a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

04/09/2018

Isto não é uma poesia na cidade

Abri a janela para ficar a ouvi-la. Ponho o corpo numa posição de repouso como se não fosse meu, antes pertence de um estar no completo passivo. Para variar. Dentro, o rádio toca um Bruckner, todo capaz de encantar até os espíritos distraídos ou mesmo jovens. Na rua, começaram já as obras no prédio em frente e a porta de um carro bateu. A voz de uma criança ao longe ou um cão ladrar. Em pano de fundo, passam carros, um que buzina. E motas. Às vezes um avião também (num pano de fundo mais elevado, pois).
Concentro-me nos sons. O que quero é isto. O mundo, lá fora, segue existindo, funcionando, vibrando. E é no revelar desta sua ordem que me exclui que posso, finalmente, descansar.

(mas só que então as obras entusiasmam-se e começam os ruídos a doer dentro da cabeça portanto acaba-se logo o descanso, e eu fazia melhor se tentasse inventar máquinas de cortar pedra e vidro ou lá o que é silenciosas e tão potentes como as outras, em vez de fazer postezinhos inúteis como este, não era?)

4 comentários:

  1. Inúteis? Um dos melhores em tempos recentes. Podes acreditar.

    :)

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    1. Trata-se da tua generosidade, Diogo.
      Mas acredito. E obrigada.
      :-)

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  2. Hoje, simulacro. Muitas vezes, realidade. Zero poesia, obviamente:

    A cidade, ufana, a traduzir a sua vivacidade em ruído. O meu tempo de ler blogues. Mergulho. Deixo de ouvir.

    Agora, a pensar: Mas que chatice, que cansativo, é que nem os posts conseguem ter direito à inutilidade.

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    1. Ah, Cláudia... Que comentário!
      Parece um presente.
      Obrigada :-)

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