a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

28/11/2020

De primeira

O homem caminha apressado com a sua bagagem de mão por ali fora até se cruzar com a hospedeira de terra. Pelo menos acho que é esse o caso, uma hospedeira de terra. Ela está a organizar as entradas no avião da Portugália, tendo começado pelos passageiros da classe executiva (e bebés). Nunca são muitos estes passageiros e sendo esta uma aeronave mais pequena, claro que menos serão eles estatisticamente. Vai então o homem a todo o gás a cruzar a hospedeira que, tendo já testemunhado o embarque de um ou dois desses passageiros mais raros que pagam muito muito muito mais pelo bilhete de ingresso, se inclina para este e pede confirmação por detrás da máscara, executive class? Eu agora por acaso estou na dúvida se era executive ou se era first class, mas deixemos lá isso, tanto faz. O homem abranda ligeiramente o seu passo veloz e confirma que sim, ele é um executivo (ou de primeira). Ela OK, siga meu senhor toda profissional e isso e o gajo, passou a gajo, pára, volta-se para ela inchado de indignação e diz uma data de coisas zangadas como ferido no orgulho por alguém ter imaginado que ele poderia numa eventualidade super improvável pertencer a outra classe que não a primeira.
Ora agora, que voltámos todos para a mesma gate onde isto se passou três horas antes, porque o sistema lá de voo da aeronave informou à beira da pista que não havia condições para descolar, agora estou toda curiosa a ver se no segundo embarque o gajo também se vai inchar para ali imenso se quem fizer o serviço desta vez não adivinhar à cabeça que aquele passageiro sim senhor, não há dúvidas, aquele passageiro pagou o seu bilhete muito muito muito mais caro e portanto é de primeira. Coitado.

11 comentários:

  1. Olá Susana,

    e que tal era o gajo?
    Giro e com ar distinto, ou com ar de parolo e malinha Louis Vuitton e assim?
    Porque parvo e presunçoso, já sabemos que era 😂

    Bom fds XL!
    🐈

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  2. Olá, Maria!
    Bem, fisicamente era baixinho, perna curta. Seria giro se tivesse respondido com sentido de humor, por exemplo.
    Mas como deve ser daquelas pessoas cheias de si próprias, sempre prontas a indignar-se com algum pequeno deslize de outros, nem que fosse um Adonis eu o acharia giro.
    Bom domingo, Maria (com boas leituras?) 😊

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    1. Bom dia, Susana!
      Então confirma-se: pernas curtas, vistas curtas.
      Por vezes são complexos de inferioridade... se bem que haja baixinhos muito queridos e bem educados :-)

      Continuo a ler a rapaz das Caxinas e, não fosse a vida tão ocupada que tenho agora, seria livro para ler num dia ou dois.
      Eu tenho a mania de pôr recortes de revistas ou jornais dentro dos livros a que se referem, e agora ao abrir este livro encontrei lá uma lista dos 10 livros da vida do Rodrigo Leão. Para além do Camus, do Eça, do Hemingway, do Herberto Helder, o Rodrigo disse (em 2015) o seguinte acerca de O Filho de Mil Homens e do seu autor:
      «É um escritor que admiro muito e este é um livros mais enternecedores que li nos últimos anos».
      Fico feliz quando constato que pessoas que admiro têm gostos semelhantes aos meus.
      E também fico feliz quando pessoas de perna curta e vista curta (ou míopes, or whatever) têm gostos opostos aos meus... e assim é que deve ser: cada um pode gostar do que quiser, mas sem necessidade de gozar, achincalhar e até mesmo ofender e magoar, como se fossem detentores da verdade, e ainda por cima a coberto do anonimato, e não sendo sequer críticos literários... mas gostando de dizer coisas interessantíssimas como, por exemplo, que não gostam de homens peludos 😂
      Valtinho e Gonçalito: já para a depilação, se querem ter ⭐⭐⭐⭐⭐ nos próximos livros 😂🤣😂
      Enfim, é o país que temos.

      Bom domingo, Susana.
      🐈





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    2. Adenda:

      Volto aqui para dizer que conheci o (e não a) rapaz das Caxinas, há muitos anos, numa Feira do Livro no Fundão, ainda ele escrevia poesia e não ficção (aliás, era um dos donos da editora Quasi) e achei-o uma pessoa encantadora, embora extremamente tímido.
      Tínhamos uma amiga comum e foi assim que o conheci, tal como o José Luís Peixoto, outro escritor que muito admiro e que, por acaso, é um grande conversador.

      Beijinhos, Susana, e boas leituras.
      📚


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    3. Oh, que bonito momento deve ter sido esse, Maria! Sim, ele tem todo o ar de tímido, talvez por isso ele não vá nunca (que eu saiba) à Feira do Livro de Lisboa... será?
      O José Luís Peixoto é muito amável, já estive com uma das minhas filhas uma hora na fila para obter uns minutos com ele e uns autógrafos, claro.
      Beijinhos, Maria, boa semana.

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  3. Sempre os achei imensamente tolos, o avião é o mesmo, só uma mera cortina separa uns dos outros e alguns salamaleques sem muita importância:)
    ~CC~

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    1. Alguns serão tolos, de facto (como este que me inspirou o post) :-)

      Mas outros não. Para quem viaja muito, faz toda a diferença poder ir mais tranquilo sem crianças a berrar ao seu lado (como me aconteceu neste último voo, durante TODO o voo - o miúdo devia ter algum problema), por exemplo. :-)
      Também já viajei uma vez em primeira ou executiva ou sei lá como se chama essa classe num voo muito longo, em trabalho. E, mesmo assim, cheguei mais para lá do que para cá.
      Boa semana, CC.

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  4. Adoro estes contos, ainda por cima reais, para adultos, que têm moral da história e tudo.
    Não falta gente com acesso à primeira a ter comportamentos de segunda, nos mais variados contextos (às vezes penso se as pessoas não estarão particularmente chateadas, naquela altura, com coisas da vida delas e não aproveitarão a primeira situação, por mais disparatada, para descarregarem). Nesse caso, o comportamento de segunda está na tolice e na deselegância a que a tolice levou e não na compra do bilhete, até porque, e se for o caso, pelo que sei, no caso dos executivos de topo, que se fartam de ter de andar de um lado para o outro em trabalho, a classe executiva faz parte "do pacote" e são as empresas que pagam, não é escolha, é consequência.

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    1. Na verdade, quanto aos executivos de topo, acho mesmo que se trata de uma necessidade viajar mais confortavelmente. Um banco de avião é dos lugares em que nos enfiamos com menos folga em nosso redor e consequente menor nível de conforto. E cada vez mais isto é verdade. QUantas vezes fico contente por não ser altíssima e conseguir ainda enfiar as pernas entre o meu banco e o da frente sem espetar os joelhos em lado nenhum - há quem já não consiga :-)
      Mas o teu bom coração lembra bem: "às vezes penso se as pessoas não estarão particularmente chateadas, naquela altura, com coisas da vida delas e não aproveitarão a primeira situação, por mais disparatada, para descarregarem" - quem sabe é isso mesmo que faz algumas pessoas ficarem assim de segunda.
      Uma semana feliz, Cláudia :-)

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  5. Numa breve passagem - com mensagem colada - a fim de poder chegar a todos. Desejando que todos se encontrem bem de saúde. Obrigada a todos por não me terem “abandonado” Voltando, conforme o tempo me permitir. :)
    --
    “ Liberdade hipócrita ”
    -
    Beijo e um excelente Fim de Semana;-Prolongado.

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    1. Então que seja um bom regresso, Cidália, de preferência sem hipocrisia!
      Boa semana, beijinhos.

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