a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

17/09/2018

Rinoceronte

Há dias almocei na Mensagem. Ao primeiro embate, e o primeiro embate encontra-me sempre em modo automático, invoquei Fernando Pessoa ali para os fundos do subconsciente. Mensagem, Fernando Pessoa. Mantive-me assim enquanto escolhíamos a mesa e decidíamos sentar dentro e não fora, na esplanada. Éramos quatro (e ainda somos se nos tornarmos a juntar as mesmas). Depois, num continuar, é que vi o Rinoceronte. Aliás meio Rinoceronte, que o resto não cabia em lado nenhum. Nem no vidro à entrada da cafetaria - Mensagem é o nome de uma cafetaria que parece um restaurante - nem na capa do menu, nem no seu verso nem onde quer que fosse que ele aparecesse, o Rinoceronte era só a metade (da frente). Mas percebe-se. Uma coisa é uma gaivota, ou uma coisa é um gato, outra coisa é um Rinoceronte. E foi finalmente sentadas à mesa, as minhas amigas e eu, de menu na mão, que li o que havia lá para ler depois de ler o que havia lá para comer, acho que se percebe. Delícias à parte, eu queria saber mais da Mensagem. Um cérebro está a invocar o Fernando Pessoa e só vê em redor metades da frente de um Rinoceronte, assim não dá e leva tempo. Ainda por cima, vou ter mesmo de introduzir uma informação. Este era um menu não nojento. Era um menu aliás bastante raro que se deixa ficar nas mãos à vontade sem qualquer tipo de pressa querendo ser largado, deixa-me! Deixa-me em paz! Eu e as minhas bactérias, os meus germes! Não. Este é um menu recomendável e limpo, sublinho limpo, ainda que não grande o suficiente para caber o Rinoceronte inteiro, mas isso ok não tem problema. A metade da frente do Rinoceronte já é completamente espetacular. E leio então a Mensagem.

Era sobre D. Manuel. Não teria se calhar D. Manuel uma gaivotazinha a jeito ou um gato que fosse e que nos dias de hoje haveria de caber inteirinho na capa do menu. Opta o nosso D. Manuel por escolher um Rinoceronte para mandar para Roma. Sério. Para Roma no sentido de o oferecer ao Papa. No entender de D. Manuel havia de ser um Rinoceronte, pronto (é lá com ele). Um bicho de grande porte e maljeitoso para meter inteiro em capas de menus (mas naquele tempo não havia menus). Pelo caminho, o animal descansou algures em França num porto qualquer. O rei francês achou-o tão giro que não deu ordem de o bicho continuar a viagem logo a seguir a ter chegado porque ele estava a atrair muita gente curiosa e encantada ao porto, tipo espera aí um bocadinho. Ora eu, se tivesse sido uma francesa desse tempo, também teria corrido a ver o Rinoceronte ao porto, como é evidente. A história, contudo, acaba super bem. O Rinoceronte, que era não só uma Mensagem como era uma Mensagem de paz ele próprio, chegou são e salvo a Roma, apesar de com certeza cansado ou quem sabe um bocado enjoado. Quanto a nós as quatro, pelo contrário, comemos uma refeição supimpa, umas sobremesas soberbas de um design que desencadeava duelos entre os olhos e a barriga, e tanto foi que quando as quatro de lá saímos eram as quatro da tarde.

3 comentários:

  1. O problema é querer dizer a este post, que gostei tanto de lê-lo, mas assim de outra maneira, lá está, como se fosse um presente, que é o que penso que merece, mas não está a sair nada que não pareça um Rinoceronte numa loja de porcelanas (o bicho que me perdoe a adaptação), por isso estou aqui assim, a pisar ovos, ai, ainda por cima, agora lembrei-me dos frescos, saudáveis e deliciosos ovos do Sr. Valério, e, tudo estragado, que se o Sr. sabe que a Susana tem leitoras que pisam ovos, pode até responder à carta, mas mais nada...Tenho de emendar isto, rápido, rápido...Post do Rinoceronte, ler-te foi assim o equivalente a um saboroso ovo do Sr. Valério, com a gema assim a escorregar pela clara de Mensagem em Mensagem...Bem, talvez seja melhor não deixar comentário nenhum, é isso, vou sair e não deixo comentário nenhum, fica para a próxima.

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    1. Ai, não era responder "à carta", mas sim à Mensagem. Lá está, ainda bem que saí sem deixar comentário nenhum...

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    2. Ufa, mas que alívio não teres deixado aqui comentário nenhum, Cláudia, neste post do Rinoceronte, coitadinho. Coitadinho é como quem diz, que ele se entrasse numa loja de porcelanas vindo de uma tão extensa viagem de Portugal até Roma, devia ir tão enjoado que as porcelanas está-se mesmo a ver o que lhes ia acontecer e ele não daria por nada portanto coitadinho só até certo ponto. É que se tivesses cá deixado um dos teus comentários, Cláudia, havia eu de me ver grega e romana (só para enquadrar melhor isto) para te responder à altura! Aí sim ias ver o que é realmente pisar ovos seja dos de galinhas criadas ao ar livre, criadas no solo ou criadas em modo biológico (por acaso ainda não percebi a diferença) ou sejam mesmo os ovos do Sr. Valério que devem acumular todas estas características sem saber ler nem escrever como se costuma dizer. Te responder à altura, dizia eu, à letra e à Mensagem, para ser mais precisa.
      E olha, por falar em Mensagem, já que não me mandaste um comentário, aliás nem um nem dois, podias ao menos mandar-me um Rinoceronte, se não fosse muita maçada, podias?
      :-)

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