a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

27/03/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 12


Ontem fazia uma semana que tinha saído de casa pela última vez. Fui ao quarto e coloquei um par de brincos nas orelhas. Calcei os sapatos all-star, que ainda adoro para o caso de ser possível a palermice de adorar sapatos, vesti o meu casaco castanho curto de meia-estação como diz a minha mãe, e saí para a rua. Não optei por ir de carro. Precisava com muita veemência de caminhar. Por isso, escolhi o supermercado que está mais longe de entre os que estão perto. Os sacos de compras destinados a trazer as minhas vão dobrados dentro da mochila que levo às costas e que tem a sorte de ter a mesma cor que os sapatos (lindos). Ou seja, ninguém diria facilmente ao que eu ia. Então isto fez-me sentir de maneira diferente. Como se alguém me pudesse ver como uma dissidente, uma desrespeitadora de regras pela sanidade de todos nós, que é isso na rua? Ainda por cima, a meio do caminho, o carro comunitário passa por mim com o seu altifalante maluco emitindo o #fiqueemcasa. Mas paciência, agora estou indo. Cruzei-me com duas pessoas, uma de cada vez, que corriam de correr por gosto. Essas obviamente em comportamento permitido. Quando faço o caminho de regresso, que é a subir, com os dois sacos um bocado pesados, um em cada mão, sinto-me bem melhor. O sol batia-me na cara e eu engoli-o por todos os poros que estavam ao ar livre, disso podemos estar certos. Cruzo-me agora com uma mulher, talvez da minha idade, que desce a rua com um saco de compras vazio ao ombro e as mãos dentro de luvas de borracha. Assim, sabemos ao que ela vai. Sorrimos uma para a outra. (Sinto-me mais próxima dos outros.) Chegando a casa, pousei os sacos. Enquanto removia as minhas próprias luvas, que também merecem entrar no post, instruí a minha filha em como arrumar as compras com um pano embebido em sabão. Logo a seguir, tirei os sapatos dos pés e os brincos das orelhas. Até para a semana, queridos.

7 comentários:

  1. O estranho mundo apocaliptico de ir às compras em que vivemos. Cheguei agora a casa depois de um trajecto bastante similar ao que descreves...e agora cá estamos, no ponto de partida. à espera que os ovos acabem outra vez.

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    1. Pondo de lado o horror que tudo isto encerra, ficámos todos muito mais iguais, de facto. Talvez isso traga benefícios, quem sabe, no futuro, daremos mais valor à liberdade, por exemplo.
      Boa tarde Nada :-)

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  2. Para muitos de nós, a incumbência de gerirmos a dispensa, permite-nos apanhar sol, esticar as pernas, para não falar da sensação de liberdade que, agora não temos. Eu tenho uma varanda e um terraço que me vão ajudando a dar ar à plumagem.

    Boa tarde, saúde

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    1. Eu também comecei a dar um uso diferente à minha varanda e aos locais próximos das janelas :-)
      Obrigada, nn, boa saúde também aí para casa.

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  3. Tal e qual como descreves! Sair para comprar alguma coisa começa a ser um escape À liberdade!
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    Tudo se recomeça...
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    Beijos. Bom fim de semana!

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    1. É verdade, Cidália. E eu que nunca gostei nem um bocadinho de ir ao supermercado. Agora até conto os dias.
      Bom fim de semana.

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  4. Eu que nem gosto de ir às compras, quem me dera fazê-lo para poder apanhar ar, os restantes habitantes desta casa, também em quarentena, fazem questão em pedir-me listas todos os dias para serem eles a fazê-lo :)
    Quem diria que um dia iria ter esta ajuda preciosa num momento que até a dispenso :)

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