a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

06/01/2014

Felizmente há bermas

Enternecem-me deveras os desejos de boas festas que toda a gente dá a toda a gente, e toda a gente ouve a toda a gente. Relação biunívoca presente e superlativa deste tempo festivo. Ou melhor, daquele, que hoje já é quase tarde para festas (destas, das outras é tarde nunca).

Enternecem-me. É que estou em crer que as festas (daquelas, não das outras) seriam mesmo mais pobres se os votos expressos em cartões com presépios pintados, em correios electrónicos, oralmente a cada despedida, em cada abraço e até por estes blogues fora, como constato agora que passei o meu primeiro natal de blogue, se estes votos expressos, dizia, não existissem.

(fiz hoje, que foi domingo, uma sopa aprimorada: está a dar-me a fome)

Mas nem todos os desejos de boas festas me enternecem, há um tipo que me não colhe a mais pequena vibração dos lábios, inclinação de cabeça ou entortamento, entortamento não sei se existe, das sobrancelhas, filho único mimado que quer atenção e nunca lha dou. É ele, o tal tipo, as mensagens de telemóvel colectivas (não profissionais), mensagens que partem de alguém para toda a multidão dos seus contactos guardados.

Sabem-me a toma-lá-mais-uma-e-vais-com-sorte-que-não-tenho-tempo-para-ti. A despachar, portanto. E as coisas do coração, sejam festas boas ou boas festas, não se despacham.

(estou aqui estou eu a despachar um prato de sopa)

Voltemos às que enternecem. Esta, por exemplo:

- Olha, um cão na autoestrada!

E o cão atravessa mesmo à nossa frente, Erik abranda, dá tempo de evitar o mal, o cão encosta-se à berma, felizmente há bermas.

- Liga o 707 221 221, diz-me o Erik.

Eu, surpreendida mas crente, que ele está a acenar que sim que sim, liga liga, o número é este, eu sei o número, ai se sei, ligo.

tsc tsc tsc, não, tic tic tic

- Está? Estou a falar para uma empresa que faz a gestão de autoestradas?, e olho de lado para o condutor que me leva ao natal em família e em Lisboa e hoje é o dia vinte e cinco de dezembro e há um cão desorientado na autoestrada e eu estou admirada e ele sabe o número.

- Sim, minha senhora, temos várias, a A21, a A17, a A15...
- E a A13, têm a A13?
- A A13 é de outro departamento, vou passar.
- Obrigada.

Continuo incrédula e o Erik a acenar e a sorrir, mas como raio sabe ele o número de telefone, e vem outra senhora ao telefone, está lá.

- Bom dia, é para informar que está um cão na autoestrada A13, kilómetro 133, sentido que há-de dar em Lisboa, e o cão está vivo, desorientado, encostou-se à berma. Pode provocar um acidente, é perigoso.
- Esteja descansada que vai já um carro recolher o animal, muito obrigada por ter ligado, sim?
- É um cão, não se esqueça.
- Sim, recolher o cão. E um Feliz Natal para a senhora e para os seus.
- Um Feliz Natal para a senhora e para os seus também, oiço-me dizer.

Então? É ou não é bonito?

E isto passa-se na A13. Se tem sido na A1 que, à chegada a Lisboa come as bermas, erige paredes altíssimas a quererem esconder que Lisboa é tão feia vista daqui, paredes que fazem as bermas ainda mais necessárias, se tem sido na A1, não sabia o Erik o número de telefone e não tinha eu ouvido "Feliz Natal para a senhora e para os seus".

E agora não estava aqui cheia de vontade de comer a sopa e de desejar a todos os que leram esta história até ao fim um muito bom 2014.

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