a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

14/11/2014

A dar sede

Para compensar o incompensável, comi um extraordinário, possante, inchado e estrondoso croissant com chocolate. Quente, como tu.

O momento veio sem eu esperar, era a aula de ginástica que hoje não houve, e eu meti-o, ao momento, na fenda deste final da tarde chuvosa que me lavou a alma, o que eu gosto de chuva. Assim sozinha encho-me de ti sem distracções. Não me sentei, na croissanteria não há mesas nem cadeiras, não há nada senão o essencial. Os fregueses fazem fila mas hoje não havia, a chuva fecha as pessoas em casa. Tirando eu, estava o homem do talho com tatuagens nos braços e avental vermelho para não se notar o sangue, de certeza que é, a deliciar-se com um exemplar destes que já vai a meio, presumo que deve precisar muito de chocolate este homem.

Queimei os dedos com o líquido escuro que sangrava da massa a fumegar e que cuidei não caísse no chão, já me basta tu sei lá onde.

Não tenho a destreza de quem degusta amiúde estes pedaços de mau caminho, eu só lá vou duas vezes por ano. Vagueei então pelas montras ao acaso, vi os sapatos. Detive-me para manobrar mais um fio grosso de chocolate líquido que quer chegar ao chão depois de me revestir dois dedos, não chegou, mas deu-me tempo de constatar que os do tipo matacão ainda se vendem, parecem armários bons para guardar ferramentas. Ou então para caixa de costura se viessem a pertencer à minha avó.

Passei à montra seguinte, a loja dos brinquedos. Nunca tem ninguém e eu continuo a achá-los quase todos inúteis. Quanto mais se desenvolvem para subir no ranking do muito lúdico, menos a criança tem de imaginar. Enfadada estará ao fim do primeiro tempo, natais e natais que acumulo mostraram-me isto.

Ao imergir nestes pensamentos que não servem para nada lá se foi a parca destreza e tive de inclinar a cabeça a quarenta e cinco graus, com urgência, para sorver o chocolate a formar piscina no papel que se está a desfazer, mas não me escapa este néctar, são só duas vezes por ano. Escondi-me atrás da pilha de jogos educativos, que é mais alta que eu, daqui mesmo inclinada vejo as lupas e as redes de caçar borboletas, a torre eiffel de construir e um presépio de madeira que custa quase tanto como as botas que quero comprar, escondo-me da lojista que olha para mim fixamente, não vá ela ter ideias brilhantes e avançar.

Foi aqui que terminou o assunto e eu suspirei. As minhas mãos denunciam na perfeição o que acaba de se passar, ninguém me vê a tricotar meias para bebé. Felizmente a sorte está do meu lado e os lavabos também, de maneira que deslizei lá para dentro e não tomei banho mas praticamente. Pode parecer às pessoas que há exagero, não há. Havia era muito chocolate, muito.

Não sei se este post está a dar sede. A mim costuma dar. Quer dizer, imagino que sim, porque um post destes nunca vi. É único.

És único.

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