a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

24/05/2016

Lugares

Na secção dos monos, que é a secção faz-tudo, eu uma sobra do dia a ouvir a noite já surda, onde me visto à força de silêncio, aprendi a separar-me da minha alma por razões históricas.

O raio de sol que se inscreve no espírito da tarde disfarçado nas mãos, nas minhas mãos que envelhecem ali e o meu sangue corre cada vez mais depressa, é com elas que esfrego os olhos para poder ver de novo. 

A sala dos potes sob pressão onde pessoas cospem espadas ao ar saturado de um nada velho para com elas exibirem uma divindade presumida, eu fecho os olhos e penso no canteiro de flores forçadas que não morrem ao vento da porta da entrada. 

E, nas manhãs, oiço o melro cantar vibrato composto por ele junto ao vidro mais alto que é espelhado, do outro lado julgando ver-lhe outro, também ele numa serenata das alturas, concerto que me leva pelo caminho mais devagar como se fosse para mim, antes de despir por dentro a alma, me encher do pó de uma pedra morta e entrar.

8 comentários:

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    1. Temos até vários, querida Maria Eu, mas nenhum que escreva neste blogue :-)

      Beijos, muitos.

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  2. Esse lugar que acabaste de criar aí em cima é dos bons!

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  3. «O raio de sol que se inscreve no espírito da tarde disfarçado nas mãos, nas minhas mãos que envelhecem ali e o meu sangue corre cada vez mais depressa, é com elas que esfrego os olhos para poder ver de novo.»

    ali, num simples e belo parágrafo, está contida a metáfora da vida, doce Susana.

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  4. Olá, Susana.
    É incrível como lugares tão ruins despertam na pessoa inspiração para texto tão rico em poesia.
    E deu uma postagem magnífica - vejamos o lado bom da coisa ;)

    bj

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    1. Olá, Carmem :-)
      Embora não me sinta merecedora desse generoso elogio, agradeço-o contente.
      Magnífico é encontrar palavras bonitas assim como as suas, Carmem, neste mundo virtual. :-)

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