a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

12/11/2013

Engenheira electromagnética

Levo a vida a sério e gosto que me levem a sério.

Não gosto que me toquem à campaínha para me informarem dos novos produtos das operadoras de comunicações, é assumirem que eu ando distraída e não sei que tarifários tenho em casa, nem quantos canais de televisão me enchem as possibilidades, nem o que anda a oferecer o mercado, é presumirem-me aberta a tentativas persuasoro-invasoras, e assim invento, não sem estilo, a palavra composta perfeita para o fenómeno desta praga.

Hoje tocaram-me à campaínha pela manhã, apanharam-me com a torrada na boca e o café na mão, quem é, perguntei, com a cassette do não quero obrigada, preparada. Mas era o homem da companhia das águas para fazer a leitura do meu contador, homem de trabalho, não está com conversas, entra, escreve o número e sai, bom dia. Leva-me a sério, este homem, toma o registo dos algarismos alinhados pelos roletes engrenados do aparelho e eu aprecio isto. O dia começou bem.

Não gosto que no encetar do conhecimento profissional com uma mulher, ela se avance para os dois beijinhos que não são para aqui, não senhora. Apesar de a iniciativa ter o seu quê de simpático, não é de levar a sério, é de perceber que esta mulher me assume profissional de trazer por casa, categoria na qual ela se declara inserir. Se for homem o interlocutor que se cruza no meu caminho de trabalho e se quer por aos beijos, registo-lhe no cadastro a mesma conclusão. Senhores, trabalho é trabalho, há que reter. Mas, convenhamos, é mais no caso mulher-e-não-homem-que-conheço-profissionalmente que o evento se verifica.

Hoje conheci uma mulher nas circunstâncias expostas acima, que me estendeu a mão. E com firmeza, ainda por cima. É de respeito, esta mulher. A conversa sintonizou-se logo na frequência certa e ninguém deitou palavras fora, ninguém sujou o assunto, que é sério, com trivialidades dispensáveis. E vão duas. O dia continuou bem.

Agora mesmo em que termino este escrever, oiço um alarme de automóvel tinir ritmado, desafinado, lá em baixo, nesta rua que haveria de ser pacata se eu fosse a engenheira electromagnética que a minha filha um dia perguntou se sou. Mas não, a minha engenharia fica-se para já pela opção de não ter alarme no carro, facto que me garante, ao ouvir este apito insistente, que o veículo em apuros não é o meu.

E o dia acaba bem.

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