Eu já tinha visto - tenho andado a reparar que os posts que mais gosto de ler nos outros blogs usam muito pouco, ou nada, a palavra eu, ao contrário de eu - mas vamos lá, já tinha, então, visto o nome dele na lista de participantes. Por isso ontem, quando me sentei para a reunião da tarde, não me admirei de o ver entrar. Envelheceu muito. Era um senhor - ainda é - um senhor de porte direito, alto, voz grave e olhar tranquilo, sabedor. Era ele falando e todos os restantes, eu incluída, atenta, sentada na audiência, a ouvi-lo. Talvez até que se lembre vagamente da minha cara, de quando, há quantos anos, o interpelei no intervalo, lhe fiz perguntas, me apresentei. Vinha a entrar na sala, devagar, um nada curvado, procurando obter um lugar que ainda estivesse vago. Ajeitei a cadeira vazia ao meu lado e indiquei-lha interesseiramente: eu (quatro) queria usufruir da sua companhia nos trabalhos da tarde. Agradeceu e sentou-se. Puxou do seu pequeno computador, meteu-lhe uma drivezinha daquelas de apanhar internet e já parcialmente descontinuadas e começou a dedilhar as teclas. A sessão decorria aos arrancos, que os temas discutidos não estavam de pleno consenso. Aborrecida pelo pouco fluir dos trabalhos, olhei pelo canto do olho para o que ele fazia - dedilhava agora no smartphone que tinha na mão - eram mensagens para uma menina cuja foto eu (sete) podia ver. Quedei-me talvez tempo demais na observação - ele notou. Inclinou-se ligeiramente para mim e disse-me em voz baixa, quer ver a mensagem da minha neta mais nova?, quero, claro que quero. Era uma mensagem de amor que pude eu também ler intrametida nos trabalhos da tarde.
No fim, enquanto nos levantávamos, e a propósito da palavra pirómetro que tinha surgido e ainda pairava, fogosa, objeto de uma derradeira discussão, diz-me sem eu perguntar que "piro" quer dizer fogo e por conseguinte dióspiro é o fogo de deus, diós, deus, piro, fogo - se eu sabia isto? não, claro que não sabia, por isso é que quem puxou a cadeira para ele se sentar ao meu lado logo no início da tarde fui eu (onze).
Este post, atendendo à quantidade de "eu's" que tem implícitos, está delicioso.
ResponderEliminarAbraço.
(apareça mais vezes, Susana, mesmo que na primeiríssima pessoa)
Este seu comentário, querido Impontual, também está. Muito obrigada.
EliminarVai outro abraço e sim, sim, aparecerei. :-)
:)
ResponderEliminarEsse é um belo sorriso para quem - se não estou em erro - não gosta nada de dióspiros. :-)
EliminarFoi uma sessão interessantíssima!
ResponderEliminarJá agora, fogo de Deus, é um nome estranho para um fruto (para mim) tão delicioso... Mas se dizes que o senhor sabe, quem sou eu para o contradizer.
Beijinhos Susaninha e ouve o Impontual, volta mais vezes 😊
Voltarei, querida Mafy. Aqui está-se sempre bem, nesta vossa companhia.
EliminarObrigada e beijinhos também.
bom fim de semana, Susana, esperando a vinda das cerejas, que o fogo de deus, na imagem de dióspiro, ainda demora a regressar.
ResponderEliminarbeijinhos, Susana.
ah, as cerejas! poderosas na sua capacidade de nos entreterem enquanto os dióspiros não vêm. não é? :-)
Eliminarbesos, mia.
E ele sentou-se? Lembrou-se de si? Há bons mestres:)
ResponderEliminar~CC~
Talvez tenha achado que não era a primeira vez que me via e sentou-se logo, sim. Ele sabe que ali, naquele contexto, toda a gente o conhece. :-)
EliminarBom domingo, CC.
Gosto tanto de saber a origem das palavras. Se pudesse estudava-as toda até as saber de cor. Dióspiro, o fogo de deus... que lindo.
ResponderEliminarPor vezes divido sílabas até chegar a conclusões, quiçá tolas, tipo: condor, com-dor.
E isso do 'eu isto', 'eu aquilo', olha, sou pessoa para evitar os eus, que me cansa a cabeça quando leio ou releio o que escrevo, só por dizer que os teus me não dão abalo algum, embora já tenha notado que usas.
Olha, também eu gosto de saber a origem das palavras. De vez em quando também as disseco a tentar sugar-lhes esse código ancestral. Um dia peguei na palavra "preocupar" e dissequei-a até aqui: pré-ocupar. Tradução: ocuparmo-nos previamente de algo que ainda não aconteceu. Sabes o que me pareceu? uma perda de tempo, isso de nos preocuparmos. :-)
EliminarE obrigada, Gina, gosto tanto que venhas aqui.
Pena não me ter lembrado da ocupação prévia, é que também eu cheguei a esta - nada tola - conclusão, quando um dia vinna da preocupação. :-)
EliminarE eu gosto de cá vir.
Eu estou sempre a concluir que as pessoas, no geral, preocupam-se demais. Não há necessidade de tanta preocupação, até por que no fim as coisas más que nos acontecem não costumam ser aquelas com as quais nos preocupámos. Pois não?
Eliminar:-)
e eu cá reparei foi no "quedei-me" que lhe acho muita piada!!
ResponderEliminar(costumo ouvir muito para os lados de castelo branco)
bom fim de semana
mas este quedar, querido il, foi escrito aqui mesmo na grande lisboa. eu acho que o fui roubar ao castelhano, que é língua que me encanta. :-)
Eliminarbom domingo.
tem piada que na terra onde muito quedares oiço, a fronteira com espanha fica à distância de um olhar e as gentes de lá bem que têm algum portinhol e dizem coisas lindas como " então já vandes d'abalada!?"
Eliminarnão menos curioso foi nessas terras onde vi pela primeira vez um diospireiro, e onde por ter comido um ainda pouco maduro fiquei com a língua "encarraspada" como por lá se diz!
Oh, mas os dióspiros, talvez por serem fogo (que arde sem se ver?) precisam de levar a vida até ao fim e só são verdadeiramente frutos de deus - digo eu - quando estão prontos, maduros portanto. :-)
EliminarQue bom!
ResponderEliminarE olha, diospiro ser o fogo de Deus é fantástico... Mesmo...
É um fruto absoluto: delicia, dá luta, pinga por todo o lado, parece que nos quer fugir. E quando ainda pendurado na árvore, folhas nem vê-las, é belíssimo, belíssimo. Já parei o carro à beira da estrada para me pôr a olhar para um diospireiro de lindo que estava. :-)
EliminarComentário baseado na recolha dos teus "eus", não só deste post. E está todo convencido (o comentário) de que está cheio de razão:
ResponderEliminarOlhos brilhantes, vivos, atentos, sempre pronta para ser surpreendida e desinquietada pelo gosto de saber mais.
Também gosta de saber sobre quem somos quando despimos a fatiota social mais formal, não por bisbilhotice, mas, por gostar muito de pessoas, por acreditar muito nelas, por isso, vê-las desarmadas em momentos de humanidade, aquece-a por dentro. Penso que, as pessoas, sentem esse acolhimento, então, não se importam de que as veja assim e até a incluem nesses seus momentos.
Chama-se Susana Rodrigues e tem um blogue, aí, parece que estou a vê-la, senta-se em forma de post no meio da sala e ajeita as cadeiras vazias num incentivo a que nos sentemos também.
(Carece de resposta não, este comentário, ele sabe que, saber o que responder a este tipo de coisas, é fogo. E, obrigada, Susana, pelo que também fiquei a saber sobre essa delícia de fruto.)
Não são muitas as vezes na vida em que se encontra uma generosidade tão grande, uma disponibilidade tão voluntária e tranquila para observar os outros, como se pode encontrar em ti.
EliminarMuito obrigada, Cláudia.