Apetece-me
escrever zircão.
Quatro mil e
quatrocentos milhões de anos de espera e finalmente alguém vai a passar, ah mas
que coisa é esta?!, olha é um bocadito de zircão!, é obra e merece registo.
O zircão
cativa-me, gosto da palavra e também gosto de gluão, de grão ou de alçapão, mas
foi zircão que ouvi nas notícias e que se colou do lado de dentro do meu
cérebro a germinar perguntas que crescem como num ventre fértil.
Perguntas
solteiras, que não há respostas que cheguem, zircão, zircão, porque não te chamas
zirquinho e metia-te na letra de um fado, arrumava-te na guitarra, havias de trazer-nos o junho para seres cantado à mesa das sardinhas sobre toalhas aos quadrados, mas Lisboa já não é assim, parece que se casou com o inverno.
E tu não és zirquinho, és zircão. Penso nisto enquanto conduzo pela avenida, hoje temos sorte, há raios de
sol de um dourado pálido ainda a erguer o declive da aurora, razantes, tímidos. Cruzam, por entre
os prédios, as árvores despidas sem se deterem nelas, deitam-se no chão a fazer
intervalos aos edifícios, um destes raios de luz é nas minhas mãos que se vem deitar, fica aí, fica que está tanto frio.
São oito e meia
da manhã e a cor rubra do semáforo detém-me a observar o movimento da cidade
que está toda lá fora.
No rádio a
publicidade é sobre uma oficina que está a fazer descontos impossíveis na
mudança dos pneus, esta oficina combate a crise e eu detesto publicidade. A voz
grita o número de eurós que o serviço merece e a cidade sob tensão, de repente, está feia, a pressa estrangula o ar, é espartilho feito de urgências diluídas por este sol tímido que
hoje venceu a chuva por um momento, que frio que aqui está e os eurós aos gritos.
A luz passa a
verde, arranco, o rádio muda de ideias e oiço os primeiros acordes de uma
ária de Bach que vem transformar a cidade. O espartilho esfuma-se, as árvores
nuas começam a bailar, os edifícios parecem inteligentes, ninguém leva pressa, os transeuntes bailarinos também, marcam todos o mesmo ritmo com os
passos, que harmonia, se Bach visse havia de sorrir.
Lentamente, o rádio dá lugar aos uivos do vento e à chuva que bate com força nas vidraças e se ri de nós, de ti zircão e de mim e que frio está.
Abro os olhos, a lareira apagou-se. Lá fora não é Lisboa, é a serra e está em pranto.
Quer verão, zircão, quer verão. Ah, se fosses zirquinho!
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