a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

28/02/2016

Obrigada a todos

Escrevi um post muito mau que não pude aprovar para publicação. Uma porcaria. É que estava a tentar arranjar uma desculpa para acabar antes da meia noite a dizer como quem não quer a coisa que este blogue faz hoje três anos e que, não tendo mudado em nadinha o mundo (evidentemente), melhorou o meu.

Obrigada a todos.

24/02/2016

Mas afinal o que é um mínimo?

Hoje, depois da habitual maçã assada de aspeto raquítico que fechou o meu almoço de meia desfeita de bacalhau e uma inteira tigela de sopa, saí do edifício onde trabalho a carregar um peso, uma espécie de chumbo. Tinha-me entrado uma tristeza fria, da cor das cinzas, durante a manhã. Levei-a comigo para fora dali e fomos comprar um dicionário francês-português. A moeda que enfiámos na ranhura para pré-pagar o estacionamento, dava-nos para lá ficar toda a tarde, a tristeza e eu, a comprar dicionários. Por pouco, aliás, não afinfei outro. Claro que "afinfei outro" não é bonito, mas foi a tristeza que quis assim (este é um post conjunto). Também fomos à estação dos correios para levantar o livro que mandei vir um dia sobre receitas muito simples para a Bimby, que era intenção de presente para uma das minhas irmãs com Bimby, mas devido a ter passado mais de uma semana sobre o papel-aviso que encontrei na caixa do correio a absorver umidade, já devolvemos ao remetente há três dias, minha senhora. Um contratempozinho; uma pessoa tem é de ser muito rápida nisto de ir aos correios quando encomenda livros de receitas simples para a Bimby senão eles bazam após tempo nenhum, o "bazam" vem da parceria já referida, obrigada e boa tarde, devolvi o papel-aviso ao compartimento das chaves dentro da mala, para que continue ali o resto da semana a amachucar-se todo e voltámos para o trabalho, a tristeza mais eu.

(pronto, um mínimo é capaz de ser isto -- questão abordada no post anterior, parcialmente respondida pela Cláudia Filipa na caixa de comentários)

Animais imaginários, a televisão, a loiça e mais um post fofinho

O que devia fazer chama-se arrumar-a-loiça-da-máquina e de sobrenome colocar-dentro-a-suja. Mas tenho é muitas saudades de escrever. Hoje pensei, à tarde, enquanto ia trabalhando numa coisa aborrecidíssima dos santos correia, que escrever é uma vaidade da conceição, um egoísmo da silva, uma necessidade do narciso, neste caso eu rodrigues. Mas depois bati os olhos no camelo amarelo de massa que declara amor ao Qatar desde dois mil e treze e esqueci-me logo disto ao ver as pernas do camelo por colar, continuam partidas desde que o cabo do rato o deitou ao chão, o meu rato com-fios, aliás com-fio, e vou daqui num instantinho para o telefonema de ontem para casa da minha irmã, no qual ouvi correr a coleção de animais pela voz gritada do meu sobrinho pequeno, os gatos que bincam com os mínimos (os mínimos são umas coisinhas amarelas que já inspiraram um filme e eu não sei o que fazem porque já tenho filhas em idades médias), quantos gatos são, Rodrigo?, estes (a ilustração de estes alguns dedos de Rodrigo mostraria, não saberemos quantos), o leão morreu, tia, e o tigue t'á estagado, tem c'arranjar. tens que arranjar o tigre para ele não morrer também, claro... não!!! 'magináios, tia!!!! é o que me grita de seguida, para esclarecimento. Animais imaginários recomendo a quem ainda tenha filhos em idades mínimas, os imaginários saem muito em conta mesmo que morram de vez em quando. Mas muita sorte tenho eu, era aqui que queria chegar, em não ser seduzida nem ao de leve pela televisão. Quer dizer, oiço as notícias do canal um enquanto preparo o jantar e, se calha ser cedo, também oiço o Preço Certo. Gosto muito do Preço Certo. Ver aquelas senhoras felizes, no fim, a pedirem beijinhos ao Mendes, qualquer coisa Mendes, mesmo que não ganhem nada as senhoras, ganham os beijinhos, aquilo sim é programa nacional, luso, genuíno, somos nós, tem chouriços e lembranças da terra. Quando eu for velhinha já não se vai usar ser velhinha, mas não vamos pensar nisso agora para eu poder continuar a escrever mais um bocadito, quando eu for velhinha sei lá se depois de ler todos os livros que fui amealhando para a minha reforma não me dá para ir adivinhar preços para a televisão se ainda houver televisão; beijinhos é que já não posso garantir que vá pedir.
Mas dizia eu, antes de me perder com o Preço Certo, que tenho sorte de não ver televisão porque poupo um bocado de tempo, embora pouco. Ainda não chega, está à vista, para a chamada loiça-suja-na-máquina depois de a-lavada-arrumada.

É Fernando. Fernando Mendes.

(entrou este post fofinho para fugir de escrever inadequadamente sobre as novidades relacionadas com Hitler)

19/02/2016

Sentada num unicórnio

Mesmo reunindo muita vontade, não encontro poesia em mensagens publicitárias nenhumas. As promoções anunciadas fazem-me sentir só no mundo. Precisava de poesia ali para me alegrar, mas setenta por cento de desconto liquidação total de inverno é o quê? um empurrão para gastar o dinheiro que não gastaria na ausência de mensagem publicitária. No ponto em que as pessoas andam, acho mal. Não devia haver descontos nenhuns, preços bem feitinhos era desde o início da época e depois poupança em mensagens perniciosas e as pessoas poupança em compras de que podem prescindir; caso contrário lá vem a inflação a crescer a crescer e a gente nunca mais se endireita. Quando eu for ministra de uma coisa, vou acabar com isto. Desculpem lá.

Por outro lado, penso que se entrasse numa poesia inteira, voltamos a dar um salto à poesia, se faz favor, se eu entrasse numa poesia inteira, podia perder-me (mantenho sempre um pé de fora). Sei bem que há versos que encerram tempestades e ventos perigosos, ou paixões que me podiam apanhar de repente sentada num unicórnio e isso dá um medo e depois: alguém me indica a saída?

Portanto oscilo entre o ódio ao estímulo ao consumo desnecessário e o medo de ser engolida por um poema do qual não conseguirei depois sair. Entre uma coisa e outra vou escrevendo textos absolutamente desnecessários como este (mas lá em cima já pedi desculpa).

Um bom fim de semana. Isso sim.

18/02/2016

Adagio

Tenho trabalhado pode dizer-se dia e noite. Mesmo que fosse este fevereiro junho, mantinha-se a afirmação verdadeira, dia e noite. Tenho dois trabalhos e de um deles gosto muito. Tanto, que vou dizer que amo o trabalho; pode amar-se um trabalho. Quando comecei a fazê-lo, quando lhe escrevi as primeiras linhas, fi-lo com todo o cuidado, devagar, sem movimentos bruscos, atenta à minha respiração. Como se estivesse a colher uma flor branca para durar toda a minha vida comigo. Senti então um calorzinho no peito e na cabeça, a subir; eu queria fazer aquele trabalho há muito tempo, sonhava com ele de dia e de noite, mas mais de dia. Esta felicidade, ao entrar-me no coração e nos olhos, mandou sair algumas lágrimas que não cabiam mais e que vinham da parte dela, da felicidade. Foram lágrimas boas de chorar: ganhei um trabalho que é lindo porque é muito especial e isto é um amor.

Escrever este texto também. Escrever é um prazer superior, não conta se é bem ou mal, conta que é um prazer superior. Mas não é trabalho.

Amar o trabalho é passar a encaixar na ordem universal das coisas. É engrenar na vida sem folgas, sem sobressaltos, é deslizar nos elementos naturais com uma lubrificação doce e morna, adequada. A música, por exemplo, ficou mais fluida e a luz da manhã mais intensa, o café mais aromático, a tua pele mais quente e pedaços assim de poesia vêm a mim e apanham-me toda encantada, de vez em quando mergulhada num suspiro fundo.

É por isto que não escrevi ainda nadinha sobre as ondas gravitacionais da semana passada.

16/02/2016

Um post feio de segunda

Ontem, quando vinha a tentar manter a leitura intacta na descida turbulenta para Lisboa, dizia Agustina assim: "Aconteceu que a mulher tem de facto de ser libertada." E também dizia ela isto, interessante: "O homem está hoje reduzido a paixões miseráveis; a paixão pelo seu automóvel substituiu prazeres e solicitações aventurosas; a ponto de o automóvel ser hoje considerado como uma nova causa de suicídio." Esta maravilha continua por aí fora e os meus olhos, ao descer para Lisboa, mantinham-se firmes tanto quanto podiam nesta prosa de há trinta e sete anos (aquele hoje) de Agustina Bessa-Luís.

Cabe-me então finalmente fazer um post feio (liberto-me como mulher, quanto à paixão pelo automóvel nada vou dizer). Pelo menos feioso é o post. Se bem que perfeitamente real.

Coube-me, há uns anos não muitos, lidar com um homem de segunda. De segunda a sexta, para ser mais exata. Este homem transporta no coração uma raiva elementar que dirige amiúde contra as mulheres em geral. É, era, um homem também muito capaz de se gabar de conquistas amorosas várias, uma mão cheia delas, ou duas, num seu passado qualquer; as mulheres caíam-lhe aos pés, caso fosse essa a sua vontade e caso não fosse. O homem de segunda (segunda a sexta, não mais) com quem eu era obrigada a lidar, por vezes bradava com o seu vozeirão potente que as mulheres são classe inferior, umas galinhas, enquanto que noutras em que estava para alimentar o seu ego balofo, se pavoneava junto da sua equipa feminina como se estivesse a satisfazer uma fantasia há muito desejada por essa audiência. Tirando duas ou três dessas mulheres que numa ocasião o mandaram à merda, as restantes, fingidas ou autênticas, davam-lhe os ouvidos e os olhos enquanto ele quisesse.

Um dia houve em que este homem de segunda veio para mim (de segunda a sexta, podia calhar) com os brados loucos contra as mulheres, são umas galinhas!!! (era a preferida dele, aos gritos), vão juntas à casa de banho!!! (um não assunto, também aos gritos), estou farto de mulheres!!! (ninguém lhe perguntava nada, ele aos gritos), e coisas muito profundas como estas veio ele esse dia trazer-me a mim, referindo-se ao grupo já mencionado. De início eu ripostei, mas galinhas porquê?, retorqui, isso da casa de banho não é assunto sequer, etc etc, tentei defender o que era justo defender. Mas depressa percebi que, para ele me ouvir, eu ia ter de gritar bem mais alto, portanto calei-me e ouvi eu até ao fim de todos os impropérios que me pareceram muitos.

Quando este homem de segunda se calou, inchado, vermelho (de segunda a sexta), a espumar, a mexer nos papéis com a raiva ainda a fervilhar, falei eu, libertando-me assim:

- Compreendo perfeitamente... eu também gosto mais de homens.

A nova chusma de disparates eu já não ouvi, porque me retirei. E desde esse dia até ao fim dos tempos em que tive de lidar com esse homem de segunda, de segunda a sexta, não tornei a ser incomodada com a sua elementar insatisfação com a vida despejada para cima das mulheres.

(às vezes não podemos fazer mais do que usar da linguagem que encaixará melhor na mente estreitinha do nosso interlocutor)

11/02/2016

Pensão completa tudo incluído sem compromisso à sua escolha

No enquadramento das frequentes movimentações de curto, médio e mais longo curso em que me vejo nos últimos anos, sinto uma falta de estar em casa que se agudiza. Dias e dias em casa, ficar, ficar, tenho isto assim a doer, a querer, querer. Ai se eu pudesse dias destes, muitos, sei que havia de ficar jovem (comprei um creme de rosto sem querer para a faixa etária dos sessenta aos oitenta e o meu rosto ainda sorri nos quarenta, não sei como foi isto). Sei que ao fim de dias desses tornava a poder dançar e a colher certezas serenas, a relhenar-me até transbordar da esperança que tinha antes outra vez.

Há dias pensei que o meu desejo já vinha aí todo realizadinho, embrulhado em papel dourado com fita prateada, eis o que foi.

O telefone tocou, era um número desconhecido, mas desta vez atendi (com um suspiro).

- Boa tarde minha senhora daqui fala da agência de viagens We Are The One 4U e queremos oferecer-lhe três noites grátis pensão completa incluída sem compromisso para duas pessoas num hotel à sua escolha tudo pago, que lhe parece?

Fiz um silêncio todo meu em cima do silêncio da senhora que estava do outro lado da agência de viagens We Are The One 4U e que, devido ao atraso na minha resposta, creio eu, repetiu à mesma velocidade e cadência a oferta completa das três noites sem compromisso à escolha tudo pago, isso assim, que lhe parece. E então falei. 

- Mas oferecem também os dias ou é só as noites?

Recebo no ouvido um indício de perplexidade que foi de imediato disfarçada e a vendedora, sorrindo, disse que sim, que os dias também, tudo incluído, minha senhora, num hotel à sua escolha. Então aceito, respondi. E já que posso escolher, quero esses dias na minha casa, os dias e as noites, inteirinhos, pensão completa tudo incluído, é um bom negócio para si, que eu não lhe vou cobrar nada....

Só que ela desligou.

09/02/2016

Uma difícil dose de sono polivalente

- Dona Esmeralda, a batata hoje tem muita sopa.

Já eu estava sentada no meu lugar e tinha dado início ao degustar do almoço. A dona Esmeralda tinha-se abeirado de mim para me ouvir por cima do ruído infernal da cantina e não levou mais de dois segundos a interpretar o axioma ou, enfim, isto que eu disse. Olhou-me séria nos olhos através dos seus óculos de aros dourados e um pouco tortos demonstrando bem que não achou graça, porém quis mais, diga, menina?

- A batata hoje tem muita sopa, dona Esmeralda.

E não é que dá um murrinho sem ninguém ver no meu braço?! Depois encolhe os ombros e diz, esta menina é assim, enquanto regressa à linha; ela chama linha à instalação onde correm os tabuleiros enquanto são servidos os almoços.

Mas fui castigada a meio da tarde. Bateu-me uma difícil dose de sono polivalente que não me estava a deixar cumprir os deveres em condições, uma soneira que me obrigou a levantar da cadeira antes que sucumbisse para cima da mesa. E como não faço aquilo de ir à rua fumar um cigarro, foi preciso ter uma ideiazinha como por exemplo ir entregar à cantina o dinheiro da bebida extravagante que tomei a semana passada e de que só paguei uma parte devido a escassez de moedas.

- Dona Esmeralda, aqui tem o dinheiro que lhe devia, dez cêntimos.

Ela está de braços enfiados na cuba cheia de água com espuma, a dar tratamento de esfrega aos tabuleiros da cantina. O pequeno rádio está ligado, ouve-se fado.

- Não é preciso ser hoje, pode pagar depois.

- Posso, mas pago já, antes que continue a esquecer-me - e deixei as moedas junto à máquina registadora - faz bem em ouvir rádio.

- Ó filha, não consigo cantar e tenho de ouvir qualquer coisa, eu gosto muito de música, sabe (sei). Mas ando sem voz, ó: ahghamm ahghamm (uma espécie de aclarar a garganta). Não está muito alto, pois não, filha? Ouve-se lá fora?

- Não, dona Esmeralda, não se ouve nada, fique descansada.

Mas não lhe disse que quando ela canta ouve-se bem lá fora, ouve-se por vezes na minha sala. E nesses dias não me dá sono.

05/02/2016

Nikolai Lugansky

Leite, iogurtes, pão, café, sacos para o lixo e mais algumas coisas aborrecidas. Dobro a lista de compras e meto-a no bolso de trás das calças com a promessa de que o final do dia chegará e hoje hei-de poder passar no supermercado. Antes de ir para o trabalho deixo a minha filha na paragem do autocarro e sigo o meu caminho na manhã de sol fresco, uma luz encantadora, é de aproveitar que o trajeto é curto e uma vez no trabalho acabou-se o sol e até pode ser que venham sombras. Mudo a estação de rádio de volta para a antena dois, não muito apreciada por qualquer uma de minhas doces filhas, mãe, que seca, põe aí na rfm, e oiço que hoje vai haver Rachmaninoff na Gulbenkian, e tinha logo de ser o concerto para piano número dois, ainda por cima Stravinsky também, portanto fiquei numa inquietação até me sentar ao computador e furar as regras da empresa que proíbem qualquer espreitadela por mínima que seja num sítio que não se relacione com trabalho. Vi que havia meia dúzia de lugares livres, salpicados pela plateia, mas eram horas da reunião e pensei que talvez ainda conseguisse angariar alguém para me acompanhar: sms à minha irmã passível de aderir e, mesmo antes de entrar na sala, compro dois ou só para mim?

Compra só para ti, enjoy. Mal a reunião acabou, furei as regras outra vez e fui à internet comprar o lugar vago na ponta da fila vinte e seis. Apesar dos meus esforços para chegar muito antes da hora, dei quatro voltas para estacionar o carro e quando já estava quase a chorar porque não me iriam deixar entrar depois de as portas fecharem (regra que aprovo mil por cento), os semáforos no vermelho, os minutos a voar, carros estacionados em todos os lugares, decidi rezar e então depois lá encontrei um buraco retangular onde entalei o carro entre um enorme bmw e um pequeno nissan. Esgueirei-me pela nesga de porta que consegui abrir sem abalroar o enorme bmw e corri rua abaixo, seis minutos para a hora, ainda precisei de visitar os lavabos devido aos nervos mas saí de lá dois minutos depois com o assunto resolvido, entrei na sala com as últimas pessoas, um alívio que me acompanhou mas só até eu encontrar o meu lugar ocupado (acontece-me muito): meu senhor, esse lugar, desculpe, que número tem? posso ver o seu bilhete? o senhor tira o bilhete do bolso e diz que o lugar dele não é aquele mas gosta mais daquele, se eu não me importo de trocar, por favor. Inclina a cabeça, franze a testa e diz-me como que em confidência é que eu quero raspar-me cedo (o lugar era na ponta, perto da porta), acedi, sou muito boazinha quando já venho de rastos, trocámos os bilhetes, sofri para ver o minúsculo número no bilhete dele à luz que começava a apagar, ainda não me lembro sempre de levar os óculos de ver ao perto para todo o lado e, finalmente, sentei-me. Dentro do bolso de trás das calças, comigo neste imenso concerto, a minha lista de compras.

(o pianista chama-se Nikolai Lugansky, regressou quatro vezes para agradecer o aplauso estrondoso e à quinta ofereceu-nos mais uma peça ao piano, só assim nos calou -- eu tenho vontade de dizer que este foi o melhor concerto da minha vida) 

02/02/2016

E eu tenho um Timóteo

Andava mesmo à procura de um pretexto para falar outra vez, aliás escrever, sobre o meu telefone esperto. Entrou para a família há um mês e ao cruzar-se com os i-phones seniores que já dela faziam parte, não se acanhou nada e deixou-me imediatamente saber ao minuto que temperatura estão as pessoas a sentir em São Petersburgo se andarem na rua. Isto ainda é mais lindo porque emite um sonzinho a acompanhar a temperatura ao selecionar-se especialmente esse ecrã e, se lá cai neve nessa cidade (acontece muito), o sonzinho adapta-se ao silêncio da neve não sei como, faz terlim terlim (mas devagar). Ora eu estou a adorar, sinto-me bem tratada e até posso dizer derreada por andar informada, todos os dias desde que chego a casa, sobre quantos minutos levarei até ao trabalho, caso me apeteça ir trabalhar de repente mais um bocado a uma terça feira à noite (ou quarta). Não bastando isto, mantém-me o meu telefone ciente à hora que eu quiser de qual a intensidade de campo magnético em que me insiro e, só para lhe mencionar mais uma gracinha, o meu telefone, entusiasmado com o meu entusiasmo (par ação-reação), sugeriu-me um livro de piadas brasileiras um bocado parvinhas, de que eu não gostei (mas também não me zanguei).

É claro que lhe dei um nome. Um membro da família tem que ter nome, tal como os livros que da minha fazem parte (trazem nome de origem, ajuda muito) e os quadros que me alindam as paredes (também). Timóteo. O meu telefone esperto chama-se Timóteo e provavelmente já sabe.

Agora o gran finale, para quem ainda está aí: andou a lançar ondinhas a uma das lâmpadas do teto da sala onde trabalho (daí aquilo de insistir em quantos minutos para voltar ao trabalho). Hoje de manhã, quando acendi as luzes fluorescentes das luminárias que me alumiam os dias, vejo que uma das lâmpadas está perturbada, acendeu e pôs-se a piscar tanto que tive de a acalmar, pronto já passou. Estava eu longe de saber que havia ali obra de Timóteo. Só mais tarde, ao estabelecer contacto telefónico com um colega através do espertinho, oiço na rede (sem fios já não é linha, é rede) um crscrscrs inédito que me pareceu dengoso e que se sincronizou com a tal lâmpada perturbada fazendo ela também um novíssimo crscrcscrs (não, não estou a inventar). Um bonito serviço.

Próxima estação: primavera. (de forma que já se está mesmo a ver)

Este post foi inspirado numa gama muito composta de bloggers acarinhados e/ou bem alimentados que são corresponsáveis por este texto cem por cento natural:

Xilre, Palmier, NM, Linda Blue, Pipoco Mais Salgado, Loira, Filipa Brás