a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

12/12/2021

Apeteceu-me ir comprar laranjas e fazer um post fofinho

 

Apresentamos o novo membro da família - Beethoven


E a integração, introdução ou habituação de suas excelências os felinos, como vai? 
Muito devagar. Apesar de, aqui, Miss Marble parecer um anjinho.

(Noutra não me meto.)

11/12/2021

Raridades com poesia e cem testes em quinze minutos

Hoje é dia de Expresso, o jornal que eu peguei e li na cama antes do café e até o telefone, cansadíssimo de ser puxado pela gravidade, me cair em cima do nariz. Pu-lo de lado fartinha das tecnologias, nunca da leitura, mas o artigo sobre Dino d’ Santiago já cá cantava inteiro e Cabo Verde, esse cheirinho pouco, também. Doer, lá, só doeu ver os cães, não sei se já disse. E também, um bocadinho, não haver nenhum livro do Eugénio Tavares, nhô Eugénio, no café que lhe usa o nome e faz de livraria. Mas, segundo o senhor caucasiano da mesa ao lado na esplanada, podia encontrar na Biblioteca não sei se Municipal se de ordem superior, isto porque os dois exemplares raros que há dentro do café – tê-los-ia eu visto? – pertencem-lhe. Não os vi e não sei que senhor importante é este, dono de tão raros exemplares de poesia, mas agradeci, mais feliz pela conversa ali mesmo, com um estranho sem medo de me falar do que pela hipótese a visitar na paz de uma biblioteca, a qual terá de ficar para uma próxima vez.

Esta manhã entrei na Well’s para comprar uns óculos de ler melhor mais fortes, pois é assim a vida: para novos é que não vamos. Na mala, trazia já uma embalagem de cinco autotestes, parece que ainda vinha quente, acabada que estava de chegar à farmácia do outro lado da rua, (tipo) estas também raridades estão a esgotar todos os dias e lá poesia não trazem nenhuma. Escolho os óculos novos e ponho-me a aguardar vez na zona de pagamento, ouvindo conversas alheias, o que segundo me ensinaram é coisa muito feia, mas não sei porquê, dado que os ouvidos não se consegue fechar com facilidade e não me ocorreu ser apropriado enfiar os dedos dentro deles para me alhear do tema no ar:

- Tem autotestes? – o freguês antes de mim para a mocinha da caixa.

- Não. Já não…

- E vai ter?

- Tente mais logo, ou amanhã… ontem vendemos cem testes em quinze minutos.

Impressionante. E não só eu estava a fazer a coisa feia de ouvir esta conversa, como também a embalagem de cinco autotestes dentro da minha mala o estava, a mal-educada.

Além de não se ouvir as conversas, também não se fala com desconhecidos, exceto quando se está sob o efeito daquelas ilhas mágicas vulcanizadas em meio do oceano atlântico, onde se ouve crioulo e abundam sorrisos. Por isso atirei a voz a este freguês, indo ele a caminho da saída.

- Na farmácia ali do outro lado têm, acabo de lá comprar uma embalagem de cinco, só vendem de cinco….

O freguês parou, voltou-se e olhou para mim com seriedade.

- … e desculpe estar a ouvir a conversa.

- Ok, obrigada.

E, não parecendo nada entusiasmado, foi-se. Eu também. Mas só depois de pensar que deve ser difícil ser cabo-verdiano em Lisboa e de pagar os óculos novos que são mesmo lindos. 

08/12/2021

Por falar em bolsos

Comecei “Viagem a Portugal” de José Saramago. Ler frases escritas por este homem é tão bom como era dançar a melhor das músicas. É belo como o nascer de um sol rosa no céu todo. É como, já que aqui estamos, saborear o gelado de baunilha d’O Poeta, restaurante na Praia, Cabo Verde, mesmo ao lado da Embaixada de Portugal e a cair para a praia com minúscula, uma das várias. Em baixo, o edifício vertical e miseravelmente triste que augura um casino chinês e está de obra parada, os vidros sujos do nada que há dentro, uma perversidade de obter riqueza junto a um povo que a tem sim, mas no coração, na alma e no olhar. Não nos bolsos. Ler Saramago é portanto experimentar sinapses com sabor a luz, é obter uma alegria em cada letra, encontrar sentido certo na travessa de carne a fumegar que lhe puseram à frente em mil novecentos e setenta e nove em Trás-os-Montes.

Anteontem fui ao Continente quase a correr por causa de trabalho a transbordar-me da agenda e da cabeça. Enchi o carro. Tarefa dificultada por uma das rodas que estava afligida de algum embate passado e impunha ao veículo de empurrar uma tendência arrastada de se desviar para a direita quando a curva era para a esquerda e ao contrário também havia esta implicância. Mas a solução trouxe-me o benefício de substituir a caminhada que não houve tempo de fazer nesse dia: parei o obstinado carro de compras entortado de rodas no meio do corredor junto às bananas e fui eu buscar o café, o azeite, o iogurte e o leite de aveia para a Saminhas, mas aquilo não é leite, um de cada vez, o sal para a máquina, comida para os gatos, contabilizando passadas para trás e para a frente com o vórtice junto às bananas, um cacho das quais também incorporei, uma embalagem de pescada do cabo número três, pão e ovos. Na caixa, já no fim de arrumar tudo de volta a este carro manco para regressar ao meu carro dos outros, elétrico, azul a condizer com os inspiradores eletrões, tão elegante, noto o freguês que a seguir a mim já pagava a sua compra de produto único. Um homem pequeno, nada novo, vestido com roupas velhas e pintalgadas de tinta, trabalhador das obras perto, possivelmente, meteu no bolso de dentro do seu blusão estafado o pacotinho de vinho tinto que acabara de comprar. Um pacotinho daqueles que posso usar eu, abundantemente, no coq au vin se quiser. Acordei a lembrar-me deste homem de compra única que vinha a seguir a mim na caixa do Continente. Por falar em bolsos.

01/12/2021

Os cães

Estão as nove horas a chegar quando me instalo do lado de fora da porta do hotel. A mala do computador tem rodas e fica melhor no chão ao meu lado. A manhã está completamente ventosa agitando os vinte e oito graus e o mar, que vi da janela do quarto, é picado pelo vento. O magro cão de quatro patas já meu conhecido aproxima-se e eu falo qualquer coisa ali, como se fosse bom dia cão. Ele cheira a mala do computador pelo lado mais batido a vento e pelo outro. Depois deita-se aos meus pés. As palmeiras empoeiradas do parque de estacionamento revoltam-se para a frente e para trás, precisamente como os meus cabelos que detestam atilhos e chapéus. Pelo meio, vejo aproximar-se o também já conhecido e magro cão de três patas. Dá - me vontade de chorar ver o animal assim, com falta de uma pata, deve ter sido um carro que fez aquilo. Também este cheirou a mala com rodas de ambos os lados. É verdade que tenho um pãozinho com doce de papaia lá dentro. Um pãozinho que adiei do pequeno-almoço. O cão de quatro patas levanta-se e vem cheirar melhor toda a minha mala. Não quero apanhar pulgas e portanto não toco nos cães. O das quatro patas, com o focinho, empurra-me a perna. O das três patas encosta-se. Afasto-me e sacudo as calças com a mão sem pulgas, quietos cães. Não lhes dou o pãozinho. Pego na mala e dirijo-me sim ao carro que me vem buscar para o trabalho, ele acaba de chegar.
Muitas horas depois, a noite já tendo acalmado o vento do dia, os vinte e oito graus descido a vinte e quatro, torno a cruzar a porta, entro no hotel. A mala com rodas também, assim como o pãozinho lá dentro.

20/11/2021

No princípio da serra (obrigada, Adília Lopes)

Comecei o sábado a ler o Expresso ao café até meio do texto do Pedro Mexia. Depois fechei o ecrã e reservei o vidrinho plano para mais tarde. Peguei no livro da Adília Lopes e comi-lhe um pedaço de bolo que me encheu a cabeça de esperança. Mas Sophia faz parte dele inesperadamente. Para mim, Sophia escreveu peças de mármore polido, granitos frios por brilho artificial. Os textos de Sophia não me são nada. Para a Adília sim e isso alivia-me a culpa de não conseguir estremecer um cabelo com Sophia. Gostava muito de conhecer a casa da Adília Lopes, tomar chá na loiça que suponho de porcelana inglesa (certamente anunciando-se chinesa para distinção, os ingleses são very british) e olhar em redor na sua companhia. Tomar também nota de como o sol se deleita ali, nos espaços, as portas altas de bandeiras do passado, presente em silêncio. Como ela, também eu sou de casa. Mais que das viagens. Vou outra vez a Cabo Verde e isso preocupa-me, tudo me preocupa, no entanto o trabalho vai ser doce e morno, algo luminoso, tranquilo, como as cores de chocolate da pele nesse cabo muito pouco verde. Mas por ora ainda tomo chá em casa da Adília Lopes, deixo-me observando as florinhas do bule, repetindo-as devagarinho no perímetro dos pratos, depois no das chávenas, emoldurando-as com as mãos no bordado da toalha branca que me entrega tanta paz. 

13/11/2021

Intercidades circula sem matemática

Acabo o telefonema a tempo de ver, muito atenta, o comboio entrar na estação. No meu bilhete eletrónico, recebido por mensagem no telemóvel, está indicada a carruagem 81. Muito atenta porque sei perfeitamente que o intercidades não tem 81 carruagens nem pouco mais ou menos. O sistema de numeração das referidas é um mistério que há anos não desvendo e ainda por cima desta vez vou inaugurar a primeira classe. A carruagem que lidera a composição passa ainda veloz por mim, exibindo um grande 1 de primeira, é nitidamente a 11. Começa bem. Colada a ela vem outra vestida de igual, também é de primeira, mas com o número a querer desaparecer, gasto que está das intempéries nacionais, não percebo. Depois seguem-se carruagens com um grande 2 a indicar, não segunda classe, mas classe turística, que sempre parece mais bonito a quem lê. O comboio pára. Da carruagem colada à 11, a tal de número exaurido, saem três homens vestidos. Envergam o uniforme dos comboios de Portugal e eu chamei-lhes um figo. Escolho um e abordo-o na plataforma de um entendimento de que preciso, o senhor desculpe, mas esta carruagem será a 81?
- Bom dia, minha senhora.
Realmente, eu nem os bons dias dei. 
- Bom dia, sim, esta carruagem é a 81, por favor?
- É a 81, é.
Confirma - se. A composição entra na estação com a carruagem 11 seguida da 81. Entrei nesta e dirigi-me ao lugar indicado no bilhete. A poltrona de primeira classe dá gosto de se ver, acolhe-me em toda a minha largura, casaco e pequena bagagem incluídos, faz-me até esquecer o mistério da numeração das carruagens. Instalo - me muito bem ali toda, tiro o casaco. Os primeiros metros do caminho acompanham-me o almoço que trago embrulhado em papel pardo. Uma carcaça com ovo mexido e alface, outra com queijo e compota de tomate, a minha preferida compota. Depois de comer, verifico a ausência de migalhas em redor, arrumo os resíduos e abro o computador.
É então que aparece, proveniente da carruagem 11, uma mulher jovem vestida. De cor de rosa, puxando uma malinha com rodas no mesmo tom e procurando, com sotaque brasileiro, um lugar tresmalhado onde deveria sentar - se, de acordo com o seu bilhete. Carruagem 24, diz ela, confusa.
Minha senhora, explica - lhe um homem que vai para a Golegã, essa carruagem é para aquele lado, e aponta na direção da classe turística.
Continuando a puxar a malinha com rodas e olhando para todos os lados, ela foi. Nitidamente confusa, repetimos, e não seria para menos. O número 24 costuma vir entre o 11 e o 81, mas não no intercidades, composição de material circulante sem matemática. Tão fofos.

10/11/2021

Os cinco e a hora da sesta

A Lili teve cinco bebés desta última assentada, bem me parecia que em julho ela andava grávida. Segundo o vizinho do lado nascente da rua sem nome, os bebés nasceram no carro cor-de-rosa, o Smart sem rodas ainda exibindo, na sua capota anteriormente amovível, sinais evidentes de maus tratos. Alguém não gosta da sua dona, a vizinha inglesa do lado norte, aquela que raramente traz o botox à rua, está em teletrabalho. Para andar o carro já não serve, as ervas tomaram conta dele e dentro em pouco passará a escultura oculta com o inútil volante à direita. A natureza nunca deixa as expectativas goradas quanto ao seu imparável desarranjo da ordem, também conhecido por aumento da entropia, que contempla condições para a maternidade animal. Eu adoro muito o tema, apesar de, se não fosse a metidinha dessa entropia, nem os soalhos ganhavam pó nem as aranhas se esgueiravam por baixo de portas fechadas a sete chaves para fazerem as suas teias no sossego de um lar mais ou menos abandonado. No entanto, é este andar do mundo que não se nota e que me lembra, em dias mais luminosos, quão linda é a vida. Mas voltemos à Lili. Teve cinco gatinhos, a valente. Com estes faz onze filhos que lhe conheço, dos quais uma levei para Lisboa para me fazer a vida ainda mais linda: ela faz. Ora abaixo apresenta-se a prole. Porém muita atenção, esta imagem pode impressionar espíritos mais sensíveis que tenham uma sopa ao lume ou estejam parados num semáforo vermelho a matar o tempo.


(a sesta interrompida para a foto)

15/10/2021

Não sei quê no aeroporto (como era o título daquele filme?)

Estou em filas de pé há mais de duas horas ininterruptas, eu e milhares de outras pessoas, se não mesmo centenas, no terminal dois do querido aeroporto que está de novo nos termos anteriores mas pior. Então como é lá isso, nos termos anteriores mas pior, perguntam vocês. É que dantes eu já sabia que estar num aeroporto era um desafio à alegria intrínseca de qualquer um, até minha, por isso mentalizava a cabeça e a coisa lá ia, devagar mas ia. Agora não. Agora ainda venho com o espírito habituado ao confinado-covid, pouca gente a viajar e assim, portanto a amargura apodera-se e ataca, especialmente quando ainda temos um atraso para acomodar nos bolsos. E isto sem ir voar naquela companhia aérea vergonhosa com bilhetes a nove euros e noventa e nove como já devo ter dito aqui. Péssimo serviço com ou sem aeroporto à pinha. Mas dá nervos isto. 

12/10/2021

Atualizações

Ao cair do dia de ontem, na sala de espera da oficina onde levo o carro para alterações de estado (de não atualizado para atualizado), vi na televisão local, situada mesmo ao lado da máquina do café, e vi sem querer, a Júlia Pinheiro a fazer um programa de chorar. Décadas me separam dos tempos em que via numa outra televisão, uma que deitava mais corpo em espessura, e via de propósito, a Júlia Pinheiro a fazer um programa de rir. Um que tinha também a Rita Blanco, o Miguel Esteves Cardoso e o Rui Zink. Era um programa de rir para mim. A Noite da Má Língua, assim se chamava, era de coisas sérias, nada de cómico, atenção, mas tinha ali uma alegria dessas coisas sérias e eu ria de gostar do programa. Enquanto ontem aguardava na sala de espera que o carro voltasse, todo atualizadinho, a meus braços (e pernas e mãos e cabeça, etc), olhei a Júlia Pinheiro a despedir-se para a câmara. Tinha a expressão facial torcida de compaixão pela família levada ali por infortúnio de fazer chorar, e eu pensei se estes programas trazem consolo a alguém. Ou se, pelo contrário, distraem uns dos seus próprios males entretendo-os com os males de outros ficando todos na mesma, ou pior. Não percebo nada destas lógicas da televisão. Felizmente o carro chegou com os pneus a chiar, a chamar, todo a brilhar, e eu fui.

17/09/2021

Gota vistosa (um post com pés e cabeça)

Acabei hoje a minha primeira barra de champô sólido. Quando muito nova, a barra apresentava-se em forma de gota viscosa, cheia de graça, e atravessou todo o verão. Desfez-se o último troço esta manhã, exaurido que estava, convertido numa forma que não lembra a ninguém e que resulta, claro, da entropia causada pelos processos físicos e químicos que tanto sofreu. Mas aquilo lava bem. Antes de comprar esta forma de champô, eu andava hesitante pela cidade. Temia que um bloco assim, sólido, ainda que em forma de gota viscosa, fosse fazer do meu cabelo um molho de brócolos encravados quando chegasse a hora do banho, tornando impossível encontrar a saída. Contudo assim não foi. O produto cumpriu a função lindamente e já vem outro a caminho. Está a aguardar a sua vez de entrar ao serviço na gaveta do lado esquerdo, onde estão os sabonetes, o algodão, um frasco de creme, dois de Betadine o utensílio assustador para os pés que continua embalado para não fugir e ir fazer maldades.

14/09/2021

As janelas verdes não são

Na rua por onde descia com o carro todas as manhãs para o trabalho, há um amontoado de prédios altos, cobertos de mau gosto. Por saber que nesse amontoado morava o colega que um dia encontrei sentado num canto a chorar por causa dos maus tratos do chefe, olhava sempre para o maior número possível de janelas tentando adivinhar em qual delas vivia esse colega. Nunca cheguei a saber. Nenhuma, em qualquer dos andares que, durante anos, varri com o canto do olho, me deu algum sinal que fosse. Todas me pareciam igualmente miseráveis, escuras, frias, incapazes de consolar o meu pobre colega quando chegava a casa depois de mais um dia de angústia. Mesmo as que ostentavam, por baixo, uma corda com roupa estendida a baloiçar ao vento. Mesmo essas. 
Ontem, passado muito tempo, voltei a descer a rua ao lado do amontoado de prédios altos. E de repente vi que, nas imensas fachadas laterais, de cima a baixo, alguém fez pinturas lindas. Mas lindas a sério. Cheias, coloridas, quentes. Pinturas que parecem sábados a dançar com papagaios em superiores ritmos latinos e noites de Verão a comer texturas em gelados. Pinturas que me aspiraram o conteúdo da cabeça todo ali e eu esqueci-me de ver, pelo canto do olho, como estão as miseráveis janelas.

(adorei) 

13/09/2021

Para onde foram os pastéis de bacalhau

Na semana passada fui passar dois dias inteiros e presenciais ao querido cliente Azul e aconteceu uma coisa. Por forma a evitar passar o almoço do segundo dia aos gritos com o simpático representante do cliente Azul como aconteceu no do primeiro dia devido ao acrílico fortíssimo à prova de vírus e outros fluidos assustadores que se interpunha à mesa no espaço interior da cantina, propus um desvio para a espécie de esplanada que ali está e que dá para um cruzamento da avenida não sei quê com outra qualquer, para a conversa fluir mais fácil e nos deixarmos, portanto, de gritarias. Entre a espécie de esplanada e o cruzamento referido há um descampadozinho bastante jeitoso para servir de morada a seres vivos do grupo das plantas e dos insetos. Mas não só. Também, descobri, o descampado serve de casa a seres vivos do grupo dos felinos de menor porte. Já se está mesmo a ver do que estamos a falar, tenho a impressão. Eu claro que estava apenas interessada no almoço em tranquilidade, sopa de legumes, um prato de pastéis de bacalhau com arroz de feijão e salada de tomate, e não tenho culpa nenhuma que um exemplar dos tais felinos de menor porte tenha vindo do seu descampadozinho para a espécie de esplanada fazer um ruído adorável ao pé de mim. A sua boquinha ainda jovem aberta na minha direção não ajudou à concentração no prato, especialmente porque incentivava com veemência (e o tal ruído adorável) que o meu alimento fosse para ela divergido. Foi difícil, claro que foi, mas portei-me lindamente e comi eu tudo.

Porém, uma vez que, após sondagem dedicada, apurei que o animal referido não tem dono e vive para ali no descampado entre a avenida não sei quê e outra qualquer ao deus dará, coitadinho, estou a ponderar desviar-lhe o destino e oferecer-lhe um lar capaz de lhe suprir a necessidade alimentar, até porque, já agora, aqui a felina residente, digamos, está um bocado mimada não sei porquê. Ora isto parece-me ser uma excelente desculpa.

03/09/2021

Chama-se Babilónia

Os comprimidos vitaminados que tenho tomado para dormir estão a resultar. E eu que não acreditava em pozinhos e cheirinhos para solução de problemáticas instaladas! Não se enquadrando porém estes exatamente nessa categoria do tão-levezinho-que-não-faz-nada, verdade seja dita, já que responde por eles uma marca de renome internacional e que, embora não se tenha empenhado muito em químicos de mascarar o horrendo sabor dos pequenos cilindros pegajosos na mucosa bucal, nos presenteia com a vitória do projeto farmacêutico não carecendo de receita médica! Sim, sim. Ao que para já tudo indica, acabaram-se as insónias de estimação.

Todavia não deixarei de reconhecer a sua utilidade já que, numa das últimas, pus-me a passear pela net e esbarrei com um assunto de grande interesse para mim. O novo livro da Ana Cássia Rebelo. Um livro que vá-se lá saber porquê precisa de apoios para ser publicado! O mundo anda distraído. Eu já dei o meu e agora cruzo os dedos com força. 

É este: Novo livro de Ana Cássia Rebelo

28/08/2021

Há que estudar os mercados, okay?

Para aceder aos conteúdos penso eu necessários, tomo o caminho mais conhecido e portanto mais rápido para as consultas. Já são muitos anos nisto de clicar em ecrãs e outras interfaces, como se sabe. Porém, sou incapaz de desviar o trajeto da informação insinuosa e apta a dar-me, a sério, a volta completa ao estômago e não só um dia destes. Prefiro lavar janelas. Esfregar panelas. Pôr elásticos em calças de pijama a irem para velhas, varrer a entrada, despejar o lixo. Descascar batatas, arrancar ervas do pátio ou mesmo ir às finanças. É que estou aqui estou a pagar quantias para não me aparecer nunca mais, a caminho de uma consulta, no ecrã que é totalmente meu, a cara da Cristina Ferreira, dados relativos ao filho da Rita Pereira (ela diz que não sabe lidar com o miúdo) ou assuntos referentes ao bebé da Carolina Deslandes. 

Pondero mudar-me para a caixa da costura, pondero pondero. 

Ainda o verão, em princípio (a vírgula é fundamental)

Tentando manter a calma, declaro independência à insónia e mergulho no acolhedor silêncio de toda a cozinha. Dela extravio um copo de parede perfeitamente vertical cheio de saúde especialmente por dentro. Um líquido espesso, muito branco e frio, vê-se a explorar-lhe o conteúdo. Mais: à boca da caixa de bolachas comprada na loja de antiguidades que me quer muito bem, convido uma a sair pela mão. Pode resultar. A triste cena é acompanhada de dor nas costas, aquela que veio cá passar duas semaninhas. O dia aparece aqui choroso, a clarear a custo e principalmente lá fora, oferecendo o grasnar de uma ou duas gralhas mais frontais. Não me posso queixar.

07/08/2021

Franeker

Franeker tem um planetário de fabrico caseiro. Caseiro e já de certa idade para um planetário: é de um tempo em que o povo acreditava que determinado alinhamento de planetas do sistema solar previsto para breve seria o fim do mundo. Esta crença acabou gerando tal pânico à época que um certo homem mais avisado, por mais estudioso, decidiu construir um planetário de fabrico caseiro em sua própria casa, daí o nome, para mostrar aos seus compatriotas que os planetas, com regularidade calculável, por obra de um acerto preciso entre as voltas que a vida planetária dá, se punham celestialmente em linha e, se isso não tinha acabado com o mundo antes, também não ia acabar agora. Agora que é como quem diz, ia o século dezoito bastante avançado. 

Abrandou este homem o seu ofício de produtor de lã também caseira para se dedicar ao belíssimo empreendimento que ainda hoje funciona com perfeição.

Construir planetários caseiros pode até não parecer algo por aí além, mas construir planetários caseiros sem outro fito que não acalmar um povo em pânico é que já não.
(www.planetarium-friesland.nl)
Ao lado tem um café com bolos muito mais modernos mas igualmente recomendáveis. 

05/08/2021

Alguns pontos

Achando já suficiente o tempo que passei em pé a fingir interesse pelos produtos da loja do aeroporto por não ter nem lugar sentado à vista nem nada melhor com que me entreter nem o telemóvel eu queria mais devido a já ter passado todos os limites de manuseamento por hoje cá para os meus gostos, já se punha aqui uma virgulazinha. Ponto. Para além deste ponto, pertinente, será de referir que quando tornei a perscrutar o espaço em busca de um assento sem fita a dizer que ali não por causa agora de repente não me lembro o quê, encontrei dois e consecutivos assentos vagos dos disponíveis (sem a tal fita proibitiva). Fui, pois, ocupar um. O outro ocupou-se ao mesmo tempo do traseiro de uma senhora visivelmente chateada por eu me ter depositado no primeiro. Inclinou-se então para mim toda expedita e disse numa espécie de francês que estava alguém com ela para vir ocupar o meu recém lugar e portanto eu que saísse. Eu disse-lhe que se a pessoa estava com ela podia sentar-se no lugar da fita do outro lado dela, não havia problema. A seguir a esse, ainda se contava uma cadeira livre mas a fazer a função Garantir Distância ponto PT. Portanto interdita. É uma confusão encaixar pares de pessoas em cadeiras uma sim uma não e por conseguinte dá-se estes desaguizados ainda que mornos.
Bem, a senhora francófona zangada comigo lá encolheu os ombros e, quando a sua companheira, suponho que filha, chegou, bem lhe ralhou, reclamou, e o meu lugar, não guardaste, nha nha nha, mas em francês. A já não zangada comigo senhora explicou à zangada filha a minha mensagem maravilhosa e esclarecedora. Tudo então se apaziguou. A outra sentou-se, portanto, na cadeira da fita proibitiva, mas sem infração neste caso, como já se percebeu, que eu gosto de explicar tudo direitinho. Então ficaram as duas francesas, lado a lado como queriam, totalmente dedicadas a dedilhar nos respetivos telefones móveis e eu a voz não mais lhes ouvi. 
Que lindo. 

22/07/2021

Cuidado com a mulher

Um fraquinho de mês, este. Tem sido, claro está, o trabalho para não variar. Bem, na verdade, o trabalho e os veados. Por causa deles, temos andado a fazer os raides ao cair da noite na serra a ver se vimos alguma coisa. E sim, oh se vimos! Até um javali adulto, bem escuro, estava no meio da estrada todo preparado para iniciar a sua caminhada apressada (aquelas pernas curtinhas a dar o litro) de retorno ao abrigo do eucaliptal. Os javalis devem ficar fartos de eucaliptos, se calhar por isso é que este veio passear para a estrada para variar um bocadinho de ambiente, mudar de ares. E logo a seguir ao avistamento do raro suíno, não é que avistámos um raro canídeo a correr a correr de cauda com ponta branca, também conhecido por raposa? Ah pois é (bebé)!

Há dois dias, ainda não tinham dado as quatro da tarde, eu estou no terraço a trabalhar (claro) e oiço atrás de mim krrshsshsh krrshshs. Quando me viro para ver quem produz passos que não podem ser nem de passarinho nem de gato, dou de caras, aqui no abandonado jardim do lado, onde sobram por exemplo barras de suporte para anteriores colmeias de criação de mel, dou eu de caras, dizia, com a situação abaixo ilustrada. 


(mãe e filho, ou filha, pensando em veadês "cuidado com a mulher" - mas, não sendo esta muito muito assustadora, ainda deram tempo para os fotografar e até filmar) 

21/06/2021

Cuidado com o gato

A noite foi melhorzinha. Devido a estar tão necessitada dela, e de sono, não atendi aos chamados repetidos da Marble à minha porta por volta das seis. Desta vez ela não a conseguiu abrir, ou não tentou, e eu virei-me para o outro lado. Mas quando a saboneteira nova que a Saminhas trouxe ontem do IKEA se partiu na casa de banho por causa de certa patinha branca que a deitou ao chão com o intuito de realmente arrancar alguém da cama, levantei-me pois bem informada do sucedido pelo catrazsh. Em matéria de saboneteiras, e vão duas partidas. 

Antes de começar a rever o trabalho para entregar hoje até à hora do almoço, reparei que o lenço de papel que está em cima da secretária para o que for preciso, por exemplo, apoio na limpeza da boca durante a degustação de cerejas, situação que se verificou ontem pela noite de trabalho adentro, está tingido da cor delas. Trata-se de um roxo suave, muito bonito, perfeitamente capaz de me recordar que hoje começa o verão.

09/06/2021

Planos inclinados

A miúda a quem há uns anos tentei ensinar física - planos inclinados, forças, componentes em x e y  – e também alguma química – reações entre os elementos naturais que tinham de dar sempre certo - e que trazia com ela mais preocupação no arranjo das unhas e do cabelo e nas diferentes capas do telemóvel do que naqueles assuntos, a miúda que, para começarmos a sessão eu tinha de lhe dizer, então agora tira lá o caderno e o lápis, essa miúda vai abrir um centro de estética. Está, então, explicado o meu total falhanço.

(Não vale a pena tentarmos fintar a natureza porque, felizmente, ela leva sempre a melhor.)

08/06/2021

Malware

Mesmo dentro de casa com tudo fechado, ouve-se as máquinas lá fora. Pelo continuado do som, estimo ser um trator a trabalhar a terra dele. Se o vir, fico logo alegre – a imagem de um trator a trabalhar a terra dele faz-me isso - mas ouvi-lo apenas não. Estou no andar de cima, na minha lavoura (para não repetir trabalhar), tenho uma vista verde, extensa e luxuriante à minha frente, lavo nela os olhos as vezes que eu quiser, lavo lavo, mas não os ouvidos. Ao mesmo tempo, vem do lado esquerdo uma cantoria aguda que estimo ser emitida pela vizinha cujo holandês me escapa em noventa e cinco por cento (na realidade, só lhe apanho uma palavra e sempre a mesma, que é “misschien”* e que ela pronuncia, em vez de “mecerrin”, “mechin” e, como a pronuncia em duplicado, “mechin, mechin”, dá para cinco por cento da conversa), mas também pode ser um dos netos, que de vez em quando vem passar umas horas com estes avós. Além de que, e vou já já fechar o balcão das queixas (ah ha! eu também duplico palavras), além de que, dizia, esta manhã logo cedo passou o carrinho da junta a aparar a relva em frente às casas, dispersando o seu próprio ruído imenso. A boa notícia vem agora: consegui encontrar a solução para as mensagens suspeitas que o meu telefone coitadinho recebia desde há dois dias, à cadência de vinte por hora, tipo isso. As muitas muitas (ó!) mensagens alertavam para um problema iminente e convidavam com vermelhos e azuis berrantes a seguir ligações "salvadoras" (também se pode fazer as aspas com os dedos a riscar o ar). Não segui nada, claro. Investi, antes, com a solução explicada na querida Internet que foi totalmente eficaz, quer dizer, dizimei a intenção do malware. Mas não sei traduzir malware.

*talvez

02/06/2021

Avelã ao cubo

Mal me apercebi que era o dia das crianças - já a tarde ia apuradinha - aproveitei o facto de ainda ter uma filha em casa, à mão de semear, e combinei com ela levar as nossas crianças interiores (c' amoor) a jantar fora. Escolhemos o Cantinho do Avilez e sentámo-nos na esplanada. Encomendámos a sangria branca e duas entradas, peixinhos da horta e queijo com chutney de tomate. Este post parece um menu mas não é, uma vez que não há aqui nenhum quê erre código para fotografar com o telefone nem uma azeitona recheada em cama de alface, por isso adiante. A Saminhas comeu a salada de quinoa e eu uma massa com camarão e manjericão, que estão aqui estão a querer rimar com também pedimos pão. Vento não havia, nem aragem corria (outra vez?!). A correr passou mas foi um grupo de pessoas e mais tarde outro de bicicleta. A noite vinha caindo com preguiça como se estivesse sólida, colada ao teleférico parado ali tudo. As nuvens que tinham vindo passar o dia ao céu local já haviam ido pairar para a outra banda ou para outras bandas, isso não poderei precisar. A minha atenção neste ponto estava detida no absorver da sobremesa de avelã ao cubo (a-ve-lã e-le-va-da a três), primeiro comecei eu a engoli-la a ela e no fim ia sendo ao contrário se eu não me tivesse agarrado com força à colher. A sangria branca também estava a pedi-las, mas deixámos um fundinho no jarro não fosse o caldo entornar-se (cuidado com o cão: esta sangria é para aqueles que pedem normalmente sangria e para aqueles que – como eu – dizem que nunca bebem sangria, nem pensar, só vinho e outras bebidas igualmente autênticas, hã?). Estou a falar a sério.

30/05/2021

Dupla inteligência

Mais uma noite mal dormida para a coleção. Segundo o meu fiel relógio em combinação com a aplicação no telefone, acordei às 4h36, mas eu sei que foi às 4h23. Ambos estão perdoados pela imprecisão, uma vez que entre uma hora e a outra eu estava acordando de fininho, fazendo o possível por voltar a cair no sono. Ingenuidade a minha, evidente que não voltei. Note-se porém o ter escrito as frases anteriores completamente em português. Por exemplo, relógio, telefone, sem referência à dupla inteligência de que beneficiam os dispositivos em inglês, a aplicação por inteiro. Fica o texto mais parece que limpinho.

Quando, pelas seis horas, depois de acabar o livro que vinha lendo, fui inaugurar o dia na cozinha, tornei a ser invadida pela urgência de lavar os vidros. É capaz de não passar de hoje, pelo menos poderei aproveitar o facto de os meus dias serem tão mais longos.

A Marble estava a observar alguma coisa lá fora, no sol da manhã e através dos sujos referidos. Aproximei-me e vi com ela. Um casal de melros ensaiava a produção de mais alguns. Nunca tinha visto. Mas é a primavera, é domingo e é tão lindo.

26/05/2021

O fim da cena, dia catorze

Pelas minhas contas, os catorze dias terminaram hoje às dezasseis horas. Dei uma margem de segurança e pelas dezanove verti-me completamente para a rua. Cumprimentei a vizinha do oitavo que estava à espera de alguém ali no passeio, sorridente de máscara no queixo. Oh, queres ver? Indaguei os meus botões se ainda era de trazer a máscara na boca e no nariz ou se tinha havido um abaixamento das regras. Os transeuntes locais esclareceram rapidamente, era era, boca e nariz, querias! Continuei, então, confiante e com o sorriso ocultado. Esta ocultação sendo um extra bem-vindo, uma vez que caminhar pela rua sorrindo como se tivesse estado enclausurada catorze dias podia parecer esquisito. E de repente, dou de caras com a coleção de jacarandás a ladear a estrada que se estende perto. What?!* Todos abundantemente em flor!!!!! E eu sem saber de nada. Ainda por cima - continuando a andar - não é só os jacarandás naqueles propósitos todos, também os pequenos canteiros colocados à laia de apontamentos do bairro, um aqui outro ali, tudo florido a abarrotar! Na sua maioria de violinos, uns riscados de branco, outros em cor inteira. Uma composição em tons de música para os olhos. Os carros sinceramente. Passavam como se coiso, como se aquilo fosse o quê, nada, não se percebe. Eu cá aproveitei, que durar não duro sempre, lavei os olhos bem lavados mas foi. 

*exclamação proveniente do post anterior.

25/05/2021

Quarentena, dia treze

Hoje venho falar dos meus sapatos de ténis novos ou sapatilhas como se diz, melhor, no norte. Inspirados na nova dança que me salvou estes dias interiores, eles chegaram hoje. Como não havia o meu número, que deve ser o mais corriqueiro porque estava esgotado em todas as cores deste modelo que eu queria, as sapatilhas são meio número acima do meu. Talvez até deixe crescer um bocadinho as unhas dos pés, para aproveitar o espaço extra. Acho que se chama unha francesa a isso. Mas nos pés (um caso a estudar quando não tiver nada melhor para fazer). Depois de apreciar o belo par de todos os ângulos e lhes enfiar os pés dentro com meias acabadas de sair da gaveta, sim sim, vejo no interior da caixa uma folhinha de instruções que me fez abrir mais um bocado os olhos. Trata-se da documentação dedicada à hipótese de devolução do produto. Vem até pré-preenchida com os nossos dados, meus e dos sapatos, género declaração do irs. Mas as instruções! Por favor, experimente os sapatos com meias limpas. Certo. Por favor experimente-os dentro de casa num chão limpo. Se alguns pelos de gato não contarem, certo também. Por favor tenha cuidado para não sujar os sapatos, por exemplo com maquiagem. What?! (como diria a Saminhas) Maquiagem?!... Sinceramente! Experimentar os sapatos na cabeça, ou na cara, é isso?... Não percebi. Mas também não faz mal, porque não os vou devolver, até já fizemos a dança nova em conjunto, um trabalho de equipa como deve ser. Ah, senhores!

24/05/2021

Ligeiramente bobona, dia doze

Quando a campainha soou pensei que finalmente tinha a PSP à porta. Mas era a caixa da WOOK estendida à distância com os meus três livros novos lá dentro e um cremezinho de oferta. Um dos dois livros que vieram de boleia acompanhar o líder do grupo, metodologia de compra que já tive oportunidade de explicar neste fórum, eu não fazia gosto nenhum de o ler muito menos comprar há um mês atrás. Mas na altura da encomenda em linha encontrei-me, admiradíssima, a escolhê-lo*. E agora estou cheia de vontade de lhe pegar. O que a quarentena faz a uma pessoa, poças.

*”O desassossego da noite”, de Marieke Lucas Rijneveld

23/05/2021

Vale uma vintena, dia onze

À hora do almoço, para descansar de ecrãs e por gosto, li a crónica do Jorge Buescu na última Ingenium. Desta vez, ele ensina a fazer experiências caseiras surpreendentes, descobertas por um senhor japonês merecedor de vários adjetivos. Quando acabei de comer fiz a primeira experiência, a do papel. Fiz direitinho, cumprindo igual as instruções e pensando, “ah… não acredito…”. Agarrei com os dedos e ... puxa, não é que funcionou?

Para quem queira experimentar, a receita pode ler-se abaixo se se desejar. Se não se desejar, também pode.

(adoro coisas destas)

(esquecer os ovos, não são)



E para quem queira ainda mais:

22/05/2021

Quarentona, dia dez

Ao décimo dia pensei estar no mínimo meio louquinha, a bater com a cabeça em algum lado. Mas tirando a desilusão de ainda não ter sido visitada pela PSP a verificar o meu bom comportamento, vai-se andando. Cantando e rindo em parte, mas especialmente dançando (calma, não vou repetir). Só tenho pena de não ter um ginásio em casa, aí é que era (só isto). Fiz pois uma sopa das grandes e frango estufado com ervilhas, que é um tema recorrente, tanto aqui como na minha cozinha. Gosto imenso, porque aquilo faz-se sozinho enquanto eu estou na lavoura, que lá isso trabalho não tem faltado. Para o meu radiozinho despertador com miados nas madrugadas, cozi à parte uma perninha de frango sem sal, temperada portanto à moda destes posts emitidos a partir do período mais longo da minha vida assim fechada em casa. Que me lembre, claro.

21/05/2021

Quarentena, dia nove

A planta de flores vermelho-vivo que comprei no início de março ganhou pulgões que mais parecem pulguinhos. São muitos e são mínimos. Os pulgões que atacaram, numa outra primavera, a família de orquídeas é que sim senhor, deitavam corpo de pulgões (e exterminaram as vítimas na altura, nem é bom falar nisso). Estes são muito menos encorpados, como já disse, e portanto não se fizeram notar em tempo útil. As folhas da planta estão a ir do verde para o amarelo e as flores caem umas após outras, destroçadas. Perdido por cem perdido por mil, optei por tentar trazer a planta à vida, exterminando drasticamente os pulguinhos, para variar. Com este propósito em mente e à falta, um, de stock inseticida em casa, dois, de liberdade para eu ir à rua fazer compras e, três, de vontade da minha filha para ir ela comprar químicos de matar bichinhos, agarrei-me ao pulverizador com vinagre e citrinos. Este foi fruto de um deslize no ano passado e no sentido de formular produtos de limpeza biológicos caseiramente, essas coisas. O pote de vidro utilizado para o preparo era mesmo bonito para dar um impulso positivo. Vinagre e água vertidos para cima de um monte de restos de citrinos, em proporções iguais. Deixe a composição maturar durante duas luas ao sol e ao calor e no fim ganhe coragem para abrir o pote. Obedeceu-se e verteu-se o líquido alaranjado para o recipiente pulverizador novo, comprado para o efeito. Não sei se teria ajudado inserir um pauzinho de canela, uma colher de chá de chocolate em pó ou mesmo um cheirinho de vinho do porto, para ajudar na maturação (e no aroma). O certo é que o produto de limpeza biológico caseiro saiu a tresandar a vinagre e, portanto, se queremos limpar a casa com ele, temos de fugir a seguir. Volvido este ano louco, decidi recuperar a boa intenção do fundo do armário dos produtos químicos de limpeza com aromas tão lindos a limão, montanha e floral, e dar-lhe uma segunda oportunidade no combate aos pulguinhos. Pulverizei-os, pois pois, com o vinagre citrinoso abundantemente, ou seja, mesmo à grande. Muitos já foram perecendo, é certo, mas a planta sei não. Continua muito em baixo.

20/05/2021

Olha a ladainha, dia oito

Hoje de manhã dediquei o escorvar do dia a uma visita à livraria. Quando vi que a Djaimilia Pereira de Almeida lançou um novo livro, fui logo comprá-lo. Ter lido “Luanda Lisboa Paraíso” bastou. Porém, como não gosto de comprar um livro só de cada vez para que ele não se sinta desacompanhado na caixa de expedição desde os armazéns da Porto Editora até Lisboa, coitadinho, fui à pesca de mais dois, para aconchegar. Já tenho então três a caminho, se as contas estão bem feitas, que só dois é pouco. Mas claro que andei a vaguear pelas montras. Peguei na Julia Navarro e na Maria Dueñas, hoje acordei algo hispânica, mas nenhuma me conquistou pelas sinopses. Nem sequer pelos inúmeros comentários de leitores entusiasmados. Gosto de ler os comentários e já tenho lá uma ou duas pessoas de referência capazes de, sem saberem, me encaminharem para terreno firme quanto à leitura. Na generalidade, os comentários são mais ou menos elaborados, empenhados, honrando o papel informativo a que se propõem. Mas hoje notei que, entre os de puro-sangue, obviamente autênticos, há alguns completamente fora da caixa (embora dentro dela; isto trata-se de uma figura de estilo da atualidade). Exemplos: “Ainda não li o livro, mas deve ser bom, estou com muita vontade de o ler!” ou “Acho que a minha filha vai gostar, comprei para ela!” ou ainda um vazio “Muito bom!”

E de repente caiu-me a ficha, ah!. Está então explicada a mensagem recentemente enviada aos clientes informando, com muito jeitinho, que o euro de bónus atribuído ao leitor por cada comentário a um livro que tenha adquirido, só será creditado se aquele refletir realmente a opinião sobre o livro, uma vez que é esse conteúdo que pode servir a outros leitores e tal e tal. Quer dizer, abusadores miseráveis.

19/05/2021

Cuidado ó morena, dia sete

Durante a tarde, recebi no desassossego do lar várias buzinadelas já filhas de um novo trânsito, desconfiado. Finado, desconfinado. Elas vieram importunar-me a pobre memória que ainda estava de férias destes ataques. De volta à realidade, é o que é, e as buzinas não atuavam sozinhas. Havia também que acomodar nos ouvidos martelos num andar próximo aos encontrões às paredes, de modo que fugi para a minha nova atividade caseira e dançante, suportada (não vou dizer empoderada, credo) suportada, repito, pelo sempre disponível Youtube. Pelo menos nesta fonte o barulho do tipo obras vem mais organizado e abafa as buzinas da rua, é sempre a faturar. Ando tão contente com isto que até me dá vontade de oferecer um presente aos vídeos.*

*inspirado na Clarice Lispector que queria oferecer um presente à sua máquina de escrever por gostar muito dela.

18/05/2021

Quarentinha, dia seis

Numa primeira abordagem, fiz do escritório ginásio. O vídeo com a dança escolhida foi para exibição no ecrã maior e no outro ficou em pausa a última folha de trabalho. Estática, afixada e acesa em todo o seu espectro de possibilidades, quer dizer, com as cores impostas para realçar urgências, blocos aprendidos ou indecisões, a folha de trabalho atrapalhou-me suficientemente bem a orquestração dos passos, há que admitir. Para além disso, naqueles orientados a norte, em marcha à ré, os encontros com os puxadores salientes da cómoda, minha intrometida espetadora de plateia, não deixaram saudades. Portanto, empreendi a mudança do ginásio para a sala. Aí, por prevenção, introduzi alterações com vista ao alargamento, após o que o espaço ficou a roçar a perfeição. Atirei-me, então, ao trabalho por fora (como traduzir workout bem traduzidinho, hã?) e com isto quero dizer que me atirei a ele com unhas, dentes e o resto, tudo incluído. Parar é que foi difícil, foi foi.

17/05/2021

Quarentena, dia cinco

Não muito longe de parar para o intervalo do almoço, eu ainda derrapando pelos temas afora em deslizes contidos, explicados e discutidos, toca a campainha. A Marble é capaz de abrir portas interiores, mas a exterior ainda não está no âmbito das suas competências, de maneira que ninguém lá foi. Interromper a formação para ir atender a porta, psss. Já vi atenderem o telefone enquanto davam um curso presencial, com licença senhores participantes que está aqui o meu filho a ligar é só um momento, mas essas não são as minhas maneiras. No final do dia, quando abri a porta para ver que tal o tempo no patamar do elevador, estava um tímido pacotinho encostado à soleira, em cima do capacho, oh!. Recolhi-o e recolhi-me levando o embrulho para dentro e a quarentena muito a sério. Por isso é que já tenho planos para amanhã, um novo exercício caseiro. Estou ansiando. A música - que é em parte do tipo obras-no-prédio perdoa-se completamente pela beleza dos movimentos. Não se pode ter tudo, pois não?


16/05/2021

Grande mandriona, dia quatro

Entre o final da manhã e o almocinho meti quarenta e cinco minutos de fitness dance floor eighties, ou coisa assim, uma coleção de movimentos com música dos anos oitenta misturada à la anos dois mil, o que não tem graça alguma, a parte da misturada, mas isso agora não interessa nada (e rimou, parece-me). O que interessa é que me senti como quando vinha das aulas de dança nos tempos em que éramos tão novos e sabíamos tão pouco do que estava para vir, ou seja, senti-me feliz.

Apanhando boleia do poema do médico e maravilhoso poeta João Luís Barreto Guimarães, agradeço eu também.


A última palavra deste poema, e do livro, é também o seu título e, portanto, a sua primeira palavra. 
(que coisa linda)

15/05/2021

Mas que pena, dia três

Anda por aí um livro a exibir-se pelo menos em escaparates de supermercado e livrarias online, que me perturba. Na capa, em letras suficientemente grandes para até eu ler sem dificuldade, apresenta uma frase exclamada, mentirosa e irritante que lhe serve de título. Trata-se de uma declaração no contexto dos casais quase-pais, diz: “Estamos grávidos!” Senhores editores, não. Não é estamos é estou e não é grávidos é grávida. É preciso ter cuidado, podem passar ali crianças. Um homem lá porque vai ser pai não fica grávido. Um homem quando vai ser pai fica num estado situado ao lado de uma grávida, na hipótese mais aproximada. Portanto, esse título mentiroso, possivelmente arrastado nas ondas da inclusão emitidas sem antes alguém pensar com o cérebro, esse título que pode induzir crianças pequenas e outras pessoas desprevenidas em erro devia ser substituído pela verdade. Por exemplo: “Estamos num caso grávida e no outro ao lado dela, ambos num entusiasmo igualmente intenso porque vamos ser mãe e pai, respetivamente.” Assim sim. Até eu ia a correr comprar um exemplar só pelo gosto de ver um português honesto. Um bocado comprido, mas honesto.

14/05/2021

Quarentona, dia dois

Ia-me esquecendo de entregar a declaração do IVA, mas ainda fui a tempo, um alívio. Lá me safei de pagar multa, que isso eles não falham, são uns queridos. Uma vez tresmalhei-me sem querer e esqueci-me do prazo, coitadinho. Quando bati com a mão na testa e fui a correr pagar o imposto devido já era uns diazitos depois. Evidente que o castigo estava bom, obrigada, educadamente à minha espera na forma de um acréscimo adorável a título de multa. Impossível não achar esta dicotomia muito fofa. Por um lado, uma pessoa tem de entregar ao estado com e maiúsculo, os impostos tudo certinho, é para isso que servem os prazos, evidentemente. Por outro lado, este mesmo estado com e maiúsculo de vez em quando sofre de esquecimentos mas não é de diazitos, é de meses (sempre são esquecimentos como deve ser), para pagar o trabalho da pessoa. Não vá andarmos para aqui contribuintes com a mania das grandezas e mesmo felizes da vida: ao menos assim arranja-se motivo para a gente se poder queixar com propriedade, o que dá um acabamento muito mais sexy e atual. Andar contentes o quê, isso nem sequer está na moda, pá.

13/05/2021

Quarentena, dia um

Hoje só jantei disparates. Fui arranjar uma taça de leite sem lactose com flocos de milho normais e comi-os em frente ao computador a visitar a Wook a ver se me animava. Não animei. Por isso não meti mais livros no carro de compras virtual a juntar aos dois que lá deixei antes das seis da manhã. Depois da taça de flocos de milho sem lactose com leite fui comer a segunda mas pelo entremeio dei um bocadito do leite à Marble e ela bebeu-o todinho, estava com fome. Decerto foi de ter vomitado no chão da sala a meio da tarde. Agora está enroladinha a dormir ao pé de mim – acho que o ruído das teclas a embala, assim como a minha voz quando lhe falo baixinho. É por isso que me deixa cortar-lhe as unhas na boa – desta vez até me lambia a mão ao mesmo tempo. A seguir à segunda taça de flocos sem lactose de milho com leite ia para comer a última maçã do cesto, mas estava ainda mais podre que a do almoço e foi direta para o lixo. Então optei pela única laranja que restava lá, junto a algumas batatas ao acaso. Eu já sei há muito tempo que a laranja em cima de uma refeição, ainda que sem lactose, não me cai bem nenhum. Laranja esta que para ajudar e me animar foi secundada por uma rodela de chocolate de leite com um coração a cavalo. Só asneiras e agora estou a ir para a cama muito mais gorda do que devia.

Foi você que pediu detergente para a máquina em garrafa de PepsiCola? Não. Fui eu e a Saminhas foi comprar.

28/04/2021

Dispositivo programador de interruptores com temperatura de luz morna (é o que é)

Duas casas holandesas mais abaixo, vivia uma senhora avançada em idade e a precisar, desde há tempos, de cuidados de saúde e ajuda nas tarefas básicas. Vinham profissionais dos respetivos serviços. Às vezes, levavam-na pela manhã organizada e traziam-na à tardinha em ordem. À noite, quem passasse na rua sem saber, podia até desconfiar que ali se vivia um ambiente todo acolhedor. Dentro, vislumbravam-se abat-jours em cantos de sala, entre mesinhas, sofás e vasos de orquídeas à janela. Deitavam uma luz morna, dentro da qual só podia caber alegria, bem-estar e música boa acompanhando o som de talheres com aroma a jantar. Há uma semana, mais minuto menos segundo, a senhora foi considerada não apta à situação então vigente, por via de uma queda, e foi recolhida para um lar. A casa ficou vazia. Não passaram porém dois dias, mais segundo menos minuto, e veio alguém profissional, agora de outro ramo, empenhar as jornadas de semana, das oito às cinco, precisamente, na operação de obras no jardim. Entretanto, o quinhão do lado da frente, junto à estrada, já ficou pronto. Exibe nitidamente geometrias. No chão, encontro de ângulos retos, agudos e obtusos de cascalho, relva viçosa e ripas de madeira por escurecer ao sol, obedientes a planos e esquemas. Ao alto, excentricamente, um arbusto vertical com três esferas de folhas perfeitas e diâmetros diferentes, dispostas espaçadamente, ergue-se com o seu fino tronco apontando ao céu. Não sei como fazem aquilo ao arbusto. O jardim foi sujeito, portanto, a uma cirurgia estética, mas não plástica. À noite, quem passe na rua sem saber, pode até desconfiar que ali se vive um ambiente todo acolhedor. Dentro, vislumbram-se os abat-jours em cantos de sala, entre as mesinhas, os sofás e os vasos de orquídeas à janela. Deitam a luz morna, dentro da qual só pode caber a alegria, o bem-estar e a música boa acompanhando o som dos talheres com o aroma do jantar. Mas a casa continua vazia.

26/04/2021

Como se só houvesse algo a dizer quando é de mal

Estão zero graus lá fora mas a sensação real, diz o previsor eletrónico, é de menos um. Precisamente por esta razão há canteiros de flores cobertos com mantas, no caso da vizinha do lado direito, e lençois, numa instância mais acima, noutra rua, isto já desde ontem ao cair da noite holandesa. Não conhecia a prática de cobrir flores com mantas (ou lençois). Só conhecia cobrir os joelhos, os ombros e também o corpo humano na sua quase totalidade (uma vez que normalmente a cabeça fica de fora). As nossas flores, por estarem envasadas, vieram passar a noite gelada dentro de casa. Apesar disto, vai estar um dia de sol.
No mesmo previsor eletrónico, em Lisboa diz que vai chover. Ora eu estou mais calhada para sol do que para chuva, portanto não tenho nada a dizer (nota-se).
(fotografia inspirada no post anterior, para enfeitar) 

22/04/2021

O processo (mas outro)

Amanhã é dia de esvaziar caixotes na rua e em toda esta pequena cidade holandesa. Até que enfim. Uma pessoa está aqui há tantos dias, toda meio confinada meio testada negativamente meio a caminhar na rua desmascarada e ainda uma pessoa não viu a cena mais excitante a alterar a ordem e a tranquilidade muito lindas e que é o esvaziamento de caixotes temáticos. Já sabemos que este é um processo operado por um camião de braço lateral mecânico que aparece na curva impecavelmente limpo. De tal maneira que a gente se distrai do teor lixeiro da situação. Bom. Portanto hoje é o dia de posicionar o próprio caixote da modalidade certa, de forma orientada a sul e à distância bem medida, constante, conhecida de toda a gente, da borda do passeio do lado norte da rua. Ainda não tínhamos chegado à hora de almoço e já havia dois lá fora, alinhados em sentido, aguardando o momento da sua agitação, o momento em que ficam de cabeça para baixo e rabinho para o ar. Como vai ser a vez dos de tampa verde, ou seja, dos de coisas naturais, quer de comer, como caroços de maçã, talos de bróculo ou cascas de batata doce, quer de olhar, por exemplo flores danificadas pelo tempo ou pedaços de sebe que ousaram passar os limites geométricos obtidos cuidadosamente para o jardim, mas como ia dizendo, como é a vez dos da tampa verde, os vizinhos da frente andam desde manhã, de luvas calçadas, a tratar de remover os verdes dejetos indesejados para encher os seus contentores de lixo fresquinho, mesmo antes do processo referido. A eficiência está na ordem do dia, um presente arrumado em caixas imaginárias esculpidas nem que seja no ar primaveril, temos de admitir. Mas note-se que disse contentores no plural, "os seus contentores". Sim, este casal da casa em frente possui não um mas dois na variedade tampa verde. Isto deve-se a uma política orientada para o ambiente. Por outras palavras, deve-se ao simples facto de o segundo contentor – obtido mediante pedido expresso às autoridades competentes - ser de utilização gratuita. Isto o de tampa verde, frisemos. Porque caso algum habitante se ponha por exemplo em exageros na utilização de plásticos e outros materiais de embalagem, enchendo o seu contentor dessa espécie em menos tempo do que aquele que medeia duas passagens do respetivo imaculado camião, esse habitante tem de pagar o segundo. Tem tem. E quem diz o das embalagens, diz o do papel e o do lixo sobrante, de tipos indefinidos, o lixo que os caixotes temáticos não querem. Ora eu, que sou má como tudo na versão holandesa, acho isso mesmo muito bem.

13/04/2021

Uma pessoa nem dá pela chuva

Estou de volta a Lisboa. A viagem decorreu sem singularidades até ao quilómetro 37 da autoestrada A1. Bem ali no começo da zona em que só queremos é embrenhar-nos totalmente na querida capital muito depressa e esquecer todas aquelas construções e painéis horrendos que – vale a pena referir – não fazem totalmente jus ao resto da cidade. Tem muito de feio, Lisboa, mas também não tanto assim como poderia pensar quem entra desprevenido pela A1. Continuo sem compreender a razão de existir daqueles painéis verticais, enormes e desesperados implorando anúncios que, como toda a gente já devia saber, mesmo pessoas pouco modernas como eu, não querem ir para ali, estáticos. Não desde que podem instalar-se dinamicamente em ecrãs pululantes sobre os quais dedos deslizam. Painéis tão feios quanto inúteis, mas adiante, quem sou eu para dizer estas coisas. Ao quilómetro 37 apareceu a singularidade muito frequente no passado e quase ausente do presente: uma grande fila de trânsito, neste caso devido a obras. Tive de reaprender a segurar o pé no travão por muito tempo seguido. Já levava os músculos da perna direita totalmente destreinados da operação, mas vá lá que me safei. Como recompensa, tenho o sossego de estar em Lisboa. Milhares de pessoas vivendo no mesmo bairro, postas por patamares, elevadas por elevadores e abaixadas por eles. Eles que podiam, em alternativa, denominar-se abaixadores. Mas quem quer abaixar-se quando pode elevar-se? Milhares de pessoas tão próximas e tão longe de ideias como virem bater-me à porta a perguntar se quero ovos, pararem-me na rua indagando se sei de alguma casa à venda e, já agora, se a cascata fica longe, pessoas ficando contentes com o meu regresso e prontamente sugerindo mais logo um café no terraço, um café que se estende por toda a tarde, o vale ao fundo, o tempo fluido em torno, os milhafres, a gataria no cio, os piscos de peito ruivo certeiros nos intervalos da vedação, todo esse exagero de vida. 

Um sossego, Lisboa.

31/03/2021

É favor desculpar qualquer coisinha, mas o que tem de ser coiso

A direção geral da saúde (e não de saúde, embora esse seja o estado que todos desejamos a qualquer direção geral, evidentemente), a direção geral da saúde, ai, diz para as pessoas ficarem em casa. A sério, diz diz. Agora já não é só pelo motivo que toda a gente com mais de dois anos de idade sabe, mas também por causa de poeiras africanas que deram entrada possivelmente pelo Algarve, as porcas. Realmente notei qualquer coisa ontem quando fui levar o final da tarde ao rio e mostrar-lhe como está melhor o meu dedo, coitadinho. Mas não liguei muito a isso e até já estava a tentar ver naquele tom amarelado (que a fotografia da direita não sei se captou) uma certa poesia e assim, tipo manias. Porém, como ia ao telefone com a minha mãe e ela me avisou logo das poeiras, filha tu vê lá as poeiras, abandonei o projeto poético. Mesmo assim, fica a menção a elas no bloguezinho e a fechar o mês, o que já não é nada mau.

Abaixo: descubra as diferenças (uma tem mais vinte e quatro horas que a outra, que amor).



24/03/2021

A tampa fora de si

O voo descendente do frasco de café e mistério a ele associado podia ser o título de um livro se não quisesse ser de um poema. (mas a especialidade desta casa não é essa)

Claro que não estou a inventar coisas, aconteceu de facto, pela – não mão, mas – patinha branca de perfeição total, na forma e na beleza inerente, que esta noite, por via, talvez, de eu lhe ter recusado comidinhas para gato e outras atenções às quatro da madrugada, que esta noite, dizíamos, decidiu ir chegando, com jeitinhos lá dela, muito elegantes, tip tip, o frasco do café até ao bordo do balcão da cozinha entregando depois o assunto nas mãos da gravidade, que nunca falha, e eu, claro, eu com o catchapumbum de grande porte que ecoou pela casa, acordei (outra vez). Quando cheguei à cozinha, a cambalear – o sono, o andar ainda torto, por afinar – e a apertar o roupão para substituir num instante o quentinho da cama, observei com espanto que o frasco de vidro resistiu ao embate. Estava em pé, numa só peça, quer dizer, completamente inteiro. A tampa sim fora dele (a tampa fora de si!) a seu lado no chão e alguns pós de café moído também, mas não muitos. Lá que o tip tipezinho foi cirúrgico, deu para perceber. Todavia, não pude ainda compreender, nem com toda a minha física atómica e molecular, que voltas deu o frasco, já dissemos de vidro, para cair assim, de pé, todo ele tão graciosamente intacto.

17/03/2021

E depois mudei para a Antena 1

Quando, no meu novo espaço de trabalho, instalei a pequena aparelhagem de rádio e leitor de CD que comprei na Internet, comecei por sintonizar a Smooth FM. Já sabia que a Antena 2, teoricamente a minha estação de rádio preferida, não me servia ali por duas razões: uma, sintoniza mal a onda e isso obriga-me ao suplício de ouvir ruído branco e, duas, começou a incluir no seu menu habitual programas de folclore. Ora folclore não obrigada. Por isso mudei-me para a Smooth FM. A Smooth FM passa sempre as mesmas canções, mas eu ainda não sabia. São canções a roçar o género Jazz, ao estilo americano. A Smooth FM podia ser uma boa rádio se passasse Jazz original, uma Ella Fitzgerald, uma Billie Holliday, uma Sarah Vaughn, ou um Frank Sinatra, um Oscar Peterson, entre tantos outros. Mas não. Esta rádio passa sobretudo imitações, tributos, cópias. Como oiço rádio enquanto estou a trabalhar, oiço-a o dia todo. Por isso, passados alguns dias de Smooth FM, comecei a achar a música insuportável. Alguns intérpretes, imitadores baratos, ora desafinando obscenamente, ora gemendo em vez de cantar, faziam o meu braço saltar e carregar rapidamente no botão que corta o som. Uma destas vozes foi a rainha do voo do meu braço para esse tão útil botão. Quando ela começava a cantar, era como se viesse meter na minha garganta um pacote inteiro de manteiga rançosa a escorrer, insultando todo o meu interior. Se ainda se vendessem discos, era de afixar um dístico na capa destes hipotéticos exemplares à semelhança do que se faz com os maços de cigarro: ouvir isto provoca náuseas. Chama-se Anita Baker.

15/03/2021

Sermos felizes para sempre

Fui tomar café a um postigo, como é evidente, que hoje já se podia. Tomar café e comprar livros, mas começar comecei pelo café. Quando lá cheguei, pedi um ao postigo. É uma nova espécie de café. Há o curto, o cheio, o escaldado, o pingado, o com cheirinho e a italiana também há. Agora acrescenta-se o tipo ao postigo. Mas disseram-me que em princípio não podiam, que não tinham a certeza se eram um postigo. Porquê, perguntei eu toda achando que sabia. Porque nós não estamos na rua, estamos num centro comercial, disse a senhora lá de dentro do balcão. Ah, então um postigo presume-se que abre para a rua, o ar livre, suponho, emiti em voz alta. No entanto, devem ter visto o meu ar mascarado e esfomeado por um café-café e sim senhor, arriscaram dar-me um. Um que veio servido em copo descartável de papel com tampinha de plástico excentricamente furada. Um furo ovalizado ao baixo pelo qual se pode beber a iguaria. E depois disseram-me que tinha de ir para a rua. Pela primeira vez na vida fui mandada para a rua, se bem que com pouca veemência, portanto não deve contar. Ao chegar a ela, encontrei o sol inteiro para me consolar. Mas aí lembrei-me que umas centenas de passos depois podia beber o querido café em casa e sermos felizes para sempre. Fizemo-nos, então, ao caminho. Enchi-me de cuidados para não respingar nem um átomo da preciosidade através do furo excêntrico e ovalizado ao baixo. Ao cruzar a rua, escondi muito bem o copo de papel descartável com as mãos postas de certa maneira, mantendo-o longe de olhares sabe-se lá quão cobiçosos, os parvos. Era o que mais faltava, fossem lá ao postigo mais ou menos como eu fui. O café é meu. Era. Foi.

12/03/2021

Nunca percebi aquilo do google sinto-me com sorte nem quero

Hoje ainda não fui propriamente andar. Fui sim ao supermercado. No corredor dos feijões, estava uma senhora de cadeira de rodas que ela própria conduzia. Quando me viu aproximar dos tais feijões, dos encarnados e dos da variedade manteiga, dirigiu-se-me com a voz, olhe se faz favor. Para além de olhar, eu parece que sorri, mas não se pode ter a certeza. Ela pediu-me então para lhe meter no saco que levava atrás, pendurado na cadeira, um frasco de feijão encarnado e outro de feijão frade. Entalei, devagar, os frascos pedidos entre uma alface cheia de folhas (de alface) e a parede, digamos, do saco. Avisei a senhora que a situação estava a chegar ao limite da capacidade do mesmo. Ela sossegou-me informando que a seguir ia para a caixa. Enquanto acomodava os frascos, devagar tal como já disse, aproveitei para conversar um bocadinho de nada. Disse-lhe que gosto muito do feijão encarnado mas esta marca da variedade frade nunca comi. Nem esta nem várias outras, o feijão frade é o mais aborrecido no campo dos feijões, talvez seja do nome. E áspero no sabor, ainda por cima. Mas isto eu não disse, para não cansar a senhora com conversa que ela não pediu e que a mim é que apetece. Tivera o saco mais espaço e eu havia de me oferecer com veemência para nele colocar outras mercearias da sua lista. E, claro, continuar a conversa. Talvez sobre a origem do atum enlatado, a filosofia do vazio nas azeitonas descaroçadas, o bico do grão do mesmo e de conserva. Se pudesse até lhe contava da experiência matemática e surpreendente que fiz com estes grãos, mas secos. Ainda por explicar. É que estou aqui estou a pôr-me a falar com toda a gente que me passar pela frente, nem que seja na televisão. Já faltou mais para acender o meu exemplar da caixa que mudou o mundo de propósito. É que já não se aguenta o confinas.

10/03/2021

São sete os brotos contados


Mais a Sul, também se confirma o fenómeno (10.3.21). Estas atrevidas realmente! Pôem-se pela calada a deitar corpinho comprido na forma de uma haste toda feita à janela, que só muitos centímetros depois se faz notar. Por isso deitei-lhe a mão e amarrei-a preventivamente à estaca de pôr o assunto na ordem para lhe conferir ao menos certa verticalidade. Ela aceitou e está de esperanças com sete brotos bem contados.

É domingo (se fosse não era preciso dizer)

São nove e um quarto da manhã. O sino da igreja fez a sua música das nove horas enquanto o sol entrava em vagas indecentes, bem anafadas, transbordantes, dignas de uma inveja magnífica, dentro da cozinha. Aí passava eu um livro à Saminhas para ela acompanhar com o seu café e comentávamos a recente falta de uma nota no sino, o que faz a música habitual parecer um miúdo na muda dos dentes (desabitual).

Mas comecei o dia (não falando no varrer dos cacos das cinco da manhã, não digo quem foi que atirou o candelabro lindo, grande e de vidro com a vela grossa desde o cimo do piano para o chão) a ler a Cláudia R. Sampaio. Os seus poemas são como caramelos absolutos e viciantes, cerejas gordas e pretas comidas num dia de junho, num dia do princípio de junho, em jardim absorto de pássaros, cantos e flores, os poemas dela não se consegue parar de comer, ainda não se acabou um e já se quer o próximo, uma pouca vergonha e não só uma pouca vergonha, como também um domingo inteiro de sol, uma clave e um papagaio maluco tudo junto.

(quem tem gatos tem cadilhos, quem não os tem não sabe o azul e doce, o ácido e musical, o aromático e macio que é tê-los)

(também ninguém me mandou ir para a cama e não pôr o candelabro e a vela a salvo de certas situações)

(tal como já faço com várias outras peças a proteger da morte todas as noites)

(onde é que já se viu)

06/03/2021

Não é domingo

Fui ao supermercado local e não havia nem bicha à porta, nem fila. E nem gel no dispensador para as mãos de quem entra (ou sai). Comprei legumes para sopa e, destes, os agriões foram os únicos a vir em embalagem de plástico. O nabo e a curgete vieram como deus os pôs no mundo e safaram-se perfeitamente. As batatas, como se tratava da família toda, pai, mãe e vários filhos, acomodei-as num saco de rede que vai à máquina. Trouxe um iogurte para me servir de sobremesa ao jantar de sábado em pote de vidro. E já foi. Não soube muito a sobremesa, mais soube a sobremesa saudável. Tudo o que é saudável sabe ou a húmus sem sal ou a sopa fria também sem sal. Ou ainda a folha de alface lavada, não temperada. Tirando o tofu. O tofu sabe a esponja de banho antes de usar e depois de estar ao ar a perder qualquer cheiro químico que possa lá vir. Que isso, o tofu não proporciona, graças a deus. Também trouxe umas amêndoas da Páscoa revestidas de chocolate saudável. Mas desconfio que vai ser preciso meter três na boca ao mesmo tempo para saborear qualquer coisita. 

Ao anoitecer, a gata Marble estava com a vontade habitual de ir visitar o prédio por dentro (é o ir à rua de gato) e foi para perto da porta manifestar aquela inequivocamente. Para bom entendedor (entendedora, só cá estava eu) meio miado basta. Não é bem miado, é krrruuu, krrruuu. Mas meio bastou, realmente. Só que, como eu continuava a trabalhar no computador e não corri a satisfazer os desejos urgentes e felinos, ela aumentou a sua manifestação de interesses deitando abaixo da escrivaninha alta que era da minha mãe um vasinho de barro que uma das miúdas fez na escola e que hoje é o lar de uma suculenta, coitadinha. Aquilo foi um estrondo capaz de fazer sombra às obras do quinto. Claro que acudi logo aos estragos com pá e vassoura. E depois não levei o diabrete à rua.

03/03/2021

Saudades

Depois de almoçar em frente à televisão arroz de camarão com coentros e salada fazendo companhia ao jornal da uma, fui à cozinha tirar um café na máquina nova. Fiz o procedimento devagar. Mudei a água do depósito. Encaixei a base com o plano superior gradeado, depois de a lavar debaixo da torneira. Gosto de encaixar a base na máquina porque me traz a lembrança de construir com peças de LEGO. Admiro o encaixe perfeito das peças. Depois, de regresso à sala e ao sofá, a tarde já havia amadurecido um nadinha mais. Sento-me com o café servido numa chávena Vista Alegre que comprei há muito tempo para aumentar a minha duvidosa felicidade. Silencio a televisão e noto, vindo da rua, o ruído dos contentores do vidro a serem despejados. Hoje é quarta feira. Dia dos contentores do vidro. A janela está ligeiramente aberta e o cortinado branco, fininho, esvoaça um pouco. Agrada-me o ambiente, por isso fico um momento a absorvê-lo, ignorando o ruído. A seguir, respiro fundo e pego no livro da Ana Cássia Rebelo que está há vários dias em cima da mesa de apoio (pronto para receber a atenção que lhe quero dar). Releio algumas páginas que escreveu em 2007. O que será feito dela?

28/02/2021

Centro de dia

Ainda eu andava em trajos menores pela casa, já estava o senhor Valério fazendo uso da sua cópia da chave a meter o seu pai no pomarzito que nos serve de jardim para ele podar as árvores. Ele o pai. As árvores são como já se percebeu de frutos. Mas tirando a pereira que dá umas pêras e pêras, e a oliveirazinha por causa das folhas inconfundíveis, eu não sei de que frutos estamos a falar porque estas árvores não se chegam à frente no que toca a dá-los. Porém o que interessa agora é que o senhor Valério me havia prometido vir trazer o seu pai às dez e, se muitas vezes ele aparece depois da hora prometida, ou não aparece de todo, hoje optou por vir - vá-se lá saber porquê - muito antes dela. Nem bebi o café como deve ser escondida atrás da janela. Entrei apressadamente para o duche imprescindível antes de aparecer ao senhor António, pai do senhor Valério, completamente pronta.
O senhor António está bastante animado a cortar os ramos que ele considera demasiado compridos às árvores, incluindo a que está toda florida de branco e que eu adorava saber que fruto irá ela proporcionar um dia quando se decidir a isso. Para não dar assim muito má imagem, e eu supondo este meu interlocutor um conhecedor da poda, aproveitei enquanto ele tomava o café que lhe ofereci e comentei ao de leve, Nunca sei muito bem se aquela com as flores brancas é macieira ou... Não, talvez pessegueiro ou nectarineira... Nectarineira nunca eu tinha ouvido senão agora mesmo dito por mim, portanto substituí imediatamente por árvore que dá nectarinas.
- É isso, é - esclareceu o senhor António.
- Isso o quê, pêssegos ou nectarinas?... - tenho uma vaga impressão que macieira não será, que essa está mais a nascente e dá flores cor de rosa, que lá flores elas sabem dar. 
- Ou pêssegos ou nectarinas. 

Hum. Há pois que esperar que a dona árvore se decida produzir qualquer coisa que se coma para ficarmos a saber. Mas logo a seguir o senhor António colmatou a sua falta de conhecimento botânico ou agrícola.
- Um dia destes trago cá as minhas ovelhas para lhe desbastar esta erva!
- Ovelhas?... - normalmente prefiro cabras, mas ovelhas também pode ser.
- Sim tenho lá duas ovelhitas que gostam muito desta erva. Vinha cá deixá-las de manhã e buscá-las ao fim do dia.
(Tipo creche ovina. Ou centro de dia.)
- Pode vir trazê-las quando quiser, senhor António. Se vier já amanhã é preferível, porque eu ainda cá estou e sempre dou um olhinho nelas.

(E tirar-lhes muitas fotografias e guardá-las na memória, evidentemente. Já disse que não tenho facebook nem instagram. Também não tenho mbway nem bimby. Nem paciência. Mas vou ter duas ovelhas por um dia.) 

17/02/2021

iminência, Eminência

Penso que me desvio das colisões possíveis em ruas que não largas, embora flutue dentro de minutos brilhando com ciência. À beira de nós o molho de raminhos vivos mostra uma nudez na totalidade de si como pastéis quentes, inocentes. Nem assim me livro da iminência de, não um, mas todos os pássaros. No chão que segue veloz, relativamente, registo esquadrias do mesmo verde. A teimosia a deitar-nos beleza ensurdecedora, ensurdecedora, beleza... Ouvi. Ouviste?

12/02/2021

Tipo três palavras

Hoje de manhã, na reunião em ZOOM, estive de pantufas apesar do casaco de executiva em xadrez muito jeitoso. O cabelo também não foi trabalhado para se apresentar melhor (é sexta feira e isso). De repente oiço-me dizer assim “é o meu sonho” e logo a uma pessoa que tinha acabado de conhecer (no ecrã). Não deu tempo de ficar aflita porque continuei, felizmente, a falar. Notei apenas que a janela não se escandalizou, as cortinas não esvoaçaram, as rosas de tecido muito bonitas na jarra azul fumado não se indignaram. O meu tricô, que jaz praticamente na mesma, também não acusou qualquer sensação, a internet não falhou, isto é, a ordem das coisas manteve-se como se eu não tivesse pronunciado aquelas palavras, como se eu tivesse, por exemplo, dito bom dia ou tipo isso.

***

A Saminhas diz que mesmo que as pessoas como eu (velhas) se esforcem muito a introduzir “tipo” nas suas frases e até consigam (como eu) fazê-lo no local certo da frase, a coisa não sai bem.

- Ai, não? – pergunto à senhora doutora tipo Saminhas.

- Não. É que tipo vê-se logo, mãe, soa mal, fica demasiado “tipu”…

Muito interessante. Somos, é o que é, uns inaptos movimentando-nos desajeitadamente fora da habilidade especial e exclusiva de dizer “tipo” uma vez em cada tipo três palavras. Tipo como é evidente, eu tipo não concordo.

08/02/2021

Dá logo vontade de comer sopa

Na Antena 1 são a esta hora anunciadas prováveis cheias para as próximas horas, com certeza nos interstícios de um território já suficientemente cheio de outras vicissitudes por exemplo do foro da saúde. Ora no terraço tardoz do edifício onde tenho morada fiscal verificou-se já esta manhã uma dessas cheias, um exemplar portanto muito à frente apesar de tardoz. O terraço encheu-se imenso pela calada da noite, tendo apresentado à aurora e aos pombos regionais uma verdadeira piscina sem forma nenhuma de jeito. Mas piscina. Pois os pombos aproveitaram logo para umas chapinhadas na frescura matinal do tardoz (para não repetir terraço). Foram vistos a caminhar nas zonas de pé, ou pata, e banhar como poucas vezes se pôde assistir mesmo que por pessoas já entradotas, agora a sério. Tardoz é uma senhora palavra e é quase tão capaz como hortaliça. Na verdade, nenhuma palavra vence hortaliça. Nem interstícios o faz, vicissitudes ou mesmo entradotas.

04/02/2021

Aromês

Reflito com os cabelos molhados sobre as abelhas produzindo todo aquele mel que não quero ingerir. Antes observar paragens de autocarro especialmente quando estão fornecendo primaveras por cima. Ou, vá lá, o aroma a coco, todo lembrando-me as idas violetas imperiais.

Sim, que leio os rótulos debaixo da água quente com o mesmo empenho outrora produzido frente à caixa de Nestum (com aquele) e verificando claro que todas as traduções disponíveis. Podia ter avarias diferentes.

Estando pronto o duche, faço cumprir a função do rodo essencialmente de cima para baixo, enfim proporcionando o descanso querido ao contador do fluido limpo e frio, não sei se sabias, a pingar.

(contudo, o frango estufado com ervilhas chama em aromês, vem do fogão e é urgente)