a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

25/04/2019

Esperança

Liberdade é escolher a hora do sol para tornar a sair e deixar o carro na garagem. Caminhar pouquíssimo até à loja do chinês e comprar um balde verde, um alvéolo furado em verde para encaixar no balde e uma esfregona de cabo também verde que será espremida no alvéolo furado encaixado no balde com clique. Liberdade é escrever isto e ainda que faltava o clique. É comprar um pequeno alguidar que o outro se estragou nas obras, também verde. O balde anterior igualmente se estragou, e a esfregona, o escadote. O meu escadote. Hoje escolho verde. É a cor que dizem da esperança e eu sou livre e supersticiosa se quiser. A esperança que pode ser prima da liberdade, tenho a certeza. Ainda na loja do chinês, tomei na mão livre um utensílio próprio para lavar janelas com borracha afiada em lâmina de um lado e esponja do outro. Bem pensado.
Caminhei de volta para casa ainda com sol. Sol e o arsenal descrito nas mãos. Ao chegar lavei o chão da cozinha, da entrada, do corredor, da varanda e de uma casa de banho. Lavei mais coisas na casa de banho. O chão da cozinha lavei duas vezes. A mesa e as cadeiras só uma, ficaram lindas. Continuo a sentir debaixo dos pés o pó finíssimo depositado pelas obras. Vive cá em casa há praticamente seis meses sem parar. Parou no chão, vamos. E dentro dos roupeiros. A entrada também lavei duas vezes. E a porta mais usada e os puxadores, com um pano. Uma vez. Liberdade pode ser não dizer a cor do pano. Ficou nojento. Os vidros não lavei nada, mas entreguei o trabalho que tinha data de amanhã e o outro para segunda feira levou um avanço. Liberdade é comer bacalhau cozido quando as miúdas não estão, o cheiro que fica, aquilo tudo e não as ouvir reclamar. Liberdade é o silêncio.

Não sei o que é o oposto de liberdade. Mas a esperança de nunca vir a saber, sei.

15 comentários:

  1. O oposto de liberdade talvez seja segurança, um binómio tramado, de difícil equilíbrio. É-se livre mesmo quando não se usa a liberdade? Ultimamente tenho usado muito pouco a minha, mas em contrapartida tenho a casa limpa. :)
    Sol para a casa renovada e para ti.
    E um daqueles horríveis (com clique) :)

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    1. Eu acho que a segurança é necessária para se ter liberdade, ou pelo menos uma dose de liberdade que nos satisfaça. Na verdade, parece-me também que cada um de nós terá provavelmente um conceito diferente de liberdade.
      O passaporte da minha avó, que guardo como recordação preciosa, tem uma inscrição dizendo que mulher casada só poderá viajar para fora do país mediante autorização do marido. Aliás, o passaporte era dos dois, conjunto.
      Essa é uma não liberdade que as mullheres da minha/nossa geração já não sabem o que é.
      Bem horrorozinho e o clique também! :-)

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  2. Liberdade é estar aqui a ler este post em vez de estar na "camanha" a dormir, portanto, liberdade também é prevaricar, e, agora, liberdade também vai ser querer comentar e poder, mesmo para não dizer nada de jeito, que o que me apetece mesmo é dizer "Olá Susana!". Liberdade é ter visto ali aqueles ovos e querer devolver um "Páscoa Feliz para ti também!" e isto ser um despropósito porque venho completamente atrasada, mas, liberdade, também pode ser fazer de conta.
    Liberdade também é agora não saber como acabar este comentário, que queria assim um fim de valor, mas não está a dar, e, por isso, vai ficar assim...

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    1. :-)
      Tu nunca estás atrasada, Cláudia. Aliás, neste blogue ninguém está. Somos todos livres de vir se e quando quisermos. Só assim é que vale.
      E ficou muito bem o teu comentário, querida Cláudia.

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  3. Reservo-me a mesma esperança. A mesma vontade.

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  4. liberdade é o silêncio, mas é também o grito, é a possibilidade de escolher.

    (concordo com a Teresa, no oposto da liberdade, para além do medo, vejo a segurança, essa sim, muito mais difícil de declinar pela vontade de ser livre.)

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    1. Tal como escrevi ali à Teresa, a segurança para mim é chão para poder ser mais livre. Contradição, talvez? :-)
      Como vi mulheres da geração das minhas avós sendo tão pouco livres, agora saboreio muito a minha liberdade. Está ótima assim. :-)

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  5. as últimas duas frases deste post. és grande, Susana.

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    1. Ó meu querido amigo Diogo, merci!

      (mas não sou, não não)
      :-)

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  6. a liberdade é liberdades

    não sei se és grande, mas és

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  7. Continuamos a ler na planície e a planície essa, transmite a maior sensação de liberdade que podemos usufruir.
    Ass. Bruno Alves

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    1. No ALentejo, Bruno? :-)

      Eu também gosto de planícies.
      Um abraço.

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