a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

24/08/2025

Hallum, Frísia (onde com isto ganhei o dia)

Ele chegou primeiro. Saltou da bicicleta e largou-a, deixando-a ser amparada na queda pelo chão do cais. Ela chegou logo a seguir. Apeou-se e, com cuidado e com o pé enfiado numa bota de borracha, abriu o descanso da bicicleta cor-de rosa, certificando-se que ficava bem apoiada. Não havia mais ninguém com eles.
Enrolava já ele o fio girando o carreto, conforme a técnica devida, enquanto ela se afastou um pouco para deitar o seu isco à água, empunhando uma cana diferente. Vieram pescar juntos, mas não o mesmo tipo de peixe, consoante os respetivos apetrechos revelavam.
Ela usava um vestido sem mangas, de um amarelo claro, com florzinhas muito pequenas. As botas de borracha, vermelhas, davam-lhe pela barriga da perna. Os seus cabelos castanhos, muito longos, caíam-lhe em caracóis largos pelas costas.
Ele vinha de calções e chinelos, o cabelo de um louro quase branco, um pouco desgrenhado.
Ambos de rosto sério concentrados na respetiva espera pela mordida de algum peixe, não falavam.
Fiquei a olhá-los. Pareciam personagens dos meus livros de histórias na infância. Tentei calcular-lhes as idades, mas precisei de certezas:
- Que idade tens? - perguntei, em neerlandês.
Virando o rosto sério na minha direção, apercebendo-se então da minha presença, o menino respondeu. 
- Eu tenho nove anos.
Ela continuava de olhos fixos na sua bóia de pesca, na água escura do canal. 
- E tu, menina, que idade tens?
Olhando-me então de frente, como se já esperasse a minha pergunta, disse:
- Eu tenho sete.

Não fiquei tempo suficiente para saber se apanharam algum peixe.
Mas trouxe na alma o belíssimo quadro destas duas crianças em liberdade, em paz e, embora não sorrindo, estando felizes, talvez muito mais felizes do que ainda conseguem perceber. 

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