a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

18/01/2019

Nova coleção outono inverno cai no local errado


Gostava imenso de compreender o objetivo de se utilizarem máquinas altamente barulhentas a roçar o torturantes para andar a soprar folhas de outono e inverno (da nova coleção) de um lado para o outro na rua, sendo que a deslocação não vai além de umas poucas árvores mais para lá (ou para cá). As folhas, ao cair dos seus ramos, também caem na asneira de não escolher o local correto e preferido das pessoas que mandam nelas. E por isso é que temos homens (nunca vi uma mulher neste trabalho inútil) a soprar com máquinas ensurdecedoras (que interferem com a saúde das pessoas num raio bem alargado) a fazer aquela inutilidade (muito mais vale uma ascensorista!).
Mas, mesmo que seja absolutamente imprescindível soprar as folhas da nova coleção (outono inverno) de um lado para o outro da estrada porque quem manda nelas não gosta do local de queda escolhido, repetimos esta parte devido a estarmos incrédulos, então por que não com uma vassoura? A pessoa que fizesse o trabalho com uma vassoura pouparia os seus ouvidos, o desgaste físico de andar com uma barulheira daquelas, pesada, ao colo toda a manhã (e vamos lá ver a tarde), não poluíria o ambiente e ainda conseguiria ouvir os pássaros cantando. Às vezes adorava ser ministra e acabar com estas porcarias. Estas e outras.


(pronto, já desabafei)

17/01/2019

A Pipoca Mais Doce em página par (e ímpar também)

Estacionei na garagem muito apertada e terrível para dar voltas ao carro, mas o lugar mais fácil estava lá todo disponível. Ou menos difícil. É lugar de se estacionar a dez centímetros dos vizinhos, um de cada lado, o carro enfiado em marcha atrás entre os outros que eram de grande porte, de modo que me esgueirei por sei lá que espaço mínimo que a minha porta deixou ao abrir (o meu casaco comprido a fazer de pano do pó às chapas automóveis, óbvio). Corri para o elevador e depois para o consultório do dentista, onde entrei com um minuto de atraso. Eu tenho a mania que é para chegar nem com um minuto de atraso, só que hoje lá escapou. Naquele consultório não ganhei o hábito de aquecer a cadeira da sala de espera e foi por isso, e pelo espaço tão estreitinho pelo qual já disse que me esgueirei com o casaco vestido por um triz, que deixei o livro no banco do passageiro, olha-ficas-aqui-livro-para-quando-puder-ser-ir-ler-te-a-correr (o livro está todo intrigante!). Mas no entanto porém contudo e ainda todavia, não sei se há mais sinónimos deste ligador de contraste nas frases, hoje esperei pelas minhas contas uns doze minutos. Após os primeiros dois ou três, peguei na revista de cima da pilha de revistas e abrindo ao calhas li que a Pipoca Mais Doce, agora que, por um lado teve uma bebé menina, e por outro tem 38 anos de idade, sente a aproximação dos 40. Olhei então toda de frente para a fotografia grande do seu rosto sorridente, impressa em página par, e deduzi que se há ali uns quarenta em aproximação, não dá para ver na página desta revista, de modo que paciência, não percebi o que queria a Pipoca Mais Doce, toda bem jovenzinha, dizer. Fechei a revista suspirando de aborrecimento com ela e nesse momento vieram chamar-me para ir eu lá ficar mais em forma pelo menos dentro da boca. Fui.


(estava para pôr um título do tipo "Vestindo o pano do pó" ou "Doze minutos no dentista", mas depois optei por satisfazer a minha curiosidade quanto ao possível aumento de cliques neste pobre blogue - a ver no que dá)

15/01/2019

As bactérias do terceiro

Com o aroma a robalos no forno agarrado ao cabelo, não gosto (de nada) mas não tenho opção, ele vem e fica. Geralmente, agarro todos os cheiros criados no forno com o cabelo. Às vezes é bolo de chocolate. Contudo, é preciso dizer que os robalos não têm culpa de nada e fizeram a sua parte, estavam - afirmo - supremos. No último naco de robalo que meti à boca ainda me ocorreu que aquilo já sabia mas era a uma sobremesa e das boas, o naco.

Mudando de assunto mas não muito, no domingo de manhã a minha vizinha do terceiro e eu saímos do prédio debaixo de um sol radioso, todo refletido em cada flor, em cada janela, em cada criança a correr, em cada ladrar de cão, em cada peça de roupa estendida. se houvesse alguma à vista. Ora quando nos encontramos num banho de sol assim, em pleno janeiro, ou noutro lado qualquer, parece que nos sentimos a pairar num bem-estar que se nos mete pelo casaco adentro, nos impele a uma tirada de inspiração funda e a seguir nos faz exclamar que dia tão bonito!

- E com este solinho a roupa seca que é uma beleza! - eu tenho uma relação feliz com o ciclo da roupa, relação passível de ser potenciada por um dia de sol como este, e portanto motivadora de tema a partilhar com a minha vizinha.
- Mesmo assim, não vejo maneira de tirar aquele cheiro que a roupa cria quando demora a secar, sabe, se o tempo está húmido... lavo e lavo e as camisolas mais grossas ficam na mesma... - a minha vizinha, com quem estou a ir tomar este café de domingo de manhã, partilha do mesmo problema que eu tive antes de ler um certo livro do Bill Bryson.
- Ah! E a que temperatura lava a roupa, se posso perguntar?
- A 30 ou 40 graus...
- Então lave a sessenta. Esse cheiro é das bactérias. Li num livro do Bill Bryson que as bactérias adoram procriar na roupa que fica húmida muito tempo e só morrem a sessenta graus. A menos que isso, apenas ficam mais lavadinhas, ele garante.
- A sério?!
- Eu também duvidei a princípio, mas depois experimentei. E constato de facto que as bactérias lá de casa sucumbem aos sessenta graus. As suas devem ser parecidas.
A minha vizinha riu-se e disse que ia experimentar.

Hoje de manhã recebi uma mensagem perguntando qual era mesmo a temperatura para matar as tais bactérias. Respondi de acordo com a conversa supra resumida.

De modo que amanhã, em estando de cabelo lavado (recordemos os robalos), vai ser a minha vez de enviar mensagem. Mesmo certa da resposta, perguntarei pela saúde das bactérias do terceiro. Perguntarei perguntarei.

10/01/2019

O sorriso (bonito)

Vladimir, o cidadão russo que deixou a casa de banho nova toda bem-feitinha e agora começou nas pinturas das paredes e tetos, trabalhou com o afinco habitual, falou sozinho como também é habitual, ouviu a sua música bem baixinho para não incomodar (o habitual) e não sorriu o dia todo (idem). Mas esta parte de Vladimir não sorrir pura e simplesmente eu ainda não tinha informado (no blogue). Não sendo antipático de todo, o sorriso não aparece nem por nada no seu rosto eslavo, anguloso. Penso que para Vladimir trabalho é trabalho e sorrisos não são para aí chamados (ou o sentido do dever apuradíssimo). Despediu-se quando chegou a hora dele fazendo uso do também muito dele sotaque especial, até amanhã!

- Amanhã à mesma hora, Vladimir? Oito e meia? - isto eu, só para confirmar (na verdade seria às oito e vinte e oito).

Vladimir diz um sim arrastado demais para ser apenas do sotaque, e num modo hesitante. Creio que percebi a cena como diriam as minhas filhas. E por isso incentivei:

- Se quiser vir mais cedo, pode ser mais cedo.

Então aconteceu: abriu-se um sorriso no rosto já referido como eslavo e anguloso, composto com as pestanas ainda mais brancas por causa do alisamento que fez às paredes com lixa e portanto mais pó.

- Mais cede? - o sorriso iluminou-se agora mais.

- Sim! Quer vir às oito?

- Oito? Posse? Não problema?

- Não tem problema nenhum, pode vir às oito.

Ainda foi preciso insistir mais uma ou duas vezes, ele parecia incrédulo. E feliz. O sorriso não o tirou mais.

- Amanhã. Oitoras. Adeus. Obrigade, obrigade!

Ou seja, amanhã, pelas sete e cinquenta e oito, já eu estarei de mão na maçaneta para abrir a porta, evidentemente, nem vai ser preciso que soe a campainha.

(A minha filha ficou radiante e admirada: ele sorriu! E ó mãe, ele tem um sorriso bonito! Mas nós, que lemos blogues, sabemos que qualquer sorriso que seja de verdade é bonito.)

09/01/2019

Células há muitas

A minha filha mais nova diz que hoje estudou perto de doze horas para o exame de sexta feira e amanhã ainda se vai levantar mais cedo para estudar mais por causa das páginas que lhe faltam. O seu caderno de estudo está coberto da letra toda bem-feitinha da minha filha e desenhos coloridos que são representativos de células. Têm uns designs muito próprios, cada uma o seu, original, não obedecendo a geometrias certinhas, porém em alguns casos com certa simetria.

- Ó mãe, as células são tão fofinhas! Tu já viste o que elas fazem?

Ver propriamente não vi, filha (mas por vezes sinto). Então depois conta sobre a célula que está ali mais à mão a ouvir a conversa da gente e que já a encantou completamente com as suas habilidades de célula. Que são habilidades de alto lá com elas se fazem favor.

Mas eu ia escrever bem outra coisa. Ia escrever sobre as obras nesta casa nunca mais terem fim à vista e eu me encontrar pelos cabelos que não os tenho nada curtos com pó e as coisas da cozinha na varanda e as da varanda no quarto e as da casa-de-banho na sala, as da sala a caminho do corredor. Tudo desarrumado e a partir do momento em que terminar este textozinho de nada, vou dar mais uma desarrumada ainda, que amanhã começam as pinturas: tirar os meus queridos quadros das paredes, as fotografias, as velas, as jarras de vidro colorido de cima das estantes (o senhor das obras chamou-lhes bibelots, argh! eu não tenho bibelots essa palavra detestável, eu tenho objetos com alma e giros e úteis), os candeeiros, as molduras com fotografias quase todas das minhas bebés bebés (é mesmo duas vezes bebés: na primeira temos um substantivo na segunda temos um adjetivo... penso eu), o tapete que será enrolado e metido ainda estou para decidir onde.