Foi cá um dia de praia, este! Só do que eu não gosto na praia, arrumamos já isso, é o protetor solar mesmo que seja dos de
pulverizar. É tão aborrecido aquilo, o protetor adere a tudo e à areia, que na praia há muita, e depois arranha a espalhar, etc. Mas de resto
adoro. Adoro por exemplo ler na praia e logo me resolvi a levar uma leitura tão
principal como Cem Anos de Solidão: a verdade é que ainda não o tinha lido
nunca. Esta leitura de boa que é, faz-me ficar a oscilar entre continuo aqui no ripanço tremendo a ler
ou vou mas é dar um mergulho.
Mas quando fechei o livro para ir à água, fui. Estando um
bocado fria, embora não muito muito fria que fizesse doer os ossos, entro devagar.
Numa ondazinha que vem ter comigo parece que a dar-me as boas vindas, fazendo-se
verde-água (daí o nome) na crista, um verde-água a pôr-se ainda mais
transparente, vejo um peixe que até vou dizer um peixaço nesse dorso da onda, uma
beleza ali a passar, mesmo lindo. Algumas ondas depois já estava completamente
dentro do mar, toda molhada com o cabelo incluído, boiando a olhar o céu e a olhar as
nuvens, poucas, a deixar vir as ondas em crista, uma e depois outra, subindo
nelas, descendo na cauda, nas maiores elas por cima, nas menores eu.
De regresso à nossa instalação de chapéus, toalhas e a bola
de vólei que faz tipo parte da família, as minhas filhas estão completamente pretas
a vinte e cinco de agosto - é normal. É normal e é muita praia com elas mas não
comigo. Deito-me ao sol a usufruir do contraste com o mar que parece que trago dentro,
um frio que se quer quente, um filme de gelo derretido debaixo da pele,
falta-me aqui uma poesia para dizer aquilo que já toda a gente sabe mas ainda
assim falta-me. A verdade é que não há lá muitas coisas melhores que esta,
embora haja algumas. Estou por isso toda feliz, apetece-me a vida, e vejo pelo canto
do olho uma veraneante ali em biquíni e em pé a conversar num telemóvel, quando a noto tão branca em contraste, outro, com as minhas filhas
pretas, que comunico assim: aquela senhora está esverdeada de tão branca.
- Qual senhora?...
- Aquela, em pé, a falar ao telefone.
- Ó mãe!! Tu estás muito mais branca do que aquela
senhora!!!
Portanto fechei o canto do olho e dediquei-me a sentir somente
o contraste térmico até me secarem as mãos e tornar a pegar no livro, reentrar
em Macondo e deixar-me ir.
À saída do dia, para rematar com uma cereja no topo deste
bolo tão macio e delicioso que foi a praia, nós equipadas com a instalação
desmontada e às costas, chapéus, cesto, toalhas, a bola de vólei debaixo dum
braço, subimos o areal. Antes daquele momento em que já é mesmo para calçar as
chinelas se não queremos espetar os pés em catos secos, pedras ou pauzinhos, está
um casal que já passou dos sessenta, ou sessenta e cinco, sentados à sombra dum
chapéu de sol de várias cores, cada qual na sua cadeira de praia. Ele observava-nos a nós,
creio, a subir com as tralhas, ela cosia qualquer coisa, dava um pontinho, como
dizia a minha avó, que gostava de se sentar a dar um pontinho. Eu olhei-os e, terá
sido recordarem-me a minha avó ou terá sido aquela paz de estar que eles me
ofereceram, sorri e ele viu. Então, para fazer um nadinha parte deles, eu disse:
- Assim não perde tempo! – apontando com um inclinar de
cabeça para ela, que estava concentrada a enfiar a agulha no pano às florzinhas, puxando a linha devagar.
Mas riram-se os dois e ele confirmou.
- Ai não perde, não!
Quando chegámos ao carro coberto de pó, já as minhas filhas tinham
ouvido o quanto a bisavó delas gostava de se sentar assim, concentrada, a dar um pontinho.
E não disseram as suas filhas que já ouviram a mesma conversa um ror de vezes e não precisa repeti-la?! Se não, são umas ricas filhas. Os filhos são um bocadinho, como dizer, agrestes sem dar por isso. Ou mesmo dando, que há picadelas suas que não são pontinhos, são mesmo para magoar. Em alguns mantém-se o imperdoável de não sermos santos.
ResponderEliminarOs velhos são um mundo. Calmo. Sossegado. E a sociedade gosta assim, de repará-los pouco e sem incómodo.
Tem tanto de princípio de verão este post de final de Agosto:). Sabe bem numa manhã de sábado.
Por acaso acho que foi a primeira vez que ouviram esta história, mas é verdade que os filhos são agrestes, o que, a meu ver, é a única forma de serem; a sinceridade é fundamental nas relações que importam. :-)
EliminarOs velhos (alguns, alguns) são de facto um mundo tranquilo, é muito bom tê-los.
O seu comentário também me soube bem, bea, obrigada :-)
Gosto de trazer para o comentário a tua poesia mais descarada, aquela que, não sendo tão discreta, não se esconde pelo post todo, repara-se logo nela à primeira vista: "contraste com o mar que parece que trago dentro", "um filme de gelo derretido debaixo da pele", olha para ela, a descaradona! Quanto à poesia mais subtil, não quero perturbar a sua maneira de estar no post, mas estou toda convencida de que, lá no fundo, guarda o secreto desejo de que a adivinhem, posto isto, só quero que saiba que a li.
ResponderEliminar(E que esse estar feliz continue, dentro ou fora da praia) :-)
É evidente que essa poesia mais descarada e menos descarada (que não sei onde anda, na verdade) que tu lês, é devido a teres tu uma vasta gama dela em ti; daí umas frasezinhas todas prosaicas te fazerem um eco bonito assim. Os leitores são uma parte fundamental da escrita, é o que te digo. :-)
EliminarE também te digo obrigada, Cláudia.
(e ainda outra vez: obrigada :-))
Macondo. Se alguém algum dia descobrir Macondo nesta Terra, quero ser o primeiro a desbravar esse lugar. Mesmo antes da avalanche de turistas, que estragam tudo.
ResponderEliminarBem-vinda a García Márquez, caso seja o caso.
:)
Sim, é mesmo esse o caso. :-)
EliminarOlá, Diogo.