a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

18/11/2015

Isto tinha sido ontem, mas não quis fazer dois posts no mesmo dia

O chili que sobrou do jantar passou a noite em cima do fogão desligado de propósito. Pela manhã estava o tacho aflitinho para o levar ao frigorífico passar o resto do dia muito fresco. À hora do almoço já o meu chili livre de quenturas mas não de frescuras, e diz-me na cantina a dona Esmeralda quer sopa? hoje não obrigada, então não tem fome, não tenho fome. Resposta perante a qual - reparar bem nesta maravilha que me aconteceu - ela me questiona, evidentemente.

- Mata-bichou tarde, foi?

Pausa feita por mim neste momento.

Mata-quê, dona Esmeralda?

- Se mata-bichou tarde, menina. – a dona Esmeralda já não me trata por menina mas eu nem sempre encaro as verdades de frente se não forem muito lindas – não conhece a expressão?

Ela já está toda satisfeita a olhar-me trocista por cima dos seus óculos conhecidos de ginjeira em toda a Lisboa e Vale do Tejo, gosto imenso de dizer Lisboa e Vale do Tejo, e já me apanhou na curva do tabuleiro que seguro nas mãos, desta vez ganha ela.

Não, não conhecia o verbo mata-bichar. É um verbo interessante na medida em que a parte que se conjuga é aquela que a solo não é verbo nenhum e vice versa mas isto claro que eu não lhe disse, antes levei o pensamento assim encadeado no tabuleiro sem sopa para a mesa e sentei-me com a elegância que me apeteceu. O que eu disse ao sentar-me com a elegância que me apeteceu foi é muito giro esse verbo, dona Esmeralda.

Tão giro que nessa tarde, ao fazer a escolha do almoço da semana seguinte, lá no trabalho somos muito organizados nessa matéria, quase me fugiu a caneta e pus a cruz da terça feira no ensopado de borrego para impressionar a Carla, que me afiança há anos vai para décadas que o ensopado de borrego da nossa cantina é uma maravilha (e a Carla é boa cozinheira, dizem), uma maravilha ou muito bom, depende dos dias, mas ela garante. Eu cá borrego nunca comi, toda a gente sabe isso, não precisamos de ir à minha mãe perguntar, bastou-me cheirar uma vez a panela ao lume tinha eu uns sete anos, fugi. Portanto não, desviei a caneta e votei no prato da dieta como convém às gordas e depois fui para casa tarde e pensei que podia muito bem deixar de ser esquisita, talvez os borregos de hoje sejam mais suaves no cheiro da cozedura, e ia e provava o ensopado para depois contar como ficou admirada a Carla ao observar-me a mim e ao borrego e assim fazer um post como deve ser.

(o chili continua no frigorífico - uma das colegas mais inteligentes que tive em toda a minha vida tinha a palavra frigorífico como password do computador, por isso de vez em quando ocorre-me dar notícias frescas)

12 comentários:

  1. Susanar, é o meu verbo preferido depois do...jantar!
    Mas ainda há chilar, e sopar, que dependem de mata-bichar, verbos dependentes, defectivos para certos Casos... :)

    Dorme bem Susana; votaste "em consciência". :) Aqui para nós, borrego, ainda por cima, ensopado, parece-me horrível, até porque não tem chovido...

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    1. E Teresar é o verbo que ultimamente faz-me sempre rir com vontade, querida Teresa! (voltaste em força, hein?) :-)
      Eu chilar acho que nunca fiz porque nem sei o que significa e sopar faço, muito, embora pouca gente goste do resultado, paciência (não se pode ter tudo, não é?) - sopar=fazer sopa, com certeza...
      :-) Bom ter-te de volta, é o que te digo.

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    2. Querida Susana, devia ter escrito chiliar de chili, mas a minha falta de jeito nesta tua culinária das letras fez-me surripiar um (i) com a colher de pau, antes de acabar o cozinhado...desculpa :); mas também me lembrei que se acrescentasse um (re) a chil_ar, tínhamos uma refeição completa, e de que ambas gostamos. Beijinhos

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    3. (Teresa, cá entre nós que ninguém nos ouve: onde é que tu arrumas tanta criatividade? :-))) és inspiradora...)

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  2. Já conhecia a expressão. Utiliza-se muito nas zonas rurais.
    E a Dona Esmeralda é entendida em muitos assuntos. ;)
    Beijo, Susana.

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    1. A dona Esmeralda é um poço de sabedoria e eu - confirmo - aprendo com ela. Como já se viu. :-)
      Beijo, Isabel.

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  3. Convivi durante toda a minha vida com gente que mata-bichava e que me ensinou muitos outros verbos desconhecidos :-). E com gente que mata-bichava no Alentejo, onde passei muitas férias de Páscoa, de Natal e pedaços das "férias grandes", aprendi a fazer sabes o quê? precisamente, ensopado de borrego. Quando era criança também detestava borrego, um dia, já crescida, pediram-me para provar um ensopado que diziam ser de comer e chorar por mais, e eu, embora relutante e desconfiada provei, não chorei por mais, mas repeti. Aprendi que o segredo, que não é segredo nenhum, é retirar todo o sebo, tem muito sebo a carne de borrego, e é isso que se torna intragável se não for retirado como deve ser. Hoje, durante o resto do ano acabo por não comer borrego, nem em costeletas, mas na Páscoa faço questão de cozinhar um ensopado de borrego, que dizem ser de se comer e chorar por mais, e pondo assim a modéstia completamente à parte, também acho ;-).
    Beijinhos, Susana.

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    1. Ó Cláudia.... olha que eu estava capaz de provar esse teu borrego da Páscoa se em vez de nos termos cruzado neste mundo virtual onde nem os protões têm massa, nos tivéssemos cruzado no mundo onde até os neutrinos a têm. Ai era era.
      E depois até talvez chorasse por ter perdido tantas Páscoas aborregadas,
      :-)
      Beijinhos de volta.

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  4. Mata-bichar é coisa tão boa que vou adotá-lo!

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    1. Mata-bichar fica assim com duas novas mães adotivas, que eu também o adotei. :-)
      (um verbo composto cheio de sorte, portanto)

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  5. Matabichar é bem metido. Por acaso nunca me deu pra essa, hehe

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