a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

24/08/2018

Histerese com notícias do papagaio

Quando saio de casa para ir ao supermercado comprar uma coisita ou duas meto, à saída do prédio, a chave de casa no bolso a título de a ter bem acessível quando, dentro de alguns minutos, regressar com sacos de compras invariavelmente mais pesados do que inicialmente previsto, evitando pois a mim própria a demorada busca com a mão feita livre à custa de a outra agarrar mais peso, uma busca (louca), dizia, dentro da minha mala de mão (e daí com certeza o nome). Digo louca por ser esta busca acompanhada de pensamentos tais como um-dia-destes-enquanto-lavo-as-costas-engendro-uma-forma-de-abrir-as-portas-todas-com-a-minha-voz-ou-o-meu-olhar raios partam as chaves. E só depois, quando já não aguento a posição de torta e carregada em busca da chave perdida nos fundos da mala (de mão, realmente) e pouso, vencida, os sacos no chão me lembro do bolso. A chave está no bolso! Para te facilitar a vida, não foi? Foi! E depois até costumo esquecer-me ato-contínuo do sucedido, perdoo-me a histerese, no máximo sai-me um suspiro. Só que é sempre assim. Por isso hoje, enquanto subia as escadas com os sacos nas mãos fintando o elevador para fazer o exercício, disse aos meus botões que ia contar isto ao blogue. Disse disse.

(já em casa, enquanto meto as uvas no frigorífico, oiço, pela janela aberta, as cigarras fazendo imenso barulho ao calor, tanto que se nota no papagaio, sobressaindo-lhes a custo com aquela conversa a que já nos habituou, uma certa rouquidão, coitadinho)

(mas vem isto exatamente porquê? porque a minha filha Muzi, quando esteve fora por vários meses, vinha cá ler o blogue para matar saudades, contou-me depois, e os posts de que mais gostava eram os que davam notícias do papagaio - eis porquê)

20/08/2018

All Star aqui também

Logo agora neste verão é que eu fui lá e comprei o meu primeiro par All Star da minha já nada curta vida. Desde aí que me mantenho admirada com isto devido a o par All Star que veio ser meu ser muito lindo todo ele, mesmo muito lindo, e me encantar sempre que me meto lá dentro. Admiro-me também de ninguém vir e dizer a toda a hora ai que sapato tão lindo esse aí!
Ontem estava cá em casa Talissa, amiga de minha filha Saminhas (já tenho dito que esta é a mais nova) e tinha ela, Talissa, também um par All Star em outra cor que não a minha calçado. Fui logo mostrar-lhe o meu par que estava a descansar no chamado closet e ela não reagiu assim muito muito como era de esperar perante beleza assim. Acho que prefere a cor que ela tem.
Entretanto, devido a ter andado a evitar cair da bicicleta metendo os pés na areia de repente sem cuidado nenhum – que eu não posso, nem que a vaca tussa, andar de bicicleta com areia no chão devido a não conseguir isso – o meu par All Star está sujo e eu com medo de o meter na máquina de lavar, medo de ele não gostar. Sacudi o que foi possível com uma esponja muito boa e suavezinha como se lhe fizesse umas festinhas, ao sapato (que é mesmo tão lindo, digo só mais esta vez).

(se este não for o post mais parvinho deste blogue, está um bom candidato - porém a culpa é de quem me inspirou para ele, evidentemente)

(ou também é de estar feliz, se calhar)

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Ena! Temos uma corrente:

* A doce Miss Smile (os meus são ainda mais lindos, mas esses não estão nada mal, não senhor...)

17/08/2018

Sai um cappuccino(zinho)

Creio que apenas uma vez, ou talvez duas, estive num café Starbucks e não por escolha própria, mas por sugestão alheia. Já sei que não me adequo a cadeias de produtos americanos, com muito plástico e papel, barulhentos e que aparecem nos filmes (julgo). Mas quando soube do atraso do meu voo, decidi tomar o tempo e enchê-lo com um cappuccino na cafetaria do primeiro andar do aeroporto já minha conhecida, sossegada, sempre com pouca atividade. Porém, ao assomar a esse tal primeiro andar, indo a subir linearmente na escada rolante agarrada à minha mala azul, vejo que a cafetaria pequena tinha sido substituída por duas enormes cadeiras de massagem que você-não-pode-perder ou lá o que é, das quais eu fujo de entrar não vá de repente a massagem ser mesmo boa de verdade e eu me catapultar para o espaço, perder o voo, por muito atrasado que esteja e tal e tal. E a seguir a este ponto final dizemos que por detrás desse lugar da desaparecida cafetaria toda jeitosinha, está um suntuoso espaço muito bem decorado a paredes pretas e sofás em castanhos vários e mesas próprias, umas redondas outras não, denominado Starbucks. Sim senhor. Hesitei primeiro, claro, mas logo pensei oh, vamos lá abrir a mente a um novo conceito de consumir plástico e papel num produto americano em ambiente barulhento, já que tenho de preencher o atraso do meu voo e já vejo que há tomadas elétricas junto às mesas próprias, podem dar jeito. Suntuoso soa tão fraquinho sem o “m” e o “p” removidos pelo chato do acordo ortográfico, mas por ora fica. Então entrei e pedi um cappuccino na caixa do pré-pagamento. Recebi logo em troca uma enxurrada de perguntas sobre as possíveis variedades do referido cappuccino, uma delas era o tamanho, a outra ainda estou para saber qual era, nem a repetição me esclareceu. Pedi normal e pequeno, ok, pode ser? Podia, mas foi preciso dizer o meu nome. O meu nome?! O meu nome! Disse-o devagar e bem articulado. Eles ali escrevem o nome das pessoas nos copos de papel para depois as chamarem em alta voz quando a bebida estiver pronta, como se aquilo demorasse séculos a preparar, a bebidinha de nada, é que não estamos a falar de uma costeleta de novilho bem passada, ou de um belo bacalhau espiritual, não estamos a falar de um linguado au meunier, não estamos, o que estamos é a falar de um cappuccinozinho pequeno e normal, ponto. Portanto é um marketing todo ali especial e suntuoso (preciso de me habituar a esta palavra). Argh. Odiei ouvir o meu nome desbravado assim à larga por cima de um espaço tão… grande. E mal escrito que ficou. A comunicação com o empregado não foi das boas. Eu fiquei Suzanna. Ele não sei. Não perguntei.

15/08/2018

O velhote, o sudoku e o café (há séculos que não havia post com café)

Na loja tipo supermercado das coisas baratas que vende tudo e que podia ser comparada a uma loja chinesa caso tivesse lá chineses, não tem, comprei uma nova lata para o café moído. É substancialmente preta com motivos de café mais ou menos giros e em baixo relevo e a palavra COFFEE na vertical, portanto especial para café. Havia lá outra lata da mesma família dizendo açúcar, ou melhor, SUGAR. Não comprei. Mas admirei-me que não dissesse, ao invés de SUGAR, TEA. Junto com o café as pessoas costumam arrumar o chá (normalmente).
Já na caixa de pagamento, eu, a lata para o café e um utensílio para limpar o chão melhor ainda do que faz o aspirador, surge por trás de mim, proveniente de um dos corredores da loja tipo supermercado das coisas baratas, um velhote com um livro de sudoku na mão trémula. O velhote dispõe porém de uma voz bastante potente, a qual destoa da tremura da sua mão. Fazendo uso daquela e erguendo esta acima da sua cabeça para que se veja bem o livro de sudoku, avisa a empregada que só há três na prateleira e todos do mesmo nível de dificuldade. E logo acrescenta que ele este nível de dificuldade já tem, precisava de outro nível de dificuldade do sudoku. Depois desaparece outra vez por um dos corredores, caminhando um pouco trôpego levando o livro da dificuldade errada já conhecido deste post. Quando a empregada da caixa despacha as minhas parcas compras, deseja-me um bom resto de dia, levanta-se da sua cadeira e, piscando-me o olho, anuncia que vai dar uma ajuda ao velhote com os livros de sudoku. Não havia clientes para atender a seguir a mim.
Quando cheguei a casa, a lata vinha ovalizada devido às pressões sofridas dentro da minha mala de compras enfiada na traseira da bicicleta. Endireitei-a devolvendo-lhe a circularidade na boa, lavei-a, sequei-a muito bem e deitei-lhe dentro, devagar, o café moído, podendo absorver todo o seu aroma.

13/08/2018

Desculpa, Tchaikovsky

No rádio passam música de Tchaikovsky desde que me sentei ao computador a matar saudades do trabalho. De repente apercebo-me de que já ouvi imensas vezes ser referida a mais que conhecida homossexualidade deste compositor e ei! Já chega! É que por um lado há este mecanismo meu que se desencadeia automaticamente na tendência natural de proteger –como se pudesse– as minorias alvo de injustiças, etc. Por outro, pergunto-me se será verdadeiramente da minha conta e da conta de quem ouve neste momento o canal holandês de rádio denominado Radio4, tal característica tão íntima de alguém.  Sinto-me, até, como se estivéssemos todos estes ouvintes a invadir a privacidade de Tchaikovsky. E que calha nos ter deixado tão grande e bela obra, enriquecendo-nos, melhorando-nos os dias. Mas ainda que não nos tivesse deixado nada, não fosse compositor: dá no mesmo. Temos verdadeiramente este direito? Como ouvi uma vez o Júlio Machado Vaz dizer ao entrevistador que tinha à frente num programa de televisão que calhou eu ver, a propósito do hábito que temos de referir alguém pela sua homossexualidade sempre que é esse o caso: você quando se apresenta a uma pessoa que acaba de conhecer e diz o seu nome, não acrescenta que é heterossexual, pois não?

Ach, que coisa chata. Deixemos Tchaikovsky em paz e ouçamos a sua música se quisermos. É esta a questão, não outra.

07/08/2018

Os chinelos

Fui, na bicicleta, à cidade comprar um par de chinelos. Do tipo havaianas mas sem ser. Os chinelos que eu tinha cederam sob o meu peso, por um lado, integrado em ordem ao tempo em que muito os usei, claro está e, por outro, sob o calor e as voltas a que as tarefas em que tenho andado metida nestas férias obrigam. Rompeu-se a borracha em sítios críticos tendo-se soltado a hastezinha de-enfiar-o-dedo, e tipo assim não dá. Então lá fui. A loja tinha a porta fechadíssima com um recado aos estimados clientes para a manterem assim, se faz favor, sendo muito bem-vindos, entrem, entrem, podem entrar, mas mantenham a portinha fechada devido ao calor fora e ar condicionado dentro, que isto está de ananases (a expressão era do meu avô e agora vem aqui refrescar-se na loja); e a gente assim procede. Digo a gente porque vinha a sair uma mulher com uma menininha de cabelo quase branco de tão loiro, e que segurou a porta para eu entrar com facilidade, dizendo algo simpático, o quê já não sei (ou então não percebi, que é o mais certo) e eu depois a fechei logo bem. Fui direita ao cantinho onde vendem uns poucos fatos de banho e toalhas de praia e lá vi os chinelos. Só há de duas cores e para o meu tamanho só há de uma que é todos pretos. Pode ser, não tem problema (eu preferia um bege nacarado com brilhos espantosos e giros, mas ok). Aumentaram estrondosamente de preço estes chinelos, estou agora a ver. Em vez dos dois euros que paguei pelos outros há uns quatro ou cinco anos nesta mesma cadeia de lojas (destas coisas lembro-me eu completamente, doutras não) passou o preço dos chinelos a quatro euros inteirinhos, ou seja, sofreram um senhor aumento de cem por cento, ah pois é. E agora aproveito que já aqui estamos para introduzir, é tomar nota, que o salário mínimo na Holanda é de mil e seiscentos euros, mil-e-seiscentos-euros, o iogurte e o pão são mais baratos que em Portugal, quanto aos chinelos já estamos a ver o filme e vamos lá continuar como segue. Dirijo-me à caixa para os pagar enquanto os miro de um lado e do outro, todinhos mesmo pretos, e noto de repente a mensagem na etiqueta abonatória quanto à borracha, que foi, sim senhor!, toda reforçada e agora está bem melhorzinha, promete não rebentar tão cedo (?!). Com certeza é mesmo isso.


(Justificado que está o estrondoso aumento de cem por cento no preço, justificação a confirmar a seu tempo, evidentemente, estou por ora bem servida.)

06/08/2018

Meia duzinha (daí talvez o post)

Ou as moscas se aquietaram agora há menos de nada ou tomaram por saída a entrada que optaram por fazer para dentro da mesma sala que eu: as janelas abertas à tarde do verão. (Mas eu foi toda pela porta, óbvio.) Portanto sem insetos zunzentos ficou um silêncio quente. O ar assim calado de leve não dá nada, antes pesa, encaixa ao colo, demora-se. Fui pois inventar uma água fresca como as que se veem nos jarros em revistas muito bonitas sobre decoração e que apetece é logo bebê-la. Tem limão em partes, um pau de canela jeitoso e meia duzinha de folhas de basílico fresco, grandes, cortadas em três por incentivo a darem mais suco. O jarro fica enfeitado de cores assim a deleitar os olhos e a distrair da tarde. O líquido turva-se destes aromas devagar e depois mata a sede. Muito bem. Então invoquei o estado de férias em que me encontro, recostei-me em almofadas do sofá e retomei a leitura de mais uma beldade deste verão. Com esta já são quatro, de seguida. Uma fartura, quer dizer.


(e gosto de escrever meia duzinha, gosto gosto)

01/08/2018

Quatro rodas

O homem que está a reparar o telhado da nova casa perguntou-me, na pausa (dele) para o café oferecido por mim (tomar nota por favor), se a minha bicicleta não tem por acaso quatro rodas. A pergunta ficou no ar ilustrada por um sorriso lateral todo ali, os olhos azuis semicerrados num divertimento, o cabelo em desalinho condizente com as roupas pingadas de tinta e/ou cal, suponho. Eu disse-lhe que a pergunta dele era bastante engraçada, mas que a minha bicicleta tem apenas duas rodas. Grandes. Porém ele achou-se ainda não satisfeito e, mantendo a olhada incisiva, indagou se eu já sabia andar de bicicleta ou aprendi aqui (na Holanda), acrescentando que segundo ele no meu país as pessoas não aprendem a andar de bicicleta. Foi então preciso esclarecer o Senhor Divertido que em Portugal toda a gente sabe andar de bicicleta desde cedo. E bem. E ia acrescentar que também sabemos todos nadar e fazer perguntas mais, digamos, adequadas. Mas depois... oh, para quê?, e deixei ficar assim.

(É capaz é o café da pausa de amanhã atrasar-se bastante. Ou vir muito forte. Ou frio. E é se vier.)