a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

06/02/2015

Em postas de caldeirada

Descobri por acaso que apenas dois meses de calendário separam os nascimentos de Fiódor Dostoievski e Gustave Flaubert. Dois meses e um par de milhares de quilómetros, mas os dois meses é que achei imenso.
Imenso aqui quer dizer coisa de relevo, é tomar nota. Depois, agora já não por acaso, mas por interesse, apurei que morreram estes mestres da pena em anos consecutivos, o que não é pouco coincidente, é muito. Resultado, escolhi Fiódor para se seguir à leitura de Madame Bovary, como aliás se estava mesmo a ver.

A minha filha diz que adora a professora de matemática e pôe-se a tecer durante um pedaço de tempo bem medido em minutos nada magrinhos um rol de elogios, após o que conclui que a referida professora se parece comigo. Com as devidas correcções, acrescenta com prontidão, no que toca ao enfoque em marcas de produtos, será roupas será malas, que na professora se evidencia claramente e em mim uma instalada escuridão revela a ausência de semelhantes interesses. Não é verdade, eu gosto de marcas mas ainda é segredo não registado fora daqui.

Há dias, encontro-me manhã bem cedo no autocarro que me leva e a outras pessoas minhas desconhecidas até ao embarque no avião da TAP que está algures longe do alcance das mangas, acontece. Uma destas pessoas, de idade muito tenra, eu dava-lhe dois anos se ela quisesse, tem o cabelo encaracolado e senta-se ao colo de uma mãe farta. À medida que vamos passando pelos aviões estacionados ora aqui ora acolá, chama-os pelo nome, chamar é favor, o que ela faz é gritar entusiasticamente, numa familiaridade a plenos pulmões, os nomes dos aviões. Nomes dados por ela que não pude reter devido ao sotaque conferido pela parca experiência demonstrada no falar, uma pena. Eu também sofro de fascínio por aviões há muito tempo, mas nunca o tinha diagnosticado numa miudita a quem dei dois anos (terá ficado com quatro), quanto a mim é de assentar.

Hoje no museu Kroller-Muller (Kroller leva trema em cima do "o" mas eu não sei pôr), fiquei a saber que a pintura de Vincent van Gogh começou a ser conhecida e apreciada em círculos cada vez mais largos muito depois da sua morte. O casal com aquele nome que leva trema em cima do "o" gozava de larga abastança financeira e fez a primeira aquisição, depois a segunda e assim sucessivamente, os números não gostam de mudar de lugar e o jeito que isso dá, uma após outra compraram ao todo largas dezenas de obras do Vincent. A primeira foi esta, caso haja interesse, para mim houve, que nunca tinha visto esta orla desta floresta assim.

"Bosrand", Vincent van Gogh, agosto/setembro 1883

Estou, portanto, deslassada, desgarrada e desfiada, como já se vê, não sei que me fez isto. Nada de história coesa, nada de fio a pavio, tudo assim servido em postas de caldeirada, fatias de bolos diferentes, missangas de vários colares, o problema é a vontade de escrever. Estou aqui estou a pedir perdão.

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