a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

29/11/2017

As escovas do limpa-para-brisas já não são escovas há imenso tempo, são borrachas.

Enquanto percorria toda a segunda circular logo depois de cair a noite, levava as escovas do limpa-para-brisas no modo ativo contínuo. Como são novinhas em folha (e em borracha) desde a semana passada que o carro veio da garagem a brilhar por todo o lado, não fazem barulho nenhum é tzz tzz muito lisinho. Eu estou sempre a tentar escrever uma coisa séria e com jeito e começo a descarrilar num abrir e fechar de olhos, mas vamos na segunda circular, tzz tzz. E levava no carro duas pessoas que tinha acabado de conhecer no evento da tarde. Iam apanhar o comboio para o Porto e iam chamar um táxi que os levasse à estação do comboio, ouvi-lhes eu dizer à saída do auditório. Então ofereci boleia.  
No carro não precisei de puxar assunto eu. Nem tampouco teve a chuva de ajudar oferecendo tema fácil, batendo nos vidros e no tejadilho com aquela energia toda trazida no cair. A minha passageira do lado quis saber de mim, quem sou, o que faço. Contei. Não é tão amiúde assim que sucede alguém perguntar quem és e o que fazes. Mas contei resumido. Ela ainda fez uma ou duas perguntas para preencher detalhes onde eu deixara abertas (pelo visto). Com o discorrer da conversa, acabo dizendo que a gare do Oriente já não está longe.
Mas não pensemos que não veio a vez de eles se apresentarem, veio. São então colegas de trabalho e deslocam-se muito a Lisboa. Informa ela, mais faladora do que ele sentado atrás, que no Porto há menos eventos destes, há menos gente para encher as salas, por vezes os eventos até são cancelados. Admirei-me: como menos gente?... (e depois descarrilei um bocado, não muito) então eu até costumo ouvir no rádio que a ponte do Freixo e a da Arrábida são muito dadas, as duas, a engarrafamentos, cheiinhas cheiinhas que se põem todos os dias, aquilo há de ser muita gente lá no Porto!, e eles não me levam a mal a brincadeira e eis que chegámos à estação do Oriente para não repetir gare, dado que nem sempre sou de repetir as palavras. Então adeus, boa viagem! Deixei-os debaixo da grande cobertura para não apanharem chuva, ocorreu-me logo a seguir que talvez não volte a vê-los nunca mais e rumei para casa, tendo antes passado no supermercado que já está todo enfeitado para o Natal.

9 comentários:

  1. Susana, para os editores de livros a escolha de títulos está muito associada a três ordens de questões: ser apelativo no sentido de levar o potencial leitor a pegar e aí o foco é estar ligado à história que é contada; o grafismo, se funciona bem à vista de quem olha (por exemplo, uma palavra muito curta ou muito comprida é difícil de encaixar bem como título); o remeter para um imaginário mais ou menos transversal com pitada de linguagem poética.

    Entretanto, deixo um link sobre o assunto, da muita informação que existe: http://www.writing-world.com/fiction/titles.shtml

    Quanto ao meu gosto, normalmente tenho preferência por títulos de apenas uma palavra, também nos textos soltos. Contudo há títulos grandes de que gosto.

    Sem qualquer ordem e não estando a pensar se estes títulos fazem parte das minhas preferências, lembrei-me agora destes de que gosto bastante: Meu amor, era de noite; Descascando a cebola; Liberdade; Livro do riso e do esquecimento; Sibila; A brincadeira; Memória de elefante; Tabacaria; Sul, Cem anos de solidão; A convergência dos ventos; O grau zero da escrita; Silêncio; O livro do desassossego; Lolita; O jardim de cimento; Budapeste; Desonra; O mundo é a rua da minha infância...

    Não acontece muito as palavras compostas por justaposição funcionarem bem para títulos de livros, mas claro que também sucede.

    Que seja um dia bom!

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    1. Olá Isabel. Muito obrigada pela explanação.
      Lembro-me que quando li, há uns cem anos, "O Livro do riso e do esquecimento" achei o título pouco criativo e longo, a palavra "livro" claramente a mais. E do seu conteúdo não me lembro nada, naquela altura li vários de seguida do Milan Kundera e acho que passei a misturá-los todos.
      De qualquer forma, isto do título era uma brincadeira. Eu gosto de dar títulos aos posts que fogem a todas as regras, é mais divertido assim (para mim, claro, não necessariamente para quem lê).
      Uma boa noite para ti, agora que ela já caiu.

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    1. Não sabe, não sabe. :-) Anda a engendrar carros voadores muito engraçados para 2020 mas não sabe tudo o que se passa cá em baixo, isso é que era bom! :-)

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  3. Pois eu acho que para título de post até está assim para o engraçado (mas tive que ir olhá-lo melhor quando escreveu sobre ele). Sou bastante má para títulos e nomes. Mas os posts, que são em grande número, titulá-los bem ou assim assim, não é muito importante. Sucedem-se com muita rapidez, não há tempo para arrependimento de títulos maus ou inespecíficos. Gosto de palavras compostas, o tempo de verbo que mais gostava era o pretérito mais que perfeito, palavra cheia de tracinhos.

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    1. O pretérito mais que perfeito é mais que perfeito, por isso a gente não há maneira de não gostar dele. :-)

      Eu sempre achei uma arte ainda não devidamente reconhecida atribuir títulos ou nomes às coisas. Quando era criança comecei a reparar nos nomes dos cafés e restaurantes e achava-os quase todos uns sem-graça. Depois vieram os nomes do stands de automóveis que são invariavelmente uma espécie de derivação do nome da terra onde se implantaram, do tipo, "OdivelasCar" caso esteja em Odivelas o stand, ou coisa assim.
      Mais tarde descobri que também eu padeço da mesma dificuldade. Às vezes, bea, estou que séculos para estabelecer um título para o meu post, mas divirto-me quase sempre com ele (título). :-)

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  4. Ora bem: ( Não, não estou num engarrafamento na ponte da Arrábida :)), Ora bem, dizia eu: Li o título, achei-lhe piada; Li o post até ao fim. Foi então que ao ler a pergunta final tive que ir lá acima ver qual era o título! Achei-lhe ainda mais piada! ( E se calhar tenho que tomar umas vitaminas...)

    Ana

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  5. Olá Ana, bom dia
    Bom, pelo menos não estava num engarrafamento na ponte da Arrábida :-)
    A pergunta final está "Linkada" - era uma brincadeira, mas acho que o link não sobressaiu (agora já o destaquei mais)

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  6. Ah! O post da Palmier! Eu não digo que tenho que tomar umas vitaminas??! :D

    Bom fim de semana, Susana!

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