se eu sabia isto? não, claro que não sabia, por isso é que quem puxou a cadeira para ele se sentar ao meu lado logo no início da tarde fui eu (onze).