a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

28/02/2013

O voo da alma

Cheguei há umas horas. A minha alma, como sempre faz, ficou lá em cima nos onze mil metros. Voa lentamente e por isso chega mais tarde. Gosta da altitude.

A casa, silenciosa e fiel na espera, abraça-me às boas vindas. Ignora o vazio que trago e que tardará preencher.  

Fascina-me a rapidez com que mudamos de país, de língua, de fuso horário, de cheiro, de temperatura, de cores. O meu código genético não foi preparado para isto. Fico tonta enquanto não recupero a alma, que ficou lá em cima. A gravidade não lhe causa efeito.

Mal o avião abriu as portas, o primeiro passageiro luso que cruzou o funcionário do aeroporto de Lisboa, ainda dentro da manga, atirou, com a ansiedade e a urgência de ser português:

 – “Então o Benfica? Zero a zero? Vá lá, não é mau...” 

Fiquei sem saber se a fila da segunda circular que vi lá de cima era do Benfica ou do Sporting. Hoje jogaram as duas equipas, que dia em cheio!

Não sou capaz de discutir futebol. Mesmo em modo de consumo mínimo de energia, à revelia da consciência, não me alinho na frequência certa, ainda que tente. No entanto, nutro uma certa ternura por aqueles que se sentem felizes, genuína e profundamente felizes, quando o seu clube conta uma vitória. 

A mim basta-me ter cumprido a lista de tarefas que viajou no meu pensamento, terminar o chá de tangerina e laranja que inventei de tomar para combater o frio que veio no mesmo vôo, ir enfiar-me na cama com um livro e fingir que os minutos dourados de leitura me roubam o vazio.  

Talvez lá encontre a minha alma. Secalhar já desceu e foi-se deitar.

2 comentários:

  1. Querida Susana, hoje já é dia 29 de Fevereiro de 2016, um dia que não existiu no calendário de 2013. Em 2013 eu também não sabia que ia gostar tanto de te ler, porque ainda não te conhecia. Construir um blogue é um trabalho muito difícil, agora sei. Podemos nunca encontrar as almas que vagueiam por essas alturas fora, desfasadas da nossa, mas que em muita coisa são coincidentes. Sinto que foi muita sorte que num dia qualquer, desses que vivemos entre 2013 e 2016, as nossas se tenham encontrado à mesma altura.

    Um abraço apertado.

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    1. Teresa, que feliz fico que sejas a primeira pessoa a comentar aqui neste blogue! :-)
      Também eu gosto tanto de te conhecer e te ler, beber desse teu mundo cheio, carregado de beleza. às vezes sabe-me como um bálsamo.
      Sim, construir um blogue é um prazer e por vezes também dor. Mas o balanço é tão positivo, que eu - posso afirmar - sou mais feliz desde que tenho o blogue. Sou mais eu.
      Foi sim, foi muita sorte as nossas almas terem-se cruzado algures, mas se Camões estivesse aqui a ouvir-nos, era rapaz para acrescentar que as almas que são para se conhecer, caminham irreversivelmente uma em direcção à outra (ou coisa assim). :-)
      Obrigada por dares estes momentos de ti ao blogue, a mim.
      Um abraço apertado, querida Teresa.

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