a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

23/06/2025

Mas como fazem os grilos?

O cair da noite, já um minuto mais cedo que ontem, não perturba o suave troar dos grilos. Troar, porque sei lá eu como designar este cri-cri incessante. Portanto troam eles, embora suavemente, e numa ondulação sonora muito conhecida.
O cair da noite, ainda um minuto mais tarde que amanhã, acompanha o sossegar dos melros, da toutinegra-de-barrete, da milheirinha europeia, do pisco-de-peito-ruivo, providenciando o arrefecimento noturno.
O estalar das vigas que sustentam o terraço, o telhado, a casa, e que ao calor da tarde incharam um bocadinho, atesta-o bem. Do outro lado do vale, um cão põe-se a ladrar. Na estrada nacional, ao fundo da encosta, a quietude cola-se enfim ao asfalto; o trânsito, ainda que esparso, cessou.
Aguardo a corça fêmea, adulta, que ontem, a esta hora, se empinava para chegar às delícias folhosas acima da sua cabeça, oferecidas por uma pequena árvore.
Enquanto isso, tomo um café descafeinado e algumas notas mentais. Alterada pelas chuvas bastas deste inverno tão longo, a fauna traz novidades. Gafanhotos surgem como veículos alados que passam elevados a semear sobressaltos no meu espírito. A lagartixa está mais alta, corre esquisita com a barriga bem afastada do chão.
No campo da flora, também há registos a fazer. Dezenas de baixas na ameixeira, de que pendem meia dúzia de míseros frutos com verrugas na pele dura, verde. Já a velha pereira oferece o oposto: serão centenas as peras que prometem continuar a deitar corpinho saudável verão fora? Tal como a videira, que se desmultiplica já, à grande e à francesa, como se costuma dizer, em farfalhos belos cachos. 
(entretanto recolho-me, não vá levar com um projétil voador em forma de gafanhoto gigante na cabeça)
Além disso, nem sinal da corça equilibrista.
Mas cá fica ela, capturada ontem, já com todas as patas em baixo.

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