a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

16/07/2014

Uma ópera inteira

É evidente que ao entrar num carro preto estacionado ao sol em julho, qualquer pessoa que não pretenda fritar nos trinta minutos que se seguem, liga o ar condicionado, caso este não seja já completamente automático e se anime sozinho.

E depois é desfrutar da aragem libertadora soprada das condutazinhas, não é?

Não. Há opiniões diferentes e é agora mesmo que vai sair uma, está na altura de assumir as coisas como elas são.

Ter ar condicionado no carro pode ser o caminho mais curto para travar conhecimento íntimo com gerações antigas de bactérias podres que cheiram a gerações antigas de bactérias podres.

Ora toda a gente sabe que a nanotecnologia é muito aplicável, útil, tem futuro, tão pequenina e já tão prodigiosa, ninguém contraria isto. Com ela pode-se, deixa ver, tricotar perninhas de ácido desoxirribonucleico do olho de uma mosca e bordá-las na franja de um fio de lã de ovelha para fazer um novo animal que servirá para espantar gafanhotos no verão e deixar o milho e o trigo crescer sossegados. A mim isto dava-me um jeito bestial que eu fico louca com gafanhotos no verão, mas não, não é esse o meu ponto, o meu ponto é que a nanotecnologia tem prioridades muito mais práticas e urgentes, coisa ao nível da saúde pública de um país que já anda triste há muito tempo e vai-se a ver é isto. Por conseguinte é favor tomar aí nota, senhores cientistas.

Era fazer nanofiltros.

Consistência de rede nanofechada, os filtros instalam-se por detrás das ripas dos tabliers das viaturas pretas. Está-se mesmo a ver que a nanorede, que até se pode já dizer inteligente, nanorede inteligente, porque é, ia capturar que era uma beleza as gerações antigas de bactérias podres. E o sistema respiratório dos ocupantes das viaturas pretas haveria de assumir potência para entoar uma ópera inteira sem pigarrear desde Lisboa ao Porto.

Mas não nos fiquemos por aqui, continuar a tomar aí nota se faz favor; depois, era aproveitar a captura dos nanofiltros para a reciclagem, matéria prima para produzir tampas de garrafas de água, por exemplo, que estão muito na moda, toda a gente que eu conheço com mais de seis anos de idade as colecciona de todas as cores.

(e depois, ia-se a ver que resulta, instalavam-se os nanofiltros também nos carros azuis)

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