Sempre me lembro de carregar o medo de me deixar cair no puré
morno interior e escuro, sem fim, que sabes, este que mantenho especialmente
fechado dentro da caixa forte em aço escovado para nem sequer brilhar. Nela sei
aprisionar a voz dos séculos que desdobrada lê mensagens de outros milénios
nossos e mais nada agora para não doer. Confere-me, porém, a certeza de ser
imortal. Por causa da vertigem que vem toda de mel, que me queres escorrer
lânguida para o milenar eu, é que tenho o medo. Pode cá haver dentro essa
poesia, isso pode. Essa tão quente e cheia, que se me perco engolida nela é por
inteiro que vamos e depois é capaz de, quando eu regressar, o pobre mundo já
estar rodando em dois mil e duzentos pedaços a sul, e ao erguer-me? serei
atingida por um vazio estranho de um tempo sem nós, desmoronado. Portanto
finco-me à superfície do eu, não caio não. Sei parecer a olhos muitos algo
quase nada, um todo murcho, um ramo seco ante ideais gravados em promoção nas
capas brilhantes de folhetos grátis, personagem sem nome, sei parecer, e sem
unicidade, um programa fictício de domingo à tarde, um arrancar de bocejos às
pedras.
Levo-me pois à cozinha. Ponho a
cafeteira a funcionar – o anteceder do café é sempre feliz - e deixo-me já
tomar pelo aroma que mergulha-me bem, entras-me logo sem medo neste toda-eu sem
fim.
Sento-me com a chávena a
fumegar delícias frutadas de alívios indefinidos para me pôr a escrever devagar
sobre a luz. Não essa tua do olhar, mas a do farol do meu carro que finalmente
se fundiu, eu sabia - é a oficina, o pagamento, o número de contribuinte e um
suspiro furtivo: porque à tona fico, embora mortal, a salvo de mim.
nice post..thanks for sharing
ResponderEliminarNice that you like it, Felicia.
EliminarGostei tanto deste post que não tem explicação, Susana. Às vezes reconheço-me em textos alheios que jamais conseguiria escrever. Obrigada por este momento tão bom.
ResponderEliminarBeijinhos :-)
Obrigada eu por este comentário, Cláudia. Reconhecemo-nos mutuamente. É uma das belezas da vida.
EliminarBeijinhos de volta. :-)
Uma vertigem que me deixou ... equilibrado.
ResponderEliminarGostei bastante, Susana.
Ainda bem, caro Observador. Para desequilibrado, já basta esse texto aí. :-)
EliminarMuito obrigada. Um abraço.
Compreendo-te tão bem, Susana, às vezes temos que guardar a alma numa caixa em local seguro, para protegermos o corpo de quedas vertiginosas.
ResponderEliminarUm beijo.
Acho que isso de me compreenderes bem acontece muitas vezes no sentido inverso, querida Teresa. :-)
EliminarAssim, não estando sós no lado vertiginoso da vida, as quedas parece que se amortecem um bocado.
Outro beijo.
...e esse é o lado melhor, o da compreensão. Agradeço-te? Não, partilho-te.
EliminarBoa noite, querida Susana.
Partilhamo-nos, Teresa. A vida é isso.
EliminarBoa noite, querida Teresa. E boa semana.