a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

10/06/2013

Linguarejar. E depois?

A Helena Sacadura Cabral, desta vez, esticou-se. Desta vez e doutras também, mas vamos a esta.

Diz ela que hoje se linguareja em vez de se falar Português.

Que se substituiu as criadas por empregadas domésticas. E os contínuos da escola por auxiliares da acção educativa e mais tarde por assistentes operacionais.

Que nas fábricas em vez de operários há colaboradores. Que as próprias fábricas são chamadas de unidades produtivas se vistas de dentro ou, então, vistas da estranja - sim, da estranja - são centros de decisão nacionais.

Que aborto agora é interrupção voluntária da gravidez.

Que a Ágata - cantora pimba - dizia que era mãe solteira e hoje deveria antes dizer ter família monoparental.

E porque isto e aquilo, por aí fora, há lá mais na dissertação da ilustre senhora, jornalista, escritora e bloguista nacional.

Para começar, cara Helena, estranja é feio, soa mal. Ficou fora de contexto nesse seu escrever. Estrangeiro, se faz favor.

Depois, aborto pode ser voluntário ou involuntário, ainda há quem tenha gravidezes interrompidas contra vontade, sabia? O novo nome serve, portanto, para distinguir as situações, que são infinitamente diferentes. Infinitamente.

Quanto a família monoparental, deixe-me dizer-lhe que nem todas são constituídas por mães solteiras, também as há de mães divorciadas ou então de mães viúvas. E há-as ainda de pais. A designação monoparental, a mim, parece-me correctíssima. Assim está a Ágata certa, para não deixar dúvidas a ninguém. Ela é mãe solteira, ponto final.

Criadas ou empregadas domésticas? Bom, empregada pressupõe um salário por retribuição ao trabalho prestado no domicílio de outrem. Espero que nem domicílio nem outrem sejam palavras demasiado complexas para si. Quanto a criada, pode ser confundido com "aquela que cresceu e se criou". Também aqui o Português melhorado melhorou.

Os contínuos da escola - lembro-me bem deles no meu tempo de liceu - não me ofereciam esclarecimento quanto à sua acção, perguntava-me eu na juvenil iliteracia de que então gozava, o que será que continuavam eles. Hoje sei que afinal estão lá para ajudar, auxiliar, assistir. Gosto mais. E quem sabe eles também.

E comento só mais esta. Os operários das fábricas não sabiam colaborar, operavam e apenas isso. Hoje em dia há colaboradores nas fábricas que também fazem o trabalho que antes era dos operários. Chama-se trazer valor à cadeia de produção. Cadeia não? Então deixe ver... ciclo de produção. Melhor assim?

Os novos termos vieram para esclarecer. Conferir mais rigor. E quem os instituiu não deve ter perdido tempo a dissertar parvoíces. Em vez disso, enriqueceu o vocabulário nacional. Bem Haja!

Por isso não atire pedras, se faz favor. Mesmo que venham embrulhadas nesse seu sarcasmo elaborado de jornalista reconhecida.

Já agora: sabia que não se encontra na literatura de Camilo ou Eça as palavras relevante, controlável ou obsessivo? (revista LER, Maio 2013, página 11). Parece que eram palavras inexistentes naquela época.

Hoje temo-las, felizmente.

Porque houve quem, entretanto, as linguarejasse. Ou não acha, Helena?

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