a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

30/05/2021

Dupla inteligência

Mais uma noite mal dormida para a coleção. Segundo o meu fiel relógio em combinação com a aplicação no telefone, acordei às 4h36, mas eu sei que foi às 4h23. Ambos estão perdoados pela imprecisão, uma vez que entre uma hora e a outra eu estava acordando de fininho, fazendo o possível por voltar a cair no sono. Ingenuidade a minha, evidente que não voltei. Note-se porém o ter escrito as frases anteriores completamente em português. Por exemplo, relógio, telefone, sem referência à dupla inteligência de que beneficiam os dispositivos em inglês, a aplicação por inteiro. Fica o texto mais parece que limpinho.

Quando, pelas seis horas, depois de acabar o livro que vinha lendo, fui inaugurar o dia na cozinha, tornei a ser invadida pela urgência de lavar os vidros. É capaz de não passar de hoje, pelo menos poderei aproveitar o facto de os meus dias serem tão mais longos.

A Marble estava a observar alguma coisa lá fora, no sol da manhã e através dos sujos referidos. Aproximei-me e vi com ela. Um casal de melros ensaiava a produção de mais alguns. Nunca tinha visto. Mas é a primavera, é domingo e é tão lindo.

26/05/2021

O fim da cena, dia catorze

Pelas minhas contas, os catorze dias terminaram hoje às dezasseis horas. Dei uma margem de segurança e pelas dezanove verti-me completamente para a rua. Cumprimentei a vizinha do oitavo que estava à espera de alguém ali no passeio, sorridente de máscara no queixo. Oh, queres ver? Indaguei os meus botões se ainda era de trazer a máscara na boca e no nariz ou se tinha havido um abaixamento das regras. Os transeuntes locais esclareceram rapidamente, era era, boca e nariz, querias! Continuei, então, confiante e com o sorriso ocultado. Esta ocultação sendo um extra bem-vindo, uma vez que caminhar pela rua sorrindo como se tivesse estado enclausurada catorze dias podia parecer esquisito. E de repente, dou de caras com a coleção de jacarandás a ladear a estrada que se estende perto. What?!* Todos abundantemente em flor!!!!! E eu sem saber de nada. Ainda por cima - continuando a andar - não é só os jacarandás naqueles propósitos todos, também os pequenos canteiros colocados à laia de apontamentos do bairro, um aqui outro ali, tudo florido a abarrotar! Na sua maioria de violinos, uns riscados de branco, outros em cor inteira. Uma composição em tons de música para os olhos. Os carros sinceramente. Passavam como se coiso, como se aquilo fosse o quê, nada, não se percebe. Eu cá aproveitei, que durar não duro sempre, lavei os olhos bem lavados mas foi. 

*exclamação proveniente do post anterior.

25/05/2021

Quarentena, dia treze

Hoje venho falar dos meus sapatos de ténis novos ou sapatilhas como se diz, melhor, no norte. Inspirados na nova dança que me salvou estes dias interiores, eles chegaram hoje. Como não havia o meu número, que deve ser o mais corriqueiro porque estava esgotado em todas as cores deste modelo que eu queria, as sapatilhas são meio número acima do meu. Talvez até deixe crescer um bocadinho as unhas dos pés, para aproveitar o espaço extra. Acho que se chama unha francesa a isso. Mas nos pés (um caso a estudar quando não tiver nada melhor para fazer). Depois de apreciar o belo par de todos os ângulos e lhes enfiar os pés dentro com meias acabadas de sair da gaveta, sim sim, vejo no interior da caixa uma folhinha de instruções que me fez abrir mais um bocado os olhos. Trata-se da documentação dedicada à hipótese de devolução do produto. Vem até pré-preenchida com os nossos dados, meus e dos sapatos, género declaração do irs. Mas as instruções! Por favor, experimente os sapatos com meias limpas. Certo. Por favor experimente-os dentro de casa num chão limpo. Se alguns pelos de gato não contarem, certo também. Por favor tenha cuidado para não sujar os sapatos, por exemplo com maquiagem. What?! (como diria a Saminhas) Maquiagem?!... Sinceramente! Experimentar os sapatos na cabeça, ou na cara, é isso?... Não percebi. Mas também não faz mal, porque não os vou devolver, até já fizemos a dança nova em conjunto, um trabalho de equipa como deve ser. Ah, senhores!

24/05/2021

Ligeiramente bobona, dia doze

Quando a campainha soou pensei que finalmente tinha a PSP à porta. Mas era a caixa da WOOK estendida à distância com os meus três livros novos lá dentro e um cremezinho de oferta. Um dos dois livros que vieram de boleia acompanhar o líder do grupo, metodologia de compra que já tive oportunidade de explicar neste fórum, eu não fazia gosto nenhum de o ler muito menos comprar há um mês atrás. Mas na altura da encomenda em linha encontrei-me, admiradíssima, a escolhê-lo*. E agora estou cheia de vontade de lhe pegar. O que a quarentena faz a uma pessoa, poças.

*”O desassossego da noite”, de Marieke Lucas Rijneveld

23/05/2021

Vale uma vintena, dia onze

À hora do almoço, para descansar de ecrãs e por gosto, li a crónica do Jorge Buescu na última Ingenium. Desta vez, ele ensina a fazer experiências caseiras surpreendentes, descobertas por um senhor japonês merecedor de vários adjetivos. Quando acabei de comer fiz a primeira experiência, a do papel. Fiz direitinho, cumprindo igual as instruções e pensando, “ah… não acredito…”. Agarrei com os dedos e ... puxa, não é que funcionou?

Para quem queira experimentar, a receita pode ler-se abaixo se se desejar. Se não se desejar, também pode.

(adoro coisas destas)

(esquecer os ovos, não são)



E para quem queira ainda mais:

22/05/2021

Quarentona, dia dez

Ao décimo dia pensei estar no mínimo meio louquinha, a bater com a cabeça em algum lado. Mas tirando a desilusão de ainda não ter sido visitada pela PSP a verificar o meu bom comportamento, vai-se andando. Cantando e rindo em parte, mas especialmente dançando (calma, não vou repetir). Só tenho pena de não ter um ginásio em casa, aí é que era (só isto). Fiz pois uma sopa das grandes e frango estufado com ervilhas, que é um tema recorrente, tanto aqui como na minha cozinha. Gosto imenso, porque aquilo faz-se sozinho enquanto eu estou na lavoura, que lá isso trabalho não tem faltado. Para o meu radiozinho despertador com miados nas madrugadas, cozi à parte uma perninha de frango sem sal, temperada portanto à moda destes posts emitidos a partir do período mais longo da minha vida assim fechada em casa. Que me lembre, claro.

21/05/2021

Quarentena, dia nove

A planta de flores vermelho-vivo que comprei no início de março ganhou pulgões que mais parecem pulguinhos. São muitos e são mínimos. Os pulgões que atacaram, numa outra primavera, a família de orquídeas é que sim senhor, deitavam corpo de pulgões (e exterminaram as vítimas na altura, nem é bom falar nisso). Estes são muito menos encorpados, como já disse, e portanto não se fizeram notar em tempo útil. As folhas da planta estão a ir do verde para o amarelo e as flores caem umas após outras, destroçadas. Perdido por cem perdido por mil, optei por tentar trazer a planta à vida, exterminando drasticamente os pulguinhos, para variar. Com este propósito em mente e à falta, um, de stock inseticida em casa, dois, de liberdade para eu ir à rua fazer compras e, três, de vontade da minha filha para ir ela comprar químicos de matar bichinhos, agarrei-me ao pulverizador com vinagre e citrinos. Este foi fruto de um deslize no ano passado e no sentido de formular produtos de limpeza biológicos caseiramente, essas coisas. O pote de vidro utilizado para o preparo era mesmo bonito para dar um impulso positivo. Vinagre e água vertidos para cima de um monte de restos de citrinos, em proporções iguais. Deixe a composição maturar durante duas luas ao sol e ao calor e no fim ganhe coragem para abrir o pote. Obedeceu-se e verteu-se o líquido alaranjado para o recipiente pulverizador novo, comprado para o efeito. Não sei se teria ajudado inserir um pauzinho de canela, uma colher de chá de chocolate em pó ou mesmo um cheirinho de vinho do porto, para ajudar na maturação (e no aroma). O certo é que o produto de limpeza biológico caseiro saiu a tresandar a vinagre e, portanto, se queremos limpar a casa com ele, temos de fugir a seguir. Volvido este ano louco, decidi recuperar a boa intenção do fundo do armário dos produtos químicos de limpeza com aromas tão lindos a limão, montanha e floral, e dar-lhe uma segunda oportunidade no combate aos pulguinhos. Pulverizei-os, pois pois, com o vinagre citrinoso abundantemente, ou seja, mesmo à grande. Muitos já foram perecendo, é certo, mas a planta sei não. Continua muito em baixo.

20/05/2021

Olha a ladainha, dia oito

Hoje de manhã dediquei o escorvar do dia a uma visita à livraria. Quando vi que a Djaimilia Pereira de Almeida lançou um novo livro, fui logo comprá-lo. Ter lido “Luanda Lisboa Paraíso” bastou. Porém, como não gosto de comprar um livro só de cada vez para que ele não se sinta desacompanhado na caixa de expedição desde os armazéns da Porto Editora até Lisboa, coitadinho, fui à pesca de mais dois, para aconchegar. Já tenho então três a caminho, se as contas estão bem feitas, que só dois é pouco. Mas claro que andei a vaguear pelas montras. Peguei na Julia Navarro e na Maria Dueñas, hoje acordei algo hispânica, mas nenhuma me conquistou pelas sinopses. Nem sequer pelos inúmeros comentários de leitores entusiasmados. Gosto de ler os comentários e já tenho lá uma ou duas pessoas de referência capazes de, sem saberem, me encaminharem para terreno firme quanto à leitura. Na generalidade, os comentários são mais ou menos elaborados, empenhados, honrando o papel informativo a que se propõem. Mas hoje notei que, entre os de puro-sangue, obviamente autênticos, há alguns completamente fora da caixa (embora dentro dela; isto trata-se de uma figura de estilo da atualidade). Exemplos: “Ainda não li o livro, mas deve ser bom, estou com muita vontade de o ler!” ou “Acho que a minha filha vai gostar, comprei para ela!” ou ainda um vazio “Muito bom!”

E de repente caiu-me a ficha, ah!. Está então explicada a mensagem recentemente enviada aos clientes informando, com muito jeitinho, que o euro de bónus atribuído ao leitor por cada comentário a um livro que tenha adquirido, só será creditado se aquele refletir realmente a opinião sobre o livro, uma vez que é esse conteúdo que pode servir a outros leitores e tal e tal. Quer dizer, abusadores miseráveis.

19/05/2021

Cuidado ó morena, dia sete

Durante a tarde, recebi no desassossego do lar várias buzinadelas já filhas de um novo trânsito, desconfiado. Finado, desconfinado. Elas vieram importunar-me a pobre memória que ainda estava de férias destes ataques. De volta à realidade, é o que é, e as buzinas não atuavam sozinhas. Havia também que acomodar nos ouvidos martelos num andar próximo aos encontrões às paredes, de modo que fugi para a minha nova atividade caseira e dançante, suportada (não vou dizer empoderada, credo) suportada, repito, pelo sempre disponível Youtube. Pelo menos nesta fonte o barulho do tipo obras vem mais organizado e abafa as buzinas da rua, é sempre a faturar. Ando tão contente com isto que até me dá vontade de oferecer um presente aos vídeos.*

*inspirado na Clarice Lispector que queria oferecer um presente à sua máquina de escrever por gostar muito dela.

18/05/2021

Quarentinha, dia seis

Numa primeira abordagem, fiz do escritório ginásio. O vídeo com a dança escolhida foi para exibição no ecrã maior e no outro ficou em pausa a última folha de trabalho. Estática, afixada e acesa em todo o seu espectro de possibilidades, quer dizer, com as cores impostas para realçar urgências, blocos aprendidos ou indecisões, a folha de trabalho atrapalhou-me suficientemente bem a orquestração dos passos, há que admitir. Para além disso, naqueles orientados a norte, em marcha à ré, os encontros com os puxadores salientes da cómoda, minha intrometida espetadora de plateia, não deixaram saudades. Portanto, empreendi a mudança do ginásio para a sala. Aí, por prevenção, introduzi alterações com vista ao alargamento, após o que o espaço ficou a roçar a perfeição. Atirei-me, então, ao trabalho por fora (como traduzir workout bem traduzidinho, hã?) e com isto quero dizer que me atirei a ele com unhas, dentes e o resto, tudo incluído. Parar é que foi difícil, foi foi.

17/05/2021

Quarentena, dia cinco

Não muito longe de parar para o intervalo do almoço, eu ainda derrapando pelos temas afora em deslizes contidos, explicados e discutidos, toca a campainha. A Marble é capaz de abrir portas interiores, mas a exterior ainda não está no âmbito das suas competências, de maneira que ninguém lá foi. Interromper a formação para ir atender a porta, psss. Já vi atenderem o telefone enquanto davam um curso presencial, com licença senhores participantes que está aqui o meu filho a ligar é só um momento, mas essas não são as minhas maneiras. No final do dia, quando abri a porta para ver que tal o tempo no patamar do elevador, estava um tímido pacotinho encostado à soleira, em cima do capacho, oh!. Recolhi-o e recolhi-me levando o embrulho para dentro e a quarentena muito a sério. Por isso é que já tenho planos para amanhã, um novo exercício caseiro. Estou ansiando. A música - que é em parte do tipo obras-no-prédio perdoa-se completamente pela beleza dos movimentos. Não se pode ter tudo, pois não?


16/05/2021

Grande mandriona, dia quatro

Entre o final da manhã e o almocinho meti quarenta e cinco minutos de fitness dance floor eighties, ou coisa assim, uma coleção de movimentos com música dos anos oitenta misturada à la anos dois mil, o que não tem graça alguma, a parte da misturada, mas isso agora não interessa nada (e rimou, parece-me). O que interessa é que me senti como quando vinha das aulas de dança nos tempos em que éramos tão novos e sabíamos tão pouco do que estava para vir, ou seja, senti-me feliz.

Apanhando boleia do poema do médico e maravilhoso poeta João Luís Barreto Guimarães, agradeço eu também.


A última palavra deste poema, e do livro, é também o seu título e, portanto, a sua primeira palavra. 
(que coisa linda)

15/05/2021

Mas que pena, dia três

Anda por aí um livro a exibir-se pelo menos em escaparates de supermercado e livrarias online, que me perturba. Na capa, em letras suficientemente grandes para até eu ler sem dificuldade, apresenta uma frase exclamada, mentirosa e irritante que lhe serve de título. Trata-se de uma declaração no contexto dos casais quase-pais, diz: “Estamos grávidos!” Senhores editores, não. Não é estamos é estou e não é grávidos é grávida. É preciso ter cuidado, podem passar ali crianças. Um homem lá porque vai ser pai não fica grávido. Um homem quando vai ser pai fica num estado situado ao lado de uma grávida, na hipótese mais aproximada. Portanto, esse título mentiroso, possivelmente arrastado nas ondas da inclusão emitidas sem antes alguém pensar com o cérebro, esse título que pode induzir crianças pequenas e outras pessoas desprevenidas em erro devia ser substituído pela verdade. Por exemplo: “Estamos num caso grávida e no outro ao lado dela, ambos num entusiasmo igualmente intenso porque vamos ser mãe e pai, respetivamente.” Assim sim. Até eu ia a correr comprar um exemplar só pelo gosto de ver um português honesto. Um bocado comprido, mas honesto.

14/05/2021

Quarentona, dia dois

Ia-me esquecendo de entregar a declaração do IVA, mas ainda fui a tempo, um alívio. Lá me safei de pagar multa, que isso eles não falham, são uns queridos. Uma vez tresmalhei-me sem querer e esqueci-me do prazo, coitadinho. Quando bati com a mão na testa e fui a correr pagar o imposto devido já era uns diazitos depois. Evidente que o castigo estava bom, obrigada, educadamente à minha espera na forma de um acréscimo adorável a título de multa. Impossível não achar esta dicotomia muito fofa. Por um lado, uma pessoa tem de entregar ao estado com e maiúsculo, os impostos tudo certinho, é para isso que servem os prazos, evidentemente. Por outro lado, este mesmo estado com e maiúsculo de vez em quando sofre de esquecimentos mas não é de diazitos, é de meses (sempre são esquecimentos como deve ser), para pagar o trabalho da pessoa. Não vá andarmos para aqui contribuintes com a mania das grandezas e mesmo felizes da vida: ao menos assim arranja-se motivo para a gente se poder queixar com propriedade, o que dá um acabamento muito mais sexy e atual. Andar contentes o quê, isso nem sequer está na moda, pá.

13/05/2021

Quarentena, dia um

Hoje só jantei disparates. Fui arranjar uma taça de leite sem lactose com flocos de milho normais e comi-os em frente ao computador a visitar a Wook a ver se me animava. Não animei. Por isso não meti mais livros no carro de compras virtual a juntar aos dois que lá deixei antes das seis da manhã. Depois da taça de flocos de milho sem lactose com leite fui comer a segunda mas pelo entremeio dei um bocadito do leite à Marble e ela bebeu-o todinho, estava com fome. Decerto foi de ter vomitado no chão da sala a meio da tarde. Agora está enroladinha a dormir ao pé de mim – acho que o ruído das teclas a embala, assim como a minha voz quando lhe falo baixinho. É por isso que me deixa cortar-lhe as unhas na boa – desta vez até me lambia a mão ao mesmo tempo. A seguir à segunda taça de flocos sem lactose de milho com leite ia para comer a última maçã do cesto, mas estava ainda mais podre que a do almoço e foi direta para o lixo. Então optei pela única laranja que restava lá, junto a algumas batatas ao acaso. Eu já sei há muito tempo que a laranja em cima de uma refeição, ainda que sem lactose, não me cai bem nenhum. Laranja esta que para ajudar e me animar foi secundada por uma rodela de chocolate de leite com um coração a cavalo. Só asneiras e agora estou a ir para a cama muito mais gorda do que devia.

Foi você que pediu detergente para a máquina em garrafa de PepsiCola? Não. Fui eu e a Saminhas foi comprar.