a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

31/01/2021

Ou é tudo abusos?

Agora a sério, se os frasquinhos vêm com cinco doses lá dentro, que eu já vi de relance ali na televisão, e houver, por exemplo, dezasseis pessoas na lista para vacinar num dado local de vacinação, daí o nome, de quantos frascos vamos precisar? Quatro. Mas do quarto frasco só sai uma dose. Sobram as outras quatro. Que entretanto já perderam a sua condição criogénica de setenta graus negativos, coitadinhas, uma vez que um enfermeiro de sangue quente pegou no frasquinho, ou enfermeira. Não sendo o dito um frasquinho que deite muito corpo, não lhe será difícil sentir-se confortavelmente quentinho num piscar de olhos.

E depois? O nosso enfermeiro volta a meter o frasquinho requentado dentro da mala do frio para levar as quatro doses de regresso à base? Pergunta ali em redor quem quer levar uma dosesinha de oferta já que aqui estamos? Ou encolhe os ombros e descarta aqueles quatro tesourinhos como resíduos?

23/01/2021

atraso

A poesia é de chá ou um comboio com certeza a entrar no túnel do metro.

Nunca o meu nome dará um ciclone, nem serei passageira naquele comboio. Mas sim passageira.

Pressiono botões logo após o futebol sair para o ar, devolvendo-me à pureza das flores.
(para não cegar, todas as flores são minhas, mesmo as que não nasceram)

O café esfria na chávena sempre por causa da minha mão. Ela não será maior que sobre a língua preta de um papagaio. Nada farei pela poesia de chá que se afogou ao nascer morta. Nem chorarei enquanto arranjo o cabelo.

Vejo que os filhos se escoam ávidos pelos retângulos de vidro, deitando mães orfãs ao sino da igreja que vem com um minuto de atraso.

De repente, vou arranjar o cabelo.

20/01/2021

Adoro chá mas hoje não me apetece

Continuo a beber chá, pouquíssimo, mas por interesse. Ou para dele extrair o calor diretamente para as mãos quando finalmente a chávena deixa de queimar, ou então por ter uma companhia tão irresistível à minha frente que nem noto estar a bebê-lo e não o querido café, um copo de vinho, cerveja, sumo de laranja ou mesmo de tomate. Com tanto que há para beber, o chá pobrezinho.

A verdade é que ainda assim posso ser acometida de uma raríssima vontade de beber chá por razões válidas e desconhecidas, que não por interesse. Nestes casos, ocorridos anual ou bianualmente, p'raí, aproveito muito depressa e vou a correr pôr a água toda imbuída do exclusivo da ocasião. Só que depois o próprio chá não colabora, nem com versões mais atualizadas deste, é incrível. Continua a levar meses ou, diria mais, horas a arrefecer, por muito que eu me esforce em soprá-lo, soprá-lo, soprá-lo, o que ainda por cima é feio. E claro que lá se vai a vontade, enjoada de esperar pela sua vez. Não sei como isto se resolve, o que gostava de saber é se quem bebe chá por gosto não se cansa de esperar que arrefeça, se anda já com as mucosas queimadas e nem sente ou se aproveita para ir às compras, lavar o carro e passar na farmácia que ainda dá tempo se não estiver muita fila.