a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

24/10/2020

Quarenta e nove horas

No refeitório do Cliente Grande deixei o porco no prato quase todo. Estando ali, naquele são lugar, cercada de gente boa, rolos industriais de papel de limpeza e garrafas de pulverizar desinfetante nas superfícies, calculei segura a investida nas fatias de lombo de porco assado. Fatia, na verdade implorei uma, por favor só uma! (mas é próprio da gente boa exceder pedidos - recebi duas). O agrupamento de quartos de batatinhas assadas ali ao lado também prometia elevar o lombo de porco a tolerável por talvez passar despercebido e isso ajudou-me a dar o passo. Portanto, logo depois, já sentada à mesa, as conversas em volta bem lançadas, temperadas de risos, ornadas pelos sorrisos libertos de máscaras, autorização enfim para enquanto se come, dediquei-me a um pequeno pedaço de fatia de lombo de porco. Com o espírito aberto e respirando como deve ser, elevando a circunstância um pouco mais e tudo, abocanhei com jeitinho (mantendo o olhar atento). Mas foi ineficaz a empreitada, o desgosto confirmou-se. E o porco acabou por isso devolvido no prato quase todo (ainda que envergonhadamente). 
Dias depois, no mesmo refeitório, agora sobre um almoço adequado, seguro, e até com algumas delícias, aludi, como quem não quer a coisa mas sim tirar nabos da púcara, ao lombo do porco de segunda feira (era uma segunda feira)! A minha companheira de mesa - ela e eu colocadas em diagonal para fintar qualquer carga viral que alguma de nós pudesse emitir em frente - também havia comido o mesmo lombo de porco fatiado, e eu precisava de saber, de tentar calibrar-me. Ora ela:
- Não estava nada mau o lombo de porco! 

Pronto, já passou. Bem vistas as coisas, chegamos à manhã de sábado do mais longo fim de semana do ano (uma alegria). 

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