a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

10/12/2015

Incubadora de posts dá nisto

Voltei a usar o meu caderno de notas para incubadora de posts, daqui em diante acabou-se o ai-eu-não-me-esqueço. Esqueço. As ideias são tão perecíveis como a flor da magnólia ou os morangos.

Posto isto - brincadeirinha com a palavra - posto isto:

Hoje jantei sozinha, quer dizer, com um livro. Mas um livro de tal maneira grosso que não queria manter-se aberto com o peso próprio das duas metades, não obstante uma bem maior que a outra, e fechava-se enquanto eu cortava o frango com os olhos no prato. Meto-lhe, então, depois de o voltar a abrir, o comando da televisão atravessado em cima das páginas abertas, mas o pobre também não tem peso próprio para desempenhar a tarefa e o livro dá-lhe uma dentada franca, chláp. Considerei ir buscar mais comandos de televisão, da playstation três, etc, devo ter uns seis em casa ou sete se contar com a wii, mas devido a não serem transparentes, a leitura tornar-se-ia impossível ou muito difícil entre duas garfadas bem cortadinhas de frango junto a um livro coberto de comandos remotos atravessados.
Mas vamos ao ponto. Acabei então de comer sem ler e no fim sobrou um bocado do vinho no copo, perfeita ocasião para dar alimento finalmente aos meus famintos olhos. Começámos, mas o vinho pediu um pedaço pequeno de chocolate negro para brincar na boca. Dei-lho, até lhe dei dois, para ele sossegar e me deixar ler. E então, às linhas tantas, solto uma gargalhada muito boa, tão boa que me lancei em notas na incubadora de posts por causa dela. A magnífica Clarice Lispector estava a contar-me na página aberta que usa máquina de escrever (o meu nível de interesse sobre a questão intensificou-se porque aquilo foi escrito enquanto eu me incubava dentro de minha mãe, fiz as contas), e usa máquina de escrever no colo. Como se a máquina fosse uma pessoa. Que a máquina lhe provoca pensamentos e sentimentos, que lhe capta subtilezas e, depois, a gargalhada minha aqui: "Eu gostaria de dar um presente a minha máquina".

Quando parei de rir, disse à página aberta que adoro isto de oferecer presente a máquina de escrever, que ela é maravilhosa por se lembrar de coisa assim, que se eu pudesse ir ver a Clarice ao Brasil eu ia, mas lembrei-me de repente de uma coisa. Eu já fiz pouco, gozei mesmo a sério, quase achincalhei, em outros natais, as minhas duas irmãs que tinham cães, cada uma o seu. Só porque elas ofereciam presentes aos cães. Ao próprio e ao cão-sobrinho. E isto eu sempre achei parvinho. Mesmo mesmo parvinho. E só conto hoje aqui no post porque agora já não acho.

15 comentários:

  1. Bom dia, Susana. Eu já detestei gatos, acho que até tinha medo deles, imprevisíveis como são e espertos, que se apercebessem o quanto eu os temia e se atirassem a mim. Hoje tenho dois. No início partilhava fotos e só falava deles. Este relambório todo para dizer que muitas coisas que achava idiotas, deixaram de o ser, talvez porque tenha entrado para o clube dos idiotas-parvinhos-lamechas-pirosos-que-se-estão-na-tinta-para-o-que-os-outros-pensam.
    Continue com a sua incubadora de posts!
    Beijinhos

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    1. Boa noite, Ava. Ou seja, essa mudança de opinião quanto aos gatos resulta em pelo menos dois mais felizes. :-)
      De facto, quantas vezes nos acontece mudarmos radicalmente de opinião quanto a alguma coisa, ou mesmo a alguém! E isso, penso eu, é um sinal no mínimo de inteligência.
      Beijinhos de volta.

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  2. nã há como segurar certos pensamentos se nã forem imediatamente agarrados às linhas, depois é incubá-los, e aqui está o resultado :)
    já tive máquina e até cão por afinidade, agora só o caderno, mas nã vejo o que lhe possa oferecer :)

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    1. Manel, os seus "nã" sem "o" divertem-me. Primeiro pensei que era por engano, mas já percebi que nã.

      :-)

      (caderno infeliz o seu, portanto)

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  3. Pois eu sou mais, digamos, digital! Eu uso a aplicação no telemóvel "Notas" para escrever as ideias todas que me surgem para escrever no blog :D
    Infelizmente não tenho animais de estimação. Vivo num apartamento e é complicado tê-los aqui, não só para mim como para eles, não viveriam com a liberdade a que têm direito.

    www.pensamentoseepalavras.blogspot.pt

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    1. Hélder, tu és mais, digamos, normal. Toda a gente é digital, embora uns mais que outros, claro. Eu cá sou dos "muito pouco". Também se chama casmurra. :-) Mas tenho uma letra tão linda...

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  4. É engraçado que a minha posição favorita para escrever é sentada no sofá com o portátil no colo. Quem sabe se não é uma forma de embalar as palavras. Gosto quando o calor do portátil me aquece as pernas. E vivemos assim, felizes um com o outro :)

    Um beijinho, querida Susaninha

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    1. Miss Smile, eu confirmo que é um forma de embalar as palavras. Isto porque eu, quando as leio, fico toda invariavelmente embalada. :-) Querida Miss Smile.
      Outro beijinho.

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  5. Querida Susana Rodrigues,
    Maravilhosos são estes presentes em forma de post. (Eu, que nunca tinha oferecido presentes aos cães, vejo-me agora obrigado a aceder aos pedidos que os petizes escrevem na carta ao Pai Natal, onde incluem "uma almofada para a Milu" e "um osso grande para a Hara". Mas desvalorizo. Encaro como sendo pedidos deles e, logo, continuo a poder dizer que não ofereço prendas aos cães.)
    Um beijo,
    Outro Ente.

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    1. Querido Outro Ente, esses presentes serão evidentemente para os seus petizes e não para os cães (apesar de eles não saberem - os petizes). Hara é nome muito bonito.
      Um Feliz Natal para todos e outro beijo.

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  6. Querida Susana, Clarice dava invariavelmente presentes à máquina de escrever, pela forma como teclava a sua imaginação prodigiosa e a transformava em literatura. Parece-me que contigo acontece o mesmo, mas o resultado é mais rápido. Ainda bem para nós, que recebemos encantados os presentes que fabricas na tua incubadora de posts, e os deixas assim, soltos.
    Um beijo.

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    1. Sem dúvida que a máquina de escrever de Clarice deve ter sido das mais felizes máquinas de escrever.
      E a ti, minha querida Teresa, muito obrigada por esses teus presentes em forma de palavras. Essa tua forma de ser ilumina os lugares por onde passas, não só o teu, como os outros (não gosto de chamar "canto" aos blogues, por isso chamo lugar).
      Um beijo com um abraço. Apertado.

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  7. Ainda bem que arranjaste um caderninho para encubar posts e a tua mãe te incubou na barriga dela. :)

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