a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

14/04/2025

A gente que nervos

As horas de almoço em teletrabalho oferecem diversas oportunidades. Mesmo que os planos sejam fazer uma caminhada pelo bosque de eucaliptos e afinal o céu se ponha a desabar, exatamente nessa hora, numa chuva copiosa. Mais uma, aliás, chuva. E copiosa também, já que, como todos sabemos, desde outubro que não tem havido senão disso, o céu desabando.
Portanto, não fomos caminhar. Optámos por agarrar outra oportunidade. Acendemos a televisão. Para ouvir as notícias por cima do chuaaaa que caía do beiral, varria o terraço e batia aos trombos na janela. Ao mesmo tempo, lembramo-nos da batata doce comprada no mercado de domingo, debaixo, claro está, do chapéu de chuva bem aberto. Recolhemos, para acompanhar, o resto da curgete, juntamos-lhe duas cenouras e meia cebola. Pomos a panela ao lume e um saco de espinafres aberto ao seu lado, aguardando o final da cozedura, para então ali deitar acabamento. 
Enquanto a sopa levanta fervura vamos buscar ao telheiro, numa corrida para não nos ensoparmos todas, dois tronquinhos para a lareira. Depositamo-los de modo adequado, metemos-lhe no meio uns bocados de acendalhas, depois chegamos alguns gravetos de pinho por cima delas, e isqueiro connosco. O fogo ateou. 
Preparamos então a mesa para um, ou uma, o lugar orientado às notícias da tarde. Estrelamos o ovo das galinhas da dona Isilda - ah, sim, também ela há de ir à televisão, mas para mostrar como faz o queijo de cabra - salteamos o alho francês, o pimento vermelho e damos-lhe o resto do arroz de ontem, para que este ali se aconchegue quentinho. 
Sentamo-nos a comer. 
As notícias estão incidentes no discurso do político que nos atrapalha o apetite, por isso mudamos de canal. A sopa continua a sua fervura branda, não nos apoquentemos. Vai dar para o jantar, que para este almoço está atrasada. 
Arrumamos pois o prato, o talher, o guardanapo. Desligamos a televisão e o fogão. 
Pegamos no telemóvel que esteve todo este tempo ali, em cima da mesa e, quando começamos a subir a escada para regressar ao teletrabalho, abrimos distraidamente a caixa de e-mail e vemos o que acabou de chegar: o resultado do exame! 
Galgamos agora a escada a tremer, a correr, o ecrãzinho a abrir no link errado, o dedo está nervoso, as letras atropelando-se, entramos no escritório, atiramo-nos ao computador, ali vê-se melhor, abrimos a mensagem outra vez, procuramos de novo o tal link, seguimos a instrução, toma lá a password, esta errada, repete lá, agora devagar, com calma, entramos finalmente no MyExam, mais instruções, chegamos ao documento que traz dentro o resultado. Corremos os olhos pela conversa toda, a introdução, os artigos da lei, a decisão do comité de exame, ta ta ta, e chegamos ao tutano da mensagem, uma só palavra, quatro letras, a minha nota. Pass.

4 comentários:

  1. Muito bem!
    .
    Mesmo que a alegria não seja muita, derivado ao tempo instável, não quero deixar passar sem vos desejar uma Santa Páscoa, recheada de Saúde e Paz
    Uma Santa Páscoa.
    Beijos. Sejam Felizes!

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    1. Muito obrigada, Cidália!
      Uma Páscoa muito feliz para si também.🐰🐣🪺

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