Olho muito azul por trás dos óculos, sujos. A casa também. E desarrumada, aliás caótica. Cheirando a urina, gritando abandono. Magro, as calças parecem querer cair-lhe. O cabelo, farto, já terminou de branquear, é como neve. São os primeiros passos para a senilidade, dizem-me os meus sensores. Não percebo mais de dez por cento do que ele diz.
Não quer vender a casa: mas divorciou-se e tem de vender a casa. Mostra, orgulhoso, o seu belo jardim. Mesmo ao lado de uma escola primária onde, à hora do recreio, se ouvem os meninos brincar, lançar cristais de palavras imberbes e gritos felizes para o ar. Frio.
- É um sinal de vida – diz-nos, justificando o sorriso.
É. Não é fácil conviver com a velhice. E a velhice masculina e sozinha tem suas ruas e lugares específicos. Precisamos alguma compreensão e "estômago" para cheiros, manias e linguagem de solidão. Porque, sem palavras, tudo fala dela: eles, a casa, a tv sempre ligada.
ResponderEliminarCopio Ana Bola: até hoje, do que vi e do que vivo, não encontrei nada de apelativo na velhice. No entanto, é uma fase da vida; teremos de palmilhá-la. Com espírito de preferência:).
Eu - que sou demasiado otimista mas insisto em sê-lo - tenho a ideia de que na velhice se pode experimentar uma tranquilidade e um olhar firme sobre as oscilações da vida, que pode ser ancoradouro para os novos.
EliminarMas na verdade a velhice pode ser muito triste. No entanto, queremos quase todos lá chegar. Somos de facto uns seres estranhos, nós, pessoas. :-)
Este teu post remete-me para o horror de ter assistido, até ao fim, ao desenrolar do alzheimer de uma das minhas avós.
ResponderEliminarA senilidade é uma coisa horrível. Chegar-se a velho com a maior saúde possível, sozinho ou acompanhado, e com capacidade de viver com conforto, e isso aconteceu à minha avó até aos 80 anos, é uma bênção, acho eu, agora a senilidade, a senilidade é um dos meus exemplos de horror.
A partir de uma certa altura, Susana, só quem assiste, completamente impotente, sem poder fazer nada para travar aquilo, é que passa a ter noção, pelo menos isso a demência faz pela pessoa que a tem, não a deixa perceber o que está a acontecer-lhe.
Verdadeiramente triste, capaz de estilhaçar o coração todo.
É verdade, Cláudia, a senilidade é-nos muito feia, a nós que a observamos de fora. Muito feia e muito triste, revoltante.
EliminarMas é como dizes, a pessoa demente - a partir de certa altura - já não sabe que ainda existe. Eu quero crer que aí o sofrimento já acabou.
todos os dias estou lado a lado com a dor.
ResponderEliminartodos os dias vejo-a. está no olhar, está na frequência cardíaca acelerada, no padrão respiratório... está na mente, nos sonhos e nas palavras de quem a deixa sair.
dito isto, todos os dias tento não me esquecer de dar o valor devido a todos os que gosto. porque a dor chega sempre sem avisar e não pede educadamente para entrar. ela chega com a força de um furacão e tudo muda.
crescer custa e viver é um caminho sem retornos.
chegar ao fim e ter a certeza que nos preocupámos com que amámos talvez seja o maior desígnio de todos.
Concordo totalmente, il. Devemos dar valor à saúde que temos, a nossa e a dos nossos.
EliminarNo início da minha vida de trabalho tentei chegar-me à área da saúde, queria - sei lá - ajudar a salvar vidas. Mas quando o olhar dos doentes se ancorava no meu pedindo-me isso mesmo - que lhes salvasse a vida - eu tinha de abrir muito os olhos para não deixar as lágrimas sair. E às vezes desviava o olhar porque não aguentava. Aliás, não aguentei.
É um sinal de vida. Amei os cristais de palavras imberbes.
ResponderEliminarHá também muitos jovens senis por aí
Cristais devido ao frio que estava - nem em todo lado é agora verão :-)
EliminarSim, pois há, Evandro.
Sais de um sítio com o coração partido mas vais reconstruir outro (coração, lugar).
ResponderEliminarSe a isto não se chama escrever bem o que se sente, então, já não sei nada de nada :)*
Creio que sabes tão bem quanto eu, alex, como é difícil reconstruir "vasos" partidos quando eles não querem.
Eliminarbeso también y gracias, guapa :-*