Podia contar-te que a roupa no estendal já
secou, que sacudida pelo vento não segura as moléculas de água, as tretas de se
diluírem no ar seco, que hoje não chove, mas isso deixava-te na
mesma.
Ou então que lá fui ao centro comercial
comprar não um mas dois biquínis e que provavelmente não os vou usar, visto que
é preciso que haja verão, também aqui nada de novo, para quê incomodar-te.
E podia,
mas não o faço, cair na asneira de te dizer que desconfiava seriamente que
quando saía do quarto e fechava a porta, as minhas bonecas, a que eu fornecia
roupas, umas mal costuradas por mim, outras bem pela minha mãe, a quem atribuía
falas e risos e choros, e portanto uma história, desconfiava que se animavam em
vida própria, libertas das minhas imposições alinhadas ao estado de espírito de
poucas primaveras vividas e então saboreavam a liberdade em pleno. Mas não quero
correr o risco de te ver bocejar, abanar a cabeça. Tola eu já sei que sou,
deixa lá de negar isso. E vais ver que há mais: e depois dava meia volta e
tornava a abrir a porta muito depressa, mas elas, as bonecas, quietas no mesmo
sítio, a rirem-se de mim por dentro, conseguiam ser mais rápidas, eu não disse?
E se te
contar que fui visitar o rio numa destas manhãs porque as nuvens estavam
malucas e filtravam os raios de sol de uma forma que me magnetizou para ali? E
que acabei a tropeçar no cabo de um barco velho e a máquina fotográfica que eu tinha na mão disparou para
dentro de um ninho com ovos que encontrei numa gaiola onde vive um pássaro verde;
também não te vai encher de alegrias, pois não?
Nem isto
nem as luzinhas espalhadas pelo jardim na outra noite, a esvoaçar de vez em
quando, uma miragem de estrelas na terra que desde a infância não me visitava,
verdade? Pirilampos, isso é que elas eram, que afinal ainda existem pirilampos
e estas coisas encantam-me, que queres?
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