a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

30/04/2020

Um dia até ao fim do post por Corona - 46

Sapatos fora da caixa para aguçar o apetite de lhes pôr os pés em cima no momento de sair da zona de conforto também conhecida por pantufas.


(há imenso tempo que não havia um post com sapatos)

29/04/2020

Um 45 por dia até ao fim do post - Corona

A meio da manhã, no intervalo do trabalho, a chuva a ameaçar cair lá fora.

- Aos dez anos eu já descascava a minha fruta, mãe?
- Acho que sim, Saminhas, mas não tenho a certeza... As boas facas para a fruta são as que cortam bem... 
Pelo visto já perdi uma boa parte de exatidão nas memórias da minha ação – e tão intensa, sempre tão intensa – no meu passado de mãe.
- Mas porque perguntas?
- Estava a lembrar-me da Natacha, uma das minhas acampantes.
Saminhas e Muzi, as minhas duas filhas, são muito ativas em orientar grupos de miúdos (mais novos, pois claro) nos famosos acampamentos de verão.
- Certa vez, ela quis comer uma laranja e eu dei-lhe a laranja, inteira, para a mão. A Natacha ficou a olhar para a laranja e não sabia o que fazer para a comer. Como eu não a ajudei, havia outros meninos a pedir fruta e não é suposto nós ajudarmos, ela começou a morder a laranja, com casca e tudo.
- A sério?
- Sim… e acho que ela tinha dez anos. Eu disse-lhe para ela tirar a casca à laranja, e fiz o gesto com a mão – ali toda a gente descasca as laranjas com as mãos, não damos facas aos miúdos. E ela lá conseguiu descascar metade da laranja, depois começou a comer essa metade às dentadas.
Enquanto conta isto, Saminhas exemplifica com uma laranja imaginária nas mãos.
- E quando acabou a metade descascada, comeu o resto de dentro da casca, tudo às dentadas… eu não a ajudei, eles têm de se desenrascar. – conclui, divertida, a exemplificar, enquanto eu imagino rios de sumo a escorrer da boca da Natacha.
- Que estranho… será que ela nunca tinha visto uma laranja inteira? Será que lha apresentavam sempre já em gomos ou rodelas, pronta a comer?
- Não sei… mas ela é russa, mãe... se calhar na Rússia não há laranjas.

(alguém aí com filhos na faixa etária da Natacha pode esclarecer? é caso para duvidarmos da existência de laranjas na Rússia ou é caso para quê?)

28/04/2020

Um dia por Corona até ao post do fim - 44

Melhor momento do dia:

Receber o anúncio de um workshop dos meus eventuais interesses. Um workshop presencial, pre-sen-ci-al. Para quando? Julho. Meados de julho.
Fiquei tão feliz que, mesmo o querido workshop nutrindo interesses que passam ao lado dos meus, acho que me vou inscrever só para poder pôr na agenda. Pre-sen-ci-al.

(ando um bocado contraditória, parece)

27/04/2020

Um fim por dia até ao post do Corona - 43

Há muito tempo descobri que, surpreendentemente, agrada-me a sala de espera do dentista. Por um lado, empurro para um momento posterior a situação à qual vou, por outro lado, não sei quanto tempo esperarei e não saber quanto tempo esperarei é coisa de valor, como diria a Carla. É não estar mais nas minhas mãos o controlo, é pura e simplesmente tirar umas feriazinhas, fazer um intervalo, ainda que intervalinho.
Hoje descobri que, surpreendentemente, ainda mais que a sala de espera do dentista, agrada-me esta espera que não é só de sala, mas de toda a casa. Uma casa, a minha, que está uma beleza de ordem, arrumação, disposição. Este outro intervalo, este grande, este senhor intervalo está a saber-me tão bem.

26/04/2020

Um dia por fim até ao post do Corona - 42

E como andou a tirar férias sei lá onde, de papo para o ar e isso, agora a Catarina tem de compensar a gente, não é?

(a fotografia até me fez doer os olhos quando os pobres bateram nela...)

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Estou desconfiada de que os meus gatos estão fartos de companhia 24/24 e que andam a planear uma fuga de casa, começando pelo apuramento das respetivas competências de caçadores. O Félix, mais gordinho, e, por isso, mais necessitado de proteína, tem-se dedicado a pequenos roedores. Já a Faísca, uma senhora, mais elegante e requintada, veio com esta iguaria para casa (para dentro de casa...).

Se alguns se queixam de falta de emoções fortes na quarentena, já eu queixo-me dos meus gatos andarem a testar a resistência do meu pobre coração. Ainda assim, consegui fotografar esta vítima (que era bem bonita, by the way), nesta altura, já mais para lá do que para cá.

Um dia que tenha uma objetiva de longo alcance (tipo 1km) talvez comece a pensar em fotografar também as presas do Félix, desde que me consiga barricar num bunker à prova de rato. Para já, fico-me pelas da Faísca.


Catarina Rodrigues

25/04/2020

Um dia por post até ao Corona do fim - 41

Faz hoje um ano que acabaram as obras cá em casa. Foi num feriado porque eu ansiava demasiado por esse fim, não podia esperar nem mais um dia e, quem veio acabar o trabalho, acedeu a prescindir do seu descanso. Uns dias depois, mudei o canhão da fechadura e o respetivo conjunto de chaves. Mesmo assim, o meu apartamento foi assaltado, gentil e cuidadosamente, mais uma vez. Ainda não sei quem foi, mas é das poucas coisas que exijo da vida como se tivesse esse direito: astros, enviem-me o sinal claro, inequívoco, apontando com exatidão cirúrgica para quem levou todos aqueles objetos. Supérfluos, cada um deles, é certo. Mas só depois de saber quem foi, conseguirei desatar o nó e começar a tentar aumentar o coração para falar com ele, ou ela, e perdoar. Sem o saber, quem foi e porquê, também quero saber porquê, não serei capaz. E sabendo, sabe Deus. Se Ele existir.

24/04/2020

Um post por fim até ao Corona do dia - 40

Depois de um retiro, aparentemente para férias, (ahan, é o que faz a boa vida), a minha irmã está de volta!

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Professores em quarentena

Assim como todos os meus colegas professores, com o fecho das escolas, não vou trabalhar e estou, naturalmente, de férias.
Foi assim o meu dia:
Não precisei de pôr o despertador porque não tenho horário a cumprir. Acordei depois de quase 10 horas de um sono profundo e relaxado. Para o pequeno almoço, fiz umas panquecas sem farinha nem açúcar para manter o corpo são e um sumo natural com laranjas acabadas de espremer ao que se seguiu uma hora de yoga para começar o dia em beleza.
Como não tenho nada para fazer, tenho aproveitado para aprender umas receitas diferentes e fui preparar o almoço: uma carne marinada em vinha d'alhos que deixei cozinhar em lume brando durante duas horas para apurar o tempero, e, para acompanhar, um puré de batata doce esmagada à mão e aromatizado com um apontamento de alecrim fresco, acabado de colher.
Deliciei-me com o repasto na companhia dos meus filhos e aproveitámos para pôr a conversa em dia. Tomei o café na varanda, ao sol, desta feita na companhia do quarto livro que estou a ler desde o início da quarentena. A leitura acabou numa pequena sesta que me encheu de energia para uma série de abdominais, agachamentos e uns minutos de prancha, pois há que manter a forma!
A certa altura, ouvi um barulho... 
Ohhh, era o despertador! Afinal, tudo não passou de um sonho! 
Eram 8h. Estava na hora de acordar, banho, vestir, pôr comida aos gatos e ligar o computador que demorou uma eternidade a iniciar, graças ao excesso de trabalho a que o tenho obrigado (desconfio que, não tarda, entra em greve). Abri os documentos e separadores que preparei para a aula síncrona, iniciei o zoom e comecei o meu dia de trabalho. Não tive tempo de tomar o pequeno almoço antes e, quando a primeira aula acabou, tive 10 minutos para engolir um iogurte e umas bolachas. Reproduzi a primeira aula uma segunda vez para um grupo diferente e as aulas da manhã estavam despachadas. Assustei-me ao abrir o e-mail com a quantidade de mensagens por ler... Afinal não ia lá desde as 22h do dia anterior, e já eram 11h30. Ainda assim, havia outras coisas para preparar que tinham prioridade, dando oportunidade a algum açambarcamento de mensagens não lidas na minha caixa de entrada. 
12h30: hora de ir fazer o almoço. Consegui cortar-me a picar uma cebola para o refogado, o que deu imenso jeito, uma vez que me imobilizou o polegar esquerdo. E, se, com duas mãos, já não sou propriamente uma fada do lar, com uma a minha parca habilidade para a cozinha ficou ainda mais reduzida. Mas pronto, apesar do polegar ter latejado valentemente enquanto encarnava o papel de chef maneta, o almoço fez-se e comeu-se... à pressa. O café já foi tomado em frente ao computador, na companhia dos alunos da primeira aula da tarde, um golinho de cada vez, quando havia uns segundos de espera sempre que tinham uma tarefa em mãos. Os últimos goles esperaram tanto pela sua vez que já se encontravam a uma temperatura bastante semelhante à do iogurte do pequeno almoço.
Duas aulas à tarde... Feito! Estava na altura de estalar as costas, esticar as pernas por cinco minutos e atirar-me com unhas e dentes aos e-mails que tinha para ler... e para registar... e para responder.
E foi assim o meu dia. Agora está na hora de ir fazer o jantar com a minha mão esquerda a meio gás e a direita (que, para a cozinha, funciona como se fosse esquerda) a todo o vapor (dentro do que é possível). Fogão, o meu segundo melhor amigo dos dias de hoje (o primeiro é o computador). 
Acho que vou aproveitar a hora do jantar para perguntar aos meus filhos se dormiram bem. Ao almoço não deu tempo.

Catarina Rodrigues

22/04/2020

Um dia por Corona até ao fim do post - 38

Ter um gato é muito diferente de não ter um gato. No meu caso, gata. De manhã, quando me levanto, emito sinais sonoros, por muito suaves que sejam, suficientes para que em três, dois, um, esteja ela à minha porta a fazer brau brau. Quando abro uma frincha, a gata verte-se para dentro do quarto e fica a rondar-me os pés dificultando-me o andar. Ao mesmo tempo que continua o brau brau, levanta o lombo em arco para receber as festas matinais, e recebe-as, claro que as recebe. Depois, fazemos o corredor juntas até à cozinha, mas a viagem demora o dobro. Levar uma gata enrolada nos pés é como aquilo de atravessar um campo de Higgs – atrasa o progresso, a situação requerendo uma destreza da minha parte. Chegando finalmente à cozinha é hora do banquete. Enquanto abro a embalagem de carne de vaca que deixei a descongelar, por exemplo - este exemplo é bom por ser o seu preferido - a bicha ronda-me agora as mãos. A tarefa executo-a com uma cabeça de gato a tapar-me o campo de visão, já me habituei. Impossível não me rir, essa é que é a verdade, e isto logo pela manhã. A cozinha também está cheinha de sol a combinar (já agora). Ter um gato é muito diferente de não ter um gato.

Hoje à tarde saí para ir pôr o lixo na rua. Ela ficou à porta a ver-me fechá-la com a cabeça inclinada e aquele olhar verde. Quando regressei, a minha filha contou que ela correu à janela e ficou a olhar para a rua dizendo brau brau. Não é bem miau. É brau brau. Uma variação muito linda, não sei como cheguei até aqui sem desconfiar o quão encantador é ter um gato. Muito melhor do que não ter um gato. Tanto que me atrevo a recomendar. Vivamente.

21/04/2020

Um post por fim até ao dia do Corona - 37

Corria a tarde amena, a minha janela aberta ao chilrear dos pássaros, eu e o computador agarrados um ao outro (a intensidade desta relação ilustra-se abaixo muito bem) e chega-me um som conhecido, sobreposto à poesia sugerida acima com os pássaros, aos quais podemos juntar as flores da época e ficar todos aqui imbuídos de cabeça inclinada a imaginar a beleza de ambiente, bastante fofinhos, mas eu não o aceitei logo. O som conhecido continuou, indiferente à minha indiferença, eu e o computador nos preparos do costume, a verdade é que não nos largamos, até que à terceira ou quarta, sexta, décima, tirada, sei lá quantas, reconheci-o! Tchalp tchalp terem tchalp!
- Tchalp tchalp terem tchjalp!?.... mas mas… o papagaio?!?!?!... o quiosque das flores… querem ver… - exclamo toda admirada para o computador.
Levanto-me pois de um salto e abeiro-me da janela. Num filme de Hollywood havia de se ver esta cena em câmara lenta, acrescida de um cair da cadeira em que eu me sentava, este último, o cair, só fazendo parte do filme, a realidade foi outra.
- O quiosque das flores está aberto!! – sou a única personagem que fala.
Que lindo: a cena do tal filme que indicia o recomeço de tudo, o acabar do confinamento, o foram felizes para sempre, aqui diante de todos nós.
Ou temos ali apenas uma comerciante de flores (caríssimas) que precisa disso mesmo, de as comercializar.

(mais tarde, quando passei ao lado do quiosque no caminho para o supermercado, ouvi uma outra senhora que andava por ali a fazer qualquer coisa importante, um pouco de longe, por isso é que eu ouvi, perguntar à florista então e já vendeu alguma coisa hoje?)
(que lindo mesmo)

20/04/2020

Um post até ao fim do dia por Corona - 36

Há dias aconteceu-me uma coisa inesperada e boa, mesmo ai que boa. Andava a passear num blogue que tinha praticamente acabado de descobrir, o gato aurélio, e tropecei no título “parar para pensar”. Ora isto é para mim!, pensei (e parei). Logo depois, abri o conteúdo apresentado e agora já sem pensar praticamente nada. Tenho então a dizer que fui completamente apanhada. Primeiro vi o filmezinho de quatro minutos a abrir o apetite e depois encaminhei-me para o primeiro episódio: uma série!!! Eu, que por defeito sou alérgica a séries, por defeito e por medo da habituação (e também por outras dificuldades).
Mas este é dos melhores conteúdos que já conheci, se não mesmo o melhor. Muito obrigada, gato aurélio.

(e a banda sonora, caramba, também não era preciso tanto!)


19/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 35

Descobri recentemente, tem dias (a descoberta), que posso conjugar atividades e funcionar em canal dual (agora sim). Por exemplo, enquanto vou falando ao telefone, atividade atualmente muito aumentada, despacho vários lençóis, fronhas e toalhas, reduzindo a pilha de roupa para passar a um rotundo nada. Adoro, porque se já não me pesava muito o passar a ferro, agora é até bastante agradável. Limpar o chão também dá ao telefone, desde que com o dispositivo silencioso que a minha filha diz chamar-se mopa (e não com o aspirador, evidentemente). Eu preferia chamar-lhe sapata de limpeza, à mopa, visto ser mais esclarecedor o termo e sempre dava uso à palavra sapata que é tão sonora e determinada. Já tive uma vez oportunidade de aqui referir - mas agora repito, porque não consigo renovar assim tanto as ideias para posts diários - que adoro o aspirador ter a inscrição anunciando ser um exemplar silencioso e estes dispositivos mecânicos do género vassoura e mopa, pronto, é mopa, não informarem nada, quando esses sim são verdadeiramente silenciosos e podiam fazer uso disso no marketing deles se quisessem, mas tipo adiante, o mundo já não é de hoje que vai muito ao contrário.

18/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 34

- Ó mãe, gosto tanto quando fazes um bolo! – a minha filha apreciou a ideia.

Estas latas de design específico e a meu ver dificilmente igualável em beleza de latas (quanto mais ultrapassável), têm o hábito de se fazerem da família. Abaixo apresento a que connosco está confinada em casa nestes tempos. Nestes e noutros, pelas minhas contas o seu confinamento já vem de há uns cinco, seis anos, e restringe-se ao armário principal da cozinha, por outras palavras não tem lata para andar pela casa. É, também, dos produtos que mais tempo fica no agregado familiar devido à reduzidíssima quantidade de bolos confecionados requerendo as provisões que contém (a caixa de cem cotonetes vem em segundo lugar em termos de permanência, só que é independente dos bolos, não sei porquê). Mas ponhamos lá ordem nisto.
Como, se não se percebeu ainda, vai perceber-se já a seguir - isto para quem não estalou a língua e divergiu para outro blogue mais organizado em ideias – este post está a apanhar boleia de uma vizinha muito entendida em levedura (as boleias é capaz de pegar moda).
Finalmente, a lata retratada abaixo está nas últimas e já passou do prazo há – vi depois de o bolo já levedado sair do forno – quatro anos. De maneira que a exclamação que abriu este amontoado de palavras a que chamamos post, pode passar de validade mal o referido seja aberto, fatiado, comido. Calma, fora ele não vai, isso é que era bom: fica em casa!

(a artista apresenta um certo desgaste na zona da tampa)

17/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - (diga) 33

Dada a crise de tempo em que me tornei a meter, achando que não, não, a última quase me tirou o fôlego, não vou repetir a dose, dada portanto a crise de tempo em que teimo em meter-me como se amanhã houvesse mas pouco, o problema é esse, vou apanhar boleia de um post vizinho para fazer este, com vossa licença.

Já tenho trocado as quartas com as quintas, não falarei sobre o meu peso, sobra-me o que fazer, não vamos todos ficar bem embora muitos de nós sim, só leio até ao fim o que tem de ser ou me agrada, mas isso como sempre, não sei bem o que é um herói, tenho estantes de livros como plano bê para a reforma (mas ainda falta), tenho uma varanda, o que não tenho é unhas para tocar saxofone para a vizinhança.

Também tenho sido razoavelmente feliz por estes tempos. E sortuda, como já é normal.

(entretanto, caso eu falhe nas respostas aos eventuais e simpáticos comentários vindouros, é mesmo por valores mais altos se alevantarem)

16/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 32

São vinte e duas horas e vinte e dois minutos, a coincidência vem de um fenómeno natural. Não fosse estarmos a chegar ao fim do dia trinta e dois com o blogue sem post e não havia problema. Mas, dado o exposto, há que avançar a passos largos para uma solução. Por outras palavras, quem não tem cão caça com gato.

Ou gata. Já largamente conhecida pelo conjunto de qualidades supremas que lhe assistem, vem hoje mostrar mais uma: o gosto pelos livros. Puxou a mim, a danada. Quanto ao livro, empurrou-o.

Que tal a escolha? 

15/04/2020

31 - Mu tsop rop aid éta oa mif od Anoroc

Se fosse mesmo
correr
tudo bem
de certeza mesmo
correr
tudo bem,

ninguém diria, 
ninguém, mesmo
vai correr
tudo bem

14/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 30

Hoje cometi uma loucura. Quer dizer, duas. Tirei a máscara da gaveta e desci para a garagem. Despertei o carro do sono prolongado e ativei o navegador do dispositivo inteligente para me guiar ao local. Vou levantar um bem da categoria bens-e-serviços que adquiri ontem em linha (prefiro evitar estrangeirismos por poluírem o texto que já de si não nasceu assim tão lindo) na loja respetiva. Tirei o carro da garagem e fui, indo. Passei ao lado do parqueamento dos aviões onde estavam muitos, muitos, mas desviei o olhar. Continuei como se fosse o dispositivo inteligente que embora o sendo não desconfia dos aviões naqueles propósitos. Continuei indo. Quando cheguei ao destino, uma considerável zona comercial, procurei, sem sair do carro, a porta de que me queria servir. Mas não a encontrei na primeira ronda pelo parqueamento, este de automóveis, não muitos, poucos. Vi um homem ao fundo e, embora mascarada, parei junto dele, abri a janela e, gritando muito alto para superar a almofada em frente da boca mais os metros que se interpunham, perguntei pela minha porta querida. Ele aproximou-se um nadinha e deu indicação detalhada. Tem de ir, a pé, mesmo dentro da loja, tinha ele dito. Aquilo que antes era óbvio, fácil, imediato, agora está turvo, duvidoso, longe. Subi o tapete rolante em direção à loja querida. Havia algumas pessoas dispersas, em linha, mascaradas na sua maioria, aguardando vez. E então vejo a outra lojinha, ai jesus. Era uma lojinha de vender café e bolos, pastéis e sumos. Estava meio fechada e meio aberta. Tinha um papel afixado na parte meio fechada anunciando a parte meio aberta: café havia, desde que para levar. Sentar é que não. Fitas de plástico trancavam o espaço em volta, avisando melhor. Perguntei à única empregada, mais uma vez com voz aumentada, se podia comprar um café, só para prolongar a expectativa. Pode, pode, mas tem de ser para levar. Paguei com dinheiro. Aceitei o copo de plástico superando a parte do plástico com o café a fumegar, meu bem querido. Olhei para a minha filha que também veio mas tem estado caladinha. Ela ri-se com os olhos, divertida, e diz com a voz abafada, rápida e esforçada, tens de tirar a máscara, mãe! Foi mesmo a tempo, o meu ímpeto estava tal que por um triz não ia o café com máscara e tudo.

13/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 29

Verdadeiro título deste post: Telescola

"Os excertos de conversa abaixo apresentados ocorreram em Lisboa, no ano de 2020. Uma das conversas data de janeiro, a outra de abril. Identifique a conversa que ocorreu em abril.

Conversa A
Depois de um dia de trabalhos caseiros, Susana telefona à sua mãe.
- Olá, mãe, como estás?
- Tudo em ordem, filha. E tu, que fizeste hoje?
- Andei a fazer limpezas... e, sabes, quando fui à janela sacudir o pano do pó vi um avião cruzar o céu!

Conversa B
Depois de um dia de trabalhos caseiros, Susana telefona à sua mãe.
- Olá, mãe, como estás?
- Tudo em ordem, filha. E tu, que fizeste hoje?
- Andei a fazer limpezas... vê lá tu, que não saí de casa todo o dia!"

12/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 28

E porque hoje - embora não pareça muito - é Páscoa, temos de novo a Catarina!
(ouve lá, ó irmã, aquilo ali em baixo é um tigre ou a pantera cor-de-laranja?)
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Este é o Félix. Aqui em versão mauzão para ilustrar o meu desabafo de forma mais fiel.
Tenho dito várias vezes que o Félix, apesar de ser gato, pensa que é cão. Ora, nada como a quarentena para conhecermos a fundo os nossos companheiros de isolamento, não é verdade? Pois, parece que me enganei e que o rapaz até tem a sua personalidade muito bem definida.
Para quem não sabe, eu vivo no campo e os meus gatos, o Félix e a Faísca (essa sim, uma felina assumida em toda a sua definição) têm acesso ao monte que fica atrás do condomínio onde vivemos. Ora... campo... monte... o que se segue? bicharada... entre a qual... ratos! Exatamente! Essas criaturas adoráveis que não me deixam nada nervosa nem com vontade de me lançar em gritos histéricos ao primeiro colo que me aparecer à frente.
Pois então, o Félix, certamente cansado de me ouvir chamar-lhe gato-cão, há coisa de duas semanas, mostrou-me a sua costela de caçador nato trazendo um rato para o nosso quintal. E não é que o bicho estava vivinho da Silva? E não é que o bicho era enorme, praticamente do tamanho dos meus dois gatos juntos? Ok, essa parte é exagero, ele tinha apenas uns 3 centímetros de comprimento, mas foi do tamanho de um rotweiller adulto e com uma obesidade considerável que o meu sistema nervoso o viu. É... tão querido, o Félix, a mostrar-me o quão gato ele é. Foi uma demonstração e tanto!
Adiante... Nesse dia, o meu querido filho encheu-se de uma coragem do tamanho do meu pânico só de pensar que o bicho podia ter a triste ideia de entrar para dentro de casa e conseguiu transferir a fera para uma pá, para o devolver, em voo artístico, ao monte de onde foi recolhido pelo Félix, não se fosse dar o caso da mãe ter um faniquito momentâneo e ficar ali estendida. Ganhou o título de "Homem da casa", o pequeno, nesse dia. Merecido!
Mas a história não acaba aqui...
Não satisfeito com a manifestação de felinez aguda demonstrada por A+B (ou por RA+TO), ontem, o meu querido Félix achou por bem repetir a graça com outro rato (ou o mesmo, não sei, que não cheguei a travar conhecimento com a criatura). Ora, eu já pronta para confirmar o título atribuído ao meu filho, a verdade é que não o encontrámos e que o Félix passou o resto do dia meio engasgado, com uma tosse que não lhe conhecíamos antes e que, numa dessas tosses, algo comprido e semelhante a uma cauda lhe saltou da boca. Exato... Blheck, não é? Também achei.
Assim sendo, não fosse o Félix ter ganho gosto pela rataria da zona, hoje não o deixámos sair de casa, não lhe dando, desta forma, oportunidade de partir em caça de mais um daqueles seres adoráveis e com genica para dar e vender. Diz o povo que "Quem não tem cão, caça com gato", não é? O Félix decidiu adaptar o ditado à realidade dele para "Quem não tem rato para caçar, caça lombos de pescada da Pescanova que a dona pôs a descongelar para o jantar". Evaporaram-se três dos seis... Felizmente, sobrou lasanha do almoço.
Posto isto, só tenho uma coisa a dizer:
Félix, meu gatinho lindo, já percebi que és um gato mauzão e super valentão que come ratos e caça tudo o que lhe aparece à frente, mesmo que não esteja confecionado. Agora podemos voltar à versão gato fofinho que se deita de barriga para cima a pedir festas? Obrigada!
(Todos juntos a fazer figas, por favor!)

  
Catarina Rodrigues

11/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 27

Em geral, aborreço-me com livros ricos em nomes de lugares, especialmente nas partes dos nomes de lugares. Deve ser por isso que não me atrai uma literatura de viagem. Para além desta linha de base, o que me leva à leitura pode ser uma coisa, aquilo que me mantém nela, possivelmente outra.
Nada sugeria a possibilidade de aborrecimento em Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, e, por tê-lo trazido da Feira do ano passado, fresquinho, decidi abri-lo e entrar pela porta da frente, sem derrapar, tranquila e confiante.
Logo de início faltou-me vibração, um saborzinho que fosse. Ou então profundidade, qualquer destes dava. Mas respirando fundo segui em frente. Alcancei o meio caminho com notória dificuldade, o percurso feito aos arrancos. Londres, a luz, os ruídos, as flores, uma festa em mente, outra vez as flores e depois os interiores. Uma personagem por dentro, a seguir duas e depois três. Várias personagens por dentro. Dispersei: toda aquela diluição. Fez-me lembrar o patético que era, na infância, misturar todas as plasticinas coloridas, cada uma linda, própria, vibrante e promissora, querendo obter algo superior, o máximo das partes num expoente ainda mais lindo e apurado, e terminar com uma massa nojenta de um castanho tremendo. (pensei, até, em ir fazer um bolo)
Decidi, então, abandonar o livro. Não posso mais com esta narrativa sabendo-me a mastigado igual.

Provavelmente devo um pedido de desculpas ao resto do mundo. É a terceira ou quarta obra-prima das grandes que não me traz nada, me entedia e depois deixo a meio.

(vou mesmo fazer um bolo)

10/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 26

Até eu, que sou capaz de ouvir, ouvir, ouvir como não conheço ninguém (uma constatação), estou a ficar enjoada com isto de, uma pessoa após outra, após outra, após outra, virem à televisão dizer o mesmíssimo. Já toda a gente sabe. Para além disso, os anúncios televisivos – aos quais sim, sim, eu já conhecia o poder medonho de cansarem muito - esses, os que foram feitos bem novinhos para dar resposta à nova situação, passam vezes sem conta: sobem o potencial para ainda mais insuportáveis. Diria mesmo capazes, caso a oportunidade tivesse lugar, de me levar à loucura.

É, portanto, maravilhoso constatar que tantos anos, décadas, sem praticamente ver televisão me suprimiram nada, zero. Maravilhoso.


















Dom-fafes. Da esquerda para a direita: fêmea, macho. (por falar em maravilhoso)

09/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 29-4

Para o caso de os meus queridos leitores (quem diz leitores diz leitoras) não terem tido ainda a oportunidade de fazer a experiência, eu conto. Cantei os parabéns a você em português, aquela canção que todos os portugueses com mais de quatro anos de idade conhecem, quatro? três!, e verifiquei que a minha versão, já com muitas-vezes-três anos de experiência, levou 29 (vinte e nove) segundos. Dando-se o caso de eu ter avançado para bis, que não avancei, sem acelerar nem abrandar no bisar (preferencialmente também sem rimar) podemos estimar com um baixo grau de incerteza que duas vezes os parabéns a você vai situar-se nos cerca de 58 (cinquenta e oito) segundos. E isto sem a parte das palmas.
Portanto andam por aí umas falsas notícias (mais conhecidas por fake news) sobre os vinte segundos da lavagem das mãos para tirar o eventual coronavírus delas, sim?

Convidam-se os mais afoitos a fazer a cantoria e vir aqui comunicar o seu tempo. Sem batota, evidentemente. Ou a enviar vídeo ou áudio e eu postarei com alegria. Cantar é que não canto em público, aviso já. (fazer um desenho com papagaios já foi ir longe demais mas enfim).

08/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 24

Ora cá temos de novo a Catarina!

*************************
Tenho, desde que me conheço, uma enorme paixão pela Lua. Quando era miúda, achava que era especial e uma privilegiada porque Ela andava sempre atrás de mim. Quando viajava de carro, à noite, com os meus pais e irmãs, lá estava Ela. Acompanhava-me para onde quer que fosse como se estivesse a proteger-me da noite, linda e brilhante, para eu poder olhá-la e admirar a sua beleza. E na Lua Nova sentia saudades, mas sabia que em poucos dias Ela voltava. Nunca me desiludiu!
Agora sei que Ela brilha para todos e acho bem. Uma beleza assim deve ser acessível aos olhos do mundo inteiro. Mas continuo a sentir-me privilegiada por poder admirá-la da minha janela dando-me a oportunidade de conseguir fotografias como esta. 


Catarina Rodrigues

07/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 23

Telefonei ao veterinário. Um pouco envergonhada, é certo. Perguntei primeiro se por lá estava tudo bem. Estava, estava, mas com menos pessoal, horário reduzido. Ah, que bom. Haveria, então, continuei, possibilidade de cortarem as unhas à gata devido a eu ser pouco rápida e nada experiente no manuseamento da ferramenta e ter um medo que eu própria sei lá de magoar a bichinha? E que desculpassem o incómodo por questão assim pouco premente, ainda disse. Não há problema, pode passar por cá, entrega a gatinha nas mãos dos profissionais de saúde animal e fica à porta. Os tutores não entram, compreende, ficam lá fora.
Eu não aproveitei para informar que tutora não sou de gata nenhuma, que isso é o quê precisamente, não. Pareceu-me desadequado em cima da pouca vergonha que eu já tinha (não era muita vergonha, portanto era pouca). Então optei por agradecer e desligar.
Também não informei que a gata em causa escolheu ela própria um outro tutor, sim tutor. Foi patinha para cá e patinha para lá, um interesse, uma atenção. Que houve uma tutoria toda ali, houve. Eis o registo em imagens que não me deixam mentir.
  




Mas tenho boas notícias: apanhei-a, depois de toda aquela interação com o seu tutor na televisão (interativa, claro), a dormir. De modo que me enchi de coragem e, com sua licença, comecei numa pata e acabei noutra. Contam-se atualmente dezoito unhas de gato no meu logbook. Dezoito pontinhas, por segurança.  

06/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 22



Eis a prova de que, entre a minha pessoa e a grande Palmy Rego, saudosa artista que queremos DE VOLTA!!!!!!, nota-se apenas uma diferença: o detalhezito da barriga dos papagaios devido à falta de lápis de cor amarelo-sol na coleção da minha filha, mas isso perdoa-se, não perdoa-se? 

05/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 21

E agora mais uma contribuição da Catarina, desta vez em chinês!!!

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Estava no computador, a trabalhar e a ouvir o meu filho adolescente a jogar Fortnite com os amigos. Então decidi interromper o trabalho por um pouco para dar nota que, nesta quarentena, estou a aproveitar para me cultivar e aprender uma nova Língua, que se deve chamar qualquer coisa como adolescente-a-jogar-fortnite-ês. Antes de mais, aprendi que, neste jogo, todos se chamam “Zé”, ou “Mano”, ou “Puto”. Em momentos de desespero é “Puuuuuto” (com uma voz ligeiramente esganiçada). E, como sou uma boa aprendiz, já sei articular algumas frases deste novo dialeto. São elas:

- Mano, quando estás a fightar, não uses só a shotgun.
- Tens quantas kills?
- Zé! - eles são vários, mas na verdade também pode ser o Mano de há pouco - Estou a soro!
- Puto! Estou todo légado!!!
- Maaaaano, levei uma snaipada!
- Ahhhhh, estou a zero de viiiida!
E quando os companheiros de jogo adotam todos o mesmo nome,
- Putos, baza jogar squads?

Seja lá o que isso for... 

Entretanto, descobri que esta linguagem pode dar azo a más interpretações porque, a certa altura do jogo, ouvi-o comentar, com alguma desilusão na voz: 
- Mano, já sei porque é que eu morri... porque léguei!
Ora, fazendo o exercício de ler o comentário do rapaz em voz alta, facilmente se percebe a dúvida. Exato... foi isso mesmo que eu percebi. 

Catarina Rodrigues

04/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 20

- Ah! Desculpe, não era para si!

Eu tinha atendido o telefone com o entusiasmo correspondente.

- Dona Esmeralda, há quanto tempo!
- Não era para si, desculpe... andava a tentar apagar o número de uma pessoa que morreu e liguei para si.
- E como eu ainda não morri, atendi. Como está?
- Olhe, sei lá. Estou! Tal como todos, nesta prisão!
- Então já não vai trabalhar?
- Ai vou, isso vou! Levo um cachecol enrolado a tapar a boca e o nariz e apanho o autocarro. Mas lá no refeitório andamos todas de máscara e luvas, tem de ser. As outras pessoas não, quando vão comer não levam máscara e sentam-se dois em cada mesa, naquelas mesas compridas, há turnos, está a ver?
- Deve ser cansativo andar de máscara todo o dia.
- Então não é?... Eu até parece que ando com a garganta esquisita. As gargantas não estão habituadas às máscaras, filha.
- Pois, acredito... Então mas ao menos vê gente, não está o tempo todo sozinha.
- Ó filha, mas eu queria ficar em casa, acho que era melhor, não acha? Sempre a lavar as mãos, de tanto em tanto tempo lavamos as mãos... eu até já tenho as minhas alcoolizadas.
Se já me estava a ser um bocado difícil gerir as gargantas não estarem habituadas às máscaras, agora é que escapou mesmo a gargalhada.
- Desculpe, Dona Esmeralda. É que ter as mãos alcoolizadas não é para todos.
Ela também se riu. 
- Ai a gente ri-se, mas isto é muito triste. Quando vou às compras, as pessoas é um passo para trás um passo para a frente, toda a gente a afastar-se, a ir de volta, é muito triste, filha.
- Olhe, mas isso do cachecol. Faz muito bem, tem é de o mudar...
- E mudo! Ainda hoje lavei dois. E como tenho cinco, é um para cada dia da semana, está tudo controlado! E olhe, combino o cachecol com a roupa, escolho o que dá melhor, e lá vou eu!
Agora rimos ao mesmo tempo. 
- Mas sabe, há uma coisa que me revolta.
- O quê, Dona Esmeralda?
- É os hospitais não terem tudo o que precisam e haver tanto dinheiro metido em estádios de futebol. A quantidade de estádios que se fizeram p'raí e ficaram às moscas, já viu? Depois vem uma coisa destas e os hospitais não têm o que precisam! Então não era de o dinheiro ter ido logo para os hospitais?

Como diria a Carla, com quem eu partilhava intervalos à beira da máquina do café com a D. Esmeralda por perto a nutrir a conversa: Já foste!

03/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 19

Hoje tive um lindo dia de folga. Quando, a meio da tarde, fui à rua pôr o lixo (não sei se já tinha trazido para aqui o querido tema de ir ao lixo), parei toda calminha junto à porta do prédio, do lado de fora, a apanhar uma aragem relativamente composta num espectro de temperatura com ares de primavera. Ares, literalmente. Ora enquanto estava nesta parada a aproveitar-me da situação e sem ir a correr devolver-me à minha casa, ao aspirador e ao pano do pó, como devia, li os editais que a Junta afixou na porta com informações está-se mesmo a ver relativas a quê. Um dos editais com um texto longo, mas eu - que leio as embalagens de champô, do leite e dos cereais de pequeno almoço - li-o. As lojas que estão abertas, as que fecharam, o que temos de fazer se sentirmos isto ou aquilo, números de telefone e horários, linhas de apoio e, bem presente, destacada pelas maiúsculas com que nasceu, por todo o texto de alto a baixo, a palavra de ordem: COVID-19.
De repente, já nas últimas linhas, encontro-a. Fruto, quem sabe, de um cansaço de ser, de um suspiro de esperança, do escapar de um dedo crente ou, sei lá, de uma ação intencional, a mutação: COVIDA-19.

02/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 18

E temos, diretamente do prelo da redação colateral deste blogue denominado, de vez em quando, "avós à solta", mais uma contribuição da nossa convidada especial!

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O dia a dia dos dias de hoje
O despertador tocou e eu levantei-me para mais um dia de trabalho. Tomei banho e demorei algum tempo a escolher a melhor indumentária para me apresentar ao serviço porque estava indecisa entre as três leggings pretas que tenho e umas cinzentas. Escolhas feitas, calcei uns sapatos a condizer: as minhas pantufas cor de rosa para contrastar com os tons de cinzento eleitos para me aquecer acima do tornozelo.
Demorei algum tempo a chegar ao trabalho porque os gatos não me largavam os pés a pedir comida. Tropecei neles duas vezes! Apesar do trânsito e de ter escapado ao sinistro por uma unha negra, consegui deixar os miúdos nas aulas, na mesa da sala, e fui para o trabalho, que não fica longe, na outra ponta da mesa. Cumprimentei colegas via whatsapp, li os e-mails pendentes (uns 150), respondi e recebi mais uns quantos, atribuí trabalho, recebi, corrigi, dei o devido feedback e a manhã estava feita.
Fui almoçar ao restaurante do costume e pedi mesa na esplanada, uma varanda com vista para a vizinha da frente. O pessoal do restaurante é muito simpático e conhecem-me há tanto tempo que me fazem sentir como em casa. Depois de analisar a ementa ao pormenor, escolhi o prato do dia (o único), que era esparguete à bolonhesa. Para sobremesa, doce da casa (já só há laranjas). Os outros clientes do restaurante, os meus filhos, eram simpáticos e criou-se um ambiente agradável. Depois de beber o café (isso ainda há, pouco), lavei a loiça para pagar a conta e regressei ao trabalho.
A tarde de trabalho não foi muito diferente da manhã. Mais uns 500 e-mails, leitura, resposta, organização, correção, feedback... e correu tudo bem.
Antes de ir para casa, ainda passei pelo ginásio que fica em frente à televisão para uma aula com o meu PT, o YouTube. Fiz bastante exercício, mas não me cansei o suficiente porque, antes do jantar, ainda me deu para ir fazer uma caminhada até ao caixote do lixo que fica do outro lado da rua.
O jantar fui eu que fiz e não estava mau. É curioso, porque o tempero da cozinheira do restaurante onde fui almoçar é bastante semelhante ao meu.
Enfim, no meio de toda esta atividade, acho que avariei o telemóvel porque o contador de passos registou pouco mais de 500.

Catarina Rodrigues

01/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 17

Há uns dias a esta parte venho notando a suave, progressiva involução: a garrafa do líquido das lentes de contacto está a chegar ao fim; não se tratando de um Bushmills ou lá o que é, também faz imensa falta a garrafa. Se noutros tempos isto era involução (o termo raro aplica-se por exemplo a úteros) para me arreliar, quase tanto aliás como ver o depósito da gasolina do carro a não ir para cheio, agora começou a entusiasmar-me. Anuncio, portanto, que vou ir, em breve e com legitimidade, bater à porta do oculista (vou ir é ainda mais raro). Se estiver aberta, entro e só saio, eu digo, com uma nova garrafa, cheia (uma?! é preciso ver o exemplo do papel higiénico), ou duas! Pois se hoje foi a minha vez de ir lá abaixo à beira da rua contribuir para a evolução do carregamento de um contentor de lixo (evolução é que já coiso) com o nosso, amanhã será a vez de ir a minha filha Saminhas, já que a terceira ocupante da casa, ocupante mas muito menos, isso não faz. Esta última não chega nem se aproxima dos quatro quilos de peso e tem outras competências, por exemplo, jogar às escondidas como e com gente grande e bater mosquinhas que esvoaçam aflitas no vidro da janela com saltos altos (sim, sim). Portanto, como amanhã será dia de ir a Saminhas fazer o percurso para o contentor do lixo, vou eu mesma em pessoa real visitar o oculista, e se faz favor onde se lê real deve entender-se não-virtual. Deste modo, ficaremos com as idas à rua tão bem distribuídas como está espesestetacular este post, não ficaremos?