a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

15/07/2014

Cinderela

Depois do almoço, saí do edifício onde trabalho para ir entregar à Teresa o queijo que trouxe da Holanda. Embora seja perto, levei o carro; hoje não podia ir a pé porque calcei os sapatos elegantes.

Estacionei fora do portão. Ao entrar cumprimentei o segurança, que já me conhece, venho cá tantas vezes. Normalmente um aceno é o suficiente, mas hoje saiu da casinha onde vê televisão, lê o jornal record e descasca maçãs amarelas ao fim da tarde, e veio estender-me a mão.

- Como está.

Não perguntou, afirmou.

- Bem, muito obrigada - sorri.

Ao atravessar o pátio central, avisto o Gaspar e o Costa. Também me acenam, então na sexta? Nada de faltar à festa, hã?

Nada. Desta vez não vou faltar, prometi-lhes.

Subo as escadas que dão para o edifício onde a Teresa trabalha, está sol e está calor mas já não há flores, o verão não tem a candura da primavera, a poesia do outono, ou mesmo a doce melancolia do inverno. O verão seca-me um bocado a alma.

A Teresa ainda não chegou, tiro o queijo da mala e coloco-o na mesa dela.

Depois fui para a janela, olhar para o rio. Daqui vê-se o telhado da tua escola primária.

E lembrei-me daquele dia em que te fui buscar para almoçarmos, como fazia todas as terças feiras, tinhas então oito ou nove anos, e me disseste, enquanto subíamos a rampa, a tua mão pequenina na minha,

- Estes almoços são o melhor alimento para o meu coração, mãe.

Enquanto a Teresa não vem, ficamos a ouvir a canção que cantávamos no carro, ainda te lembras dela?

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